Rita Nabeiro e Marlene Vieira sentaram-se à mesa do restaurante Marlene, com vírgula, galardoado este ano pelo Guia Michelin, prova de que a cozinha de autor também é um lugar onde as mulheres podem e devem sonhar ao mais alto nível. Aos 45 anos, a chef é um nome incontornável da gastronomia portuguesa e foi a primeira mulher em três décadas a receber uma estrela.

Alcançada a estrela, ambicionada há muito tempo, o que se segue? Qual é o próximo sonho?

É a segunda! Há mais duas para alcançar (ri-se). Não, estou a brincar… Neste momento, ainda estou a saborear a estrela. É como se fosse uma pequena pausa para respirar fundo. É o que eu sinto. Parece que vou começar uma nova etapa de vida. A estrela Michelin é muito importante porque, para quem trabalha a excelência acima de tudo, ter um guia que premeia essa qualidade é essencial. E é muito bom alguém validar o nosso trabalho, além dos clientes. E a estrela traz-nos mais clientes.

 

Na noite da gala Michelin, o que sentiste quando disseram o teu nome?

Muita emoção. Assim como sinto agora. Foi como se tivesse uma cassete na minha cabeça que estivesse a ser rebobinada. Pensei no meu trajeto ao longo destes 30 anos dedicados à gastronomia, nos momentos bons e nos menos bons. Fez-me ver que este trajeto valeu muito a pena.

 

O que é um momento menos bom?

É quando perdemos a força e sentimos vontade de desistir.

 

Nessas situações, onde vais buscar a força para continuar?

É acordar no dia seguinte e evitar tomar decisões precipitadas, que esses momentos duram pouco tempo. Houve alturas em que pensei que o esforço era demasiado, que as coisas não precisavam de ser tão difíceis no dia a dia.

 

 

Ouça abaixo a entrevista na íntegra

Marlene Vieira e Rita Nabeiro

Quantas horas se passa a trabalhar fechado dentro de uma cozinha?

Depende do espaço e da empresa. Aqui, ninguém trabalha mais do que oito horas. Isso foi uma aprendizagem que eu tive ao longo do tempo, em que fui a minha própria cobaia. Se estivermos muito cansados, os cortes e as queimaduras nas mãos vão ser maiores e mais frequentes. Estou sempre a tentar minimizar o erro e a trabalhar com consistência, para garantir a qualidade, a concentração e o foco. Neste tipo de restauração, onde o cliente paga valores um bocadinho maiores, o erro tem de ser minimizado.

 

Tenho a sensação de que isso não é assim tão comum.

Ainda não é.

 

Gostavas de ser um exemplo?

Eu acho que as pessoas não têm essa noção. Eu faço a gestão de três espaços. No Time Out Market servimos mil refeições por dia e ninguém trabalha mais do que sete horas. Diminuo as horas de trabalho consoante a intensidade. E é obrigatório parar ao fim de duas ou três horas. Não é opcional. A pessoa tem de parar e ir apanhar ar ou fazer qualquer coisa. Porque eu estive sempre com eles na cozinha. Esta é a minha profissão, e percebi rapidamente que a probabilidade de errar cresce conforme a carga horária. Felizmente isto está a mudar, porque há muito menos mão de obra. As pessoas foram saindo, não só devido a questões salariais, mas também por causa do nível de exaustão psicológico e físico nesta profissão.

 

No teu discurso de agradecimento, na Gala Michelin, mencionaste, emocionada, a tua subchefe, que tinha sido mãe há pouco tempo.

É a Marcela. Foi minha aluna, há muitos anos. E essa questão, a maternidade, ainda afasta muitas mulheres da alta-cozinha. 

 

Achas que podes ser uma inspiração para uma geração de mulheres que quer seguir por esse caminho?

Pelo trajeto que fiz, acho que sim. Mas não vou ser hipócrita e dizer que era o meu foco, porque não era. 

 

É uma consequência.

Sim. No caso da Marcela, lembro-me perfeitamente do dia em que ela descobriu que estava grávida. Contou-me antes de contar à família, por causa do medo que tinha de perder a carreira. Essa foi a primeira coisa em que ela pensou: que não queria deixar de estar aqui, de ser cozinheira. Foi assustador. E eu já tinha passado por isso. Num momento que devia ser de grande felicidade, ela estava a sofrer por antecipação, por perceber que podia perder o lugar. E eu disse: ‘Marcela, isso nunca vai acontecer, vamos olhar para a tua estrutura familiar e perceber o que se pode fazer.’ E assim foi.

