Será que as nossas escolhas individuais têm o poder de transformar o mundo? Numa sociedade de consumo e desperdício, há quem escolha um caminho diferente, mais consciente e responsável. Com mais de 110 mil seguidores nas redes sociais, Catarina Barreiros transforma inquietações em ações e problemas em soluções, inspirando-nos a repensar hábitos e a fazer escolhas mais sustentáveis através do projeto Do Zero, que cresceu de uma página no Instagram para um site, um podcast, uma loja ecológica e até um evento que atraiu 30 mil pessoas. Acessível e cativante, com acutilância mas sem arrogância e de sorriso no rosto, Catarina recebeu Rita Nabeiro na sua casa, para uma conversa franca, que reforça que pequenos gestos podem ter um impacto gigante no planeta.
Formaste-te em arquitetura e tens um mestrado em gestão. Trabalhaste em moda e marketing digital, mas foi na sustentabilidade que descobriste a tua missão: ajudar pessoas e empresas a adotar práticas mais ecológicas e inteligentes. O que despertou a tua consciência ambiental?
É muito difícil responder, porque vamos sempre olhando para trás, tentando perceber que coisas nos marcaram, mas ainda estou demasiado perto do momento zero para perceber exatamente o quê. Muitos fatores influenciaram. Para já, a minha família. Sou filha de dois professores. Tenho um irmão com paralisia cerebral e os meus pais sempre nos fizeram acreditar que temos de puxar pelas pessoas que têm mais desafios na vida do que nós. “O mundo não te deve nada; deves, sim, com o teu privilégio, fazer alguma coisa”, diziam-nos. Depois, tive uma avó no Fundão, que sempre teve a sua horta… Ela lavava os sacos de plástico das compras e punha a secar num estendal. E, na altura, não se pagava por eles. Dizia que não lhe tinha custado dinheiro, mas que teria custado a alguém. A minha avó sempre aproveitou tudo da comida. Viveu uma vida mais simples e, tendo apenas a quarta classe, foi sempre das mulheres mais inteligentes que eu conhecia. Sempre me senti muito ligada a essa sua maneira de ser. Depois, a vida foi acontecendo.
Foste escuteira.
O que fez com que gostasse muito do ar livre, da natureza e da filosofia de deixarmos o mundo melhor do que o encontrámos, o que moldou um pouco os meus princípios. Fui-me cruzando com pessoas que me inspiraram. O meu marido, por exemplo, era muito curioso em relação às injustiças, e fazia-me pensar. Foi muito engraçado quando nos conhecemos, porque me fazia mesmo refletir. Depois tive uma gravidez de risco. Ser mãe, por si só, já nos leva a pensar que futuro queremos deixar aos nossos filhos. Mas com uma gravidez de risco, tive mesmo muito tempo para pensar nisso. Então comecei a querer descobrir mais e li tudo o que podia.
Ouça abaixo a entrevista na íntegra
Catarina Barreiros e Rita Nabeiro
E aqui, nesta sala, vejo uma harpa e um piano, além de estantes cheias de livros. Esta diversidade de interesses enriquece a tua maneira de pensar?
Acho que tudo o que fazemos molda-nos, para o bem e para o mal. É engraçado porque a minha tese de arquitetura foi sobre habitação social, e em gestão fiz uma tese sobre o consumo de luxo. São mundos muito diferentes. Sempre gostei de conhecer realidades diametralmente opostas. A música, a arte e a leitura foram sempre os meus escapes. De alguma maneira, encontrei na arte o equilíbrio para a confusão do meu cérebro. Faço muitas coisas, nem todas bem. Tenho sempre dúvidas em relação ao mundo e preciso do espaço que a música me traz. Há uns anos, tive um burnout. Estava muito mal e a psicóloga perguntou-me o que fazia em pequenina quando queria estar feliz – ia para o piano. Foi o que me salvou. Como trabalhava por conta própria, não é que pudesse parar.
Que idade tinhas?
Tive o burnout há três anos, tinha 29. Quando a minha filha, que começou a tocar piano este ano, às vezes diz que não quer estudar, respondo-lhe que a música, nesta casa, é como o português ou a matemática: é para fazer. Uns ensinam-te o pensamento lógico, outros a falar como deve ser e a conhecer a tua cultura, mas a música é um escape para quando o mundo estiver mal. Digo-lhe que um dia vai compreender. E eu agradeço todos os dias aos meus pais por me terem inscrito na música.
Trabalhaste em moda e marketing digital, e ouvi numa entrevista que eras um pouco consumista…
Não era um pouco, era mesmo muito!
Como é que se passa de um extremo para o outro?
Sou apologista de que temos de nos conhecer muito bem para perceber o que fazer da vida. Trabalhei, de facto, em moda de luxo, mas não com ordenados de luxo. E como comecei a trabalhar muito cedo, com 18 anos vivia com os meus pais, mas já ganhava dinheiro. E em que é que o gastava? Em roupa. Às tantas, o meu marido disse-me que não compreendia. Que eu era uma pessoa tão preocupada com as injustiças e depois comprava fast fashion produzida por crianças escravas no outro lado do mundo. De facto, não estava a ser muito coerente. Na altura ainda não tinha o projeto Do Zero a funcionar, mas acho que foi o primeiro clique. Isto não significa que seja necessário sermos extremistas. É possível encontrar o equilíbrio. Mas eu conheço-me. Sei que tinha de ser 8 ou 80. Tinha de ser uma mudança radical. E a verdade é que, passados seis anos, já não me custa absolutamente nada. Mas na altura foi uma decisão difícil.