 

Tu passaste por isso. Será que um homem teria a mesma sensibilidade?

Acho que há homens com essa sensibilidade, não creio que seja a grande maioria nem a sociedade em geral. Atenção, que também há homens que querem estar com os seus filhos em casa e, muitas vezes, a mulher não o permite.

“Por vir de um meio muito humilde, pobre, ter um espaço meu não era algo que achasse possível. Então, queria ser só chefe de cozinha, pensar o menu, fazer as receitas e controlar as coisas à minha maneira.”

No vosso caso, até são os dois chefes, e ambos com estrelas Michelin. Como é a dinâmica em casa?

É hoje fico eu, amanhã fica ele, e às vezes não dá, ambos temos eventos a que não podemos faltar, e aí chama-se a avó ou pede-se ajuda a amigos. Cercámo-nos de uma rede de apoio.

 

Quem cozinha em casa?

O João é quem cozinha mais vezes, porque não quer fazer as outras coisas (ri-se). Ele faz umas, eu faço outras. Somos verdadeiramente uma equipa. Acho que só assim é que resulta.

 

E o que cozinham em casa?

O que for mais rápido.

 

Em termos de pratos, tens algum guilty pleasure?

Olha, adoro a textura crocante de um McChicken. Não consigo comer carne de vaca, é muito seca. Portanto, como normalmente um hambúrguer de frango. Onde me apanham sempre é na crocância.

“A estrela Michelin é muito importante porque, para quem trabalha a excelência acima de tudo, ter um guia que premeia essa qualidade é essencial. E é muito bom alguém validar o nosso trabalho, além dos clientes. E a estrela traz-nos mais clientes.”

E na gastronomia portuguesa?

A cabidela é o meu prato preferido. É um prato de família que inevitavelmente me remete para a casa da minha avó.

 

A tua avó inspirou-te a querer seguir este caminho?

Quando era criança, tinha muita dificuldade em comer. A minha dificuldade era com as texturas. E há pouco tempo descobri que a minha avó detestava cozinhar. Era algo que fazia por obrigação. Eu só gostava mesmo da cabidela e pouco mais. Só muito mais tarde, quando comecei a trabalhar na cozinha portuguesa, é que quis tentar replicar sabores e texturas da infância. São apenas dois ou três pratos, apesar da minha avó fazer outras coisas. À medida que vou envelhecendo, tenho mais necessidade de recuperar essas memórias. 

 

E tu começaste cedo, não foi?

O meu pai tinha um talho. Por isso, entrava em muitos restaurantes com ele através da cozinha, que é por onde os fornecedores entregam os produtos. Lembro-me de entrar num dos restaurantes do Miguel Castro e Silva, que ficava na Maia, e de ele ter um forno no meio da sala.

 

Que idade tinhas?

Tinha 11 ou 12 anos. E lembro-me, como se fosse hoje, de o meu pai lhe trazer uma morcela de arroz que ele cozinhou e deu a provar. 

 

Era boa, imagino.

Era muito boa. Até porque eram os meus pais que faziam os enchidos. Tínhamos um fumeiro em casa. E eu também fazia, desde os meus sete ou oito anos. Obrigada, mas fazia. Eu, os meus irmãos e os meus primos, toda a gente participava. 

 

E começaste a trabalhar num restaurante aos 12 anos.

A maioria desses restaurantes eram de comida regional, e eram, na minha cabeça, um prolongamento da cozinha da minha avó. Foi quando entrei no restaurante da Isabel, com uma forte vertente francesa, que algo despertou em mim. 

 

Onde ficava?

Chamava-se Costa Brava e ficava na Maia. A Isabel tinha saído do curso de cozinha e fazia cozinha de autor misturada com cozinha francesa e alguns toques de portuguesa. Isso chamou-me logo a atenção, porque pensei que iria gostar dessa comida. Comecei a observá-la e percebi que a postura dela na cozinha era muito diferente dos restaurantes que eu visitava, em que havia sempre gritaria – porque nesses tempos era assim mesmo. Mas a Isabel era diferente. Vi que ela procurava ensinar, tinha paciência e cuidado. Entrei lá uma vez e disse ao meu pai que gostava de ir para lá nas férias de verão. 

 

E ele?

Achava que eu ia desistir ao fim de poucos dias. Ele sabia que era muito difícil. Mas, olha, comecei a ir nas férias da Páscoa e comecei a passar todo o meu tempo livre no restaurante da Isabel, mantendo a escola até ao 9.º ano, altura em que decidi tirar o mesmo curso que ela tirou, na Escola da Hotelaria, também do Porto. Estive lá três anos e depois segui o meu caminho.

 

Foi completamente determinante no teu percurso.

Sim. E ela já usava barrete na cabeça e jaleca. Isso não existia nas outras cozinhas que eu conhecia. Aquilo deixou-me fascinada. Não vou mentir: não foi a cozinha da avó que me fascinou, foi esta. Tanto que a minha filha se chama Isabel. 

És uma mulher decidida, combativa, lutadora, mas depois tens este lado de cuidadora, de te preocupares com as novas gerações de cozinheiros e com o equilíbrio entre a vida e o trabalho.

A cozinha já é um sítio com alguma tensão, porque há um horário muito preciso para termos as coisas feitas. O cliente não pode esperar meia hora pelo prato. Por isso, esta pressão, não há hipótese de a combater. Em tudo o resto, esforço-me para criar um ambiente o mais saudável possível. 

 

Conheceste ambientes tóxicos?

Trabalhei em cozinhas altamente tóxicas, onde imperava um espírito militar. A minha formação e a de muitos outros foi essa. Há cozinhas tradicionais onde esse espírito militar se mantém, e há cozinhas de fine dining, onde não há margem para erro, sem esse espírito agressivo. Os homens sujeitam-se mais. As mulheres não querem estar nesse ambiente e, por isso, desistem. Disso não tenho a menor dúvida, que eu vi acontecer à minha frente.

 

Como se muda isso? O que falta para haver mais mulheres na cozinha?

Acho que uma estrela Michelin atribuída a uma mulher pode ser um passo importante para se perceber que é possível. 

 

E entre livros, restaurantes, programas de televisão e a vida familiar, como geres o tempo?

Dando prioridade a uma coisa de cada vez. Quanto à televisão, sempre soube que era importante expor-me em determinados projetos, para promover e mostrar ao país o trabalho que a nossa equipa fazia. Também surgiram oportunidades e convites, não posso dizer que tenha ido bater à porta da televisão.

 

E agora tens um programa novo.

Tenho. Chama-se Prova de Amizade e estreia-se no canal Casa e Cozinha.

 

O que podemos esperar?

Não é bem um programa de cozinha, é quase um talk show. Cozinhamos de forma muito descontraída para dois convidados enquanto conversamos sobre variadíssimos temas. Não há guião nem receitas. Mas fugi à tua questão. Perguntaste-me como faço a gestão de tempo? Tenho uma agenda programada com muita antecedência. 

 

Há projetos para um novo restaurante?

Ainda não. Mas queremos muito abrir um restaurante de cozinha tradicional, muito autêntico. Se bem que o que para nós é tradição, para a minha filha já vai ser outra coisa.

 

Como defines a cozinha portuguesa?

A questão é: O que é nosso? Nós somos uma misturada de todos os povos que passaram por aqui, desde os franceses, mais recentemente, aos árabes, que deixaram uma marca muito profunda no Algarve. O que é efetivamente nosso? Não sei, porque no Alentejo, a questão do pão, das açordas, os muçulmanos também já o faziam. Trabalhavam o pão de diversas formas. É muito difícil alguém garantir que algo nasceu em Portugal sem qualquer influência estrangeira.

 

Do que serves nos teus restaurantes, o que é a essência da cozinha portuguesa?

O que liga todos os portugueses de norte a sul é o azeite e o alho. Depois, no Sul, encontramos os coentros e, no Norte, a salsa e cebola crua. Estes sabores não vamos encontrar em Espanha. Se calhar, só o azeite. Coentros, nem pensar.

“O que liga todos os portugueses de norte a sul é o azeite e o alho. Depois, no sul, encontramos os coentros e, no norte, a salsa e cebola crua. Estes sabores não vamos encontrar em Espanha. Se calhar, só o azeite. Coentros, nem pensar.”

Sentes que parte da tua missão é preservar essa cultura e reinventá-la?