Tens um discurso e uma atitude muito coerentes. Sentes-te uma ativista no sentido pleno da palavra?
Sim e não. Por um lado, sim, porque faço um trabalho vocal por um futuro melhor. Chamo a atenção para assuntos que às vezes até são dolorosos. Por outro lado, não me vão encontrar na rua numa manifestação. Odeio aglomerados de pessoas. Não é o meu espaço, não consigo gritar mais alto. Prefiro o diálogo, embora as manifestações também sejam necessárias. Apesar de trabalhar com redes sociais, não adoro ter demasiada exposição e ter a minha vida completamente escancarada. Por isso, tento não berrar demasiado.
“Porque a sustentabilidade não é sobre o que não se pode fazer. É sobre as oportunidades que se abrem quando pensamos no que queremos da vida. Uma vida em comunidade, virada para a felicidade.”
Quando entrevistei a Bumba na Fofinha, ela contou que uma vez lhe disseram, a propósito de uma publicação com 100 mil likes, que era quase como encher dois estádios da Luz. O que corresponde, também, ao número de pessoas que te seguem. Tens uma voz que chega a muita gente que gosta de ti, mas como tratas temas polarizantes, pergunto: também recebes reações opostas?
É impossível estar nas redes sociais sem ter exposição a comentários menos simpáticos. Lido com isso melhor ou pior consoante a minha filha me deixar dormir de noite. Há dias em que só me apetece desistir. Ainda há pouco tempo tive um vídeo que se tornou viral, que é o pior que me podem fazer. Sim, é giro porque a mensagem chega a muita gente, mas vêm muitas pessoas que não nos conhecem e que têm esse vídeo como primeira impressão. Mas não fazem, na verdade, ideia de quem sou, ao contrário da maioria das mais de 100 mil pessoas que me seguem, que já viram vários vídeos meus, que se identificam comigo e, por isso, se mantêm na comunidade. Ou então não se identificam e não ficam, e está certo, porque não temos todos de gostar do mesmo. E se a seguir fizer um post que vai contra o que pensam de mim, vão dizer que defraudei as suas expectativas. Isso é um pouco difícil de gerir.
Tens histórias de pessoas que mudaram a sua vida que possas partilhar?
Contaram-me que uma miúda estava a pensar seguir gestão, mas decidiu enveredar por engenharia ambiental. Quer dizer, decidiu a sua vida com base no que viu nos meus vídeos. É uma responsabilidade grande! Também sei de uma família que foi viver para o campo. Disseram-me que após me verem tantas vezes falar sobre o Fundão e o Alentejo e de viver de maneira mais tranquila, largaram tudo e foram. E muitas pessoas que começaram a viver sem carro, o que para a cultura portuguesa é muito difícil.
Vives sem carro?
Sim, porque moro em Lisboa. No Alentejo não dava. Falta conectividade entre cidades, não tanto na Grande Lisboa. Nas zonas com acesso ao Metro, é muito simples viver sem carro. Levo a minha filha à escola de bicicleta. São oito minutos. De autocarro ou metro demoro no máximo 20. De pé, seriam 45, ou seja, não é assim tão perto. No outro dia, fomos a um espetáculo de autocarro. Depois quisemos ir almoçar numa parte da cidade onde é difícil estacionar. Se tivéssemos ido de carro, provavelmente não teríamos ido a esse restaurante. Não ter carro dá-nos liberdade. É uma mudança conceptual. E se precisarmos, pedimos um emprestado ao meu pai ou aos meus sogros. Não é que nunca ponha os pés num carro.
Voltando ao projeto Do Zero, o que começou com uma página de Instagram é hoje um ecossistema completo. Como é que tudo isso aconteceu?
Um pouco por acaso. Como estava em casa de baixa e tinha imenso tempo para ler artigos científicos sobre sustentabilidade, comecei a mostrar o que fazia aos meus amigos, através das redes sociais.
Lembras-te da tua primeira publicação?
Perfeitamente. Tinha feito as minhas primeiras compras a granel e fiz uma publicação a dizer que ia mudar de vida, que ia passar a viver de forma mais calma e sustentável. Esse dia ficou marcado para sempre, porque após pôr o post soube que o meu melhor amigo de infância tinha morrido. A sustentabilidade veio ajudar-me num momento difícil, deu-me algo a que me agarrar.
O que tens a dizer às pessoas que sentem que ser sustentável é difícil ou caro? Que conselho darias a quem quer começar, mas não sabe como?
Depende da situação da pessoa. Se é verdade que alguns produtos são mais caros, também é verdade que, no geral, se poupa muito dinheiro. Ao não ter carro, poupa-se. Mas se, para uma família, isso não for viável – por exemplo, para os meus pais que têm o meu irmão em cadeira de rodas – é preciso conhecermos a nossa dinâmica e o que funciona para nós. A ideia não é ter um estilo de vida sustentável que crie desconforto e nos retire a alegria de viver; é sentirmo-nos bem e percebermos que há coisas simples que conseguimos fazer, como passar a incluir uma refeição de base vegetal por semana, ou