Há sabores que temos de passar para as gerações seguintes. Aquela coisa de fazer peixe cozido com todos e regar com azeite e vinagre é algo que nunca vi em lado nenhum. É algo que quero passar para a minha filha, esta comida simples de casa com bons ingredientes, como um arroz de bacalhau ou um arroz de peixe, que fazemos desde sempre. 

 

O que te levou a ir trabalhar para Nova Iorque no início da carreira? E pouco depois do 11 de setembro de 2001.

Aterrei seis dias ou sete dias a seguir ao atentado. A minha mãe ia arrancando os cabelos todos, de aflição. Eu tinha acabado de terminar um namoro e quis fugir daqui. Aproveitei que o meu melhor amigo ia para Nova Iorque, para um restaurante português, e disse-lhe que também queria ir. E fui. Nunca pensei que pudesse ser o ponto de viragem na minha carreira, que eu até lá não valorizava muito a gastronomia portuguesa. Tive de estudar, porque não sabia quase nada de cozinha portuguesa. A minha formação foi virada para a cozinha clássica e internacional, e quando começo a ter de fazer coisas portuguesas, quis trabalhar as receitas como elas eram. Foi aí que descobri uma imensidão de pratos. Quer dizer, eu nem sabia que existia bacalhau à Brás.

 

A sério?

A sério, Rita. Foi há mais de 20 anos e eu vinha do norte do país, onde, na altura, se comia o bacalhau à minhota, na brasa. E quando começo a descobrir o bacalhau à Brás, o dourado, o espiritual… 

 

Há mil receitas.

É que os restaurantes de luxo não faziam comida portuguesa. Era gastronomia francesa. Mas sempre gostei de fazer cozinha criativa e da técnica das coisas. A textura dos alimentos era algo com que me importava muito, e eu achava que havia coisas por fazer na cozinha portuguesa. Depois tive a oportunidade, e também fui procurando pessoas que estavam no mesmo alinhamento que eu. 

 

Quem foram essas pessoas?

Isto é um meio muito pequeno. Ouvimos dizer que este é mais agressivo, o outro é menos, aquele tem um ego inflamado, etc. Então procurava sempre um equilíbrio. Tanto que nunca quis ir para França trabalhar porque se sabia que lá era normal baterem nos cozinheiros. E eu não ia saber lidar com isso. 

 

Estou chocada.

Mas em Portugal também aconteceu. Por cozinheiros franceses e não só. Em Espanha, até há bem pouco tempo isso também acontecia, tanto que houve denúncias e as coisas mudaram. Antes de ir para Nova Iorque, tinha trabalhado com um chef que veio do Ritz e que abriu um hotel em Lisboa. Mais tarde, quando abriu outro, e porque sabia que eu estava nos Estados Unidos, chamou-me para integrar a sua equipa que ia fazer uma nova cozinha portuguesa em ambiente de luxo. 

 

Foi isso que te fez voltar a Portugal?

Foi o que me fez voltar, mas as saudades também eram muitas. Olha, a Mariza fez-me chorar lá baba e ranho. Ela estava a lançar a sua carreira e foi ao nosso restaurante, em Nova Iorque. Depois, fui sempre trabalhando. Depois apareceu a cozinha molecular, com as suas texturas e técnicas, através das mãos do Ferran Adrià, que é algo que ainda hoje me fascina. 

 

O sonho de ter um espaço próprio surge quando?

Sabes, por vir de um meio muito humilde, pobre, ter um espaço meu não era algo que achasse que possível. Então, queria ser só chefe de cozinha, pensar o menu, fazer as receitas e controlar as coisas à minha maneira.

 

O que te fez pensar de outra forma?

O convite da Time Out. A revista elegeu os melhores pratos do ano e convidou os autores a ter um espaço no Time Out Market, que ia abrir no Mercado da Ribeira. E um dos pratos era meu – do Avenue, que era um restaurante que eu já liderava sozinha – e que até fez a capa da revista. O meu patrão na altura deu-me carta-branca para fazer petiscos portugueses num ambiente de luxo.

 

Já foi há 11 anos.

Precisei de tempo para pensar no convite e fui para o País Basco, um dos sítios com mais restaurantes Michelin per capita e onde os chefes são quase todos donos dos próprios espaços. Precisava de absorver aquela energia e de falar com eles e perceber como é que era gerir um espaço e ser o dono. Abri o Time Out estando grávida e a nossa filha nasceu meio ano depois. O patrão do Avenue, no dia em que ela nasce, decide fechar o restaurante porque achava que eu não ia conseguir gerir o Avenue e o Mercado da Ribeira. 

 

Mas foi, e continua a ser, um sucesso.

Ainda fui a entrevistas de trabalho, porque não achava que o Time Out fosse um sítio onde eu quisesse estar a tempo inteiro, porque era pouco, percebes? Sendo que me enganei completamente. Dediquei-me por inteiro a isto e sim, sempre foi um sucesso. Na verdade, foi o que nos permitiu abrir todos os outros espaços a seguir. Primeiro o Sála, em 2018, quatro anos após o Time Out Market abrir, e dois anos a seguir viria o Zunzum Gastrobar.

Só que o Zunzum Gastrobar não abriu logo como planeado, pois não?

Era para abrir a 18 de março de 2020, e no dia 13 o país fecha-se por causa da pandemia… Não me vou esquecer nunca. Tinha uma equipa com perto de 100 pessoas em casa. Foi o momento mais duro, financeiramente falando. Pôs à prova a nossa capacidade de gestão.

 

Ia-te perguntar isso. Porque tens o lado criativo, de chef, mas também o lado da empresária. Como é que se equilibram?

No Mercado da Ribeira, rapidamente percebi que tinha de ter um financeiro e alguém nos recursos humanos, porque eu não queria e também não sabia como fazer. Todas essas pessoas vieram da minha equipa. A diretora financeira era empregada de balcão no Time Out Market. Tinha um curso de bibliotecária, mas notei nela um rigor e uma dedicação que me fez dizer-lhe: ‘olha, vais tratar das contas da empresa’. Fez um curso e foi assim. A pessoa de marketing era um cozinheiro, mas que tinha formação na área e eu gostava tanto da sua personalidade, dos seus valores, que lhe disse que ia tratar das minhas redes sociais.

 

Reinventas a cozinha e também as pessoas.

A verdade é que aproveitei sempre pessoas de dentro das minhas equipas, nunca fui buscar ninguém de fora. E, bom, crescemos todos assim.

 

E depois do Zunzum, aqui ao lado, vem o Marlene, – com vírgula.

Era para ter aberto também em 2020. Os dois estavam prontos, sendo que eu queria abrir três ou quatro meses após o Zunzum abrir, mas percebi que não era possível. Um restaurante é como um bebé. Abriu dois anos depois, porque foi quando senti que o Zunzum já caminhava sem que eu estivesse sempre ao lado.

 

E qual é a história da vírgula no nome?

A verdade é que o restaurante tem o meu nome contra a minha vontade, porque eu achava que ia ficar refém de ter de estar sempre aqui. Depois, mais à frente, percebi que o restaurante tem que ver com todo o percurso feito até aqui. E a vírgula representa as várias histórias que eu posso contar daqui para a frente. 

 

Qual é o teu ingrediente secreto?

Eu gosto muito de ervas aromáticas, mesmo muito. Não é nenhum segredo. Gosto da profundidade do sabor. Nas ervas, sentimos o primeiro aroma através do perfume que ela liberta, mas depois, no seu sabor, há camadas. E as ervas transformam qualquer prato. O que é uma canja sem hortelã? Por isso é que a cozinha alentejana é tão especial. 

 

Qual é o prato que mais te orgulhas de ter criado?

Um que temos aqui no Marlene, que é a nossa feijoada de choco, em que as texturas se alteram a meio. É Portugal num prato. Qualquer português fecha os olhos e diz: ‘eu estou em Portugal’. 

 

Para onde gostavas que a gastronomia portuguesa caminhasse em 10 ou 20 anos?

Acho que é importante dar liberdade aos jovens para criar novos pratos. Nós gostamos de estar agarrados a esta portugalidade. Mas eu gostava de olhar para o futuro e ver evolução. 

 

Como é que isso vai surgir?

Não faço ideia, mas gostava muito de poder fazer parte dela. 

 

Acho que já fazes.

Gostava de poder deixar um prato que dissessem assim: este prato foi criado pela Marlene e é português. Isso é do mais difícil de se conseguir, não é? Deixar um prato que faça parte do receituário nacional, assim como ficou o bacalhau à Brás, o pudim Abade de Priscos e tantos outros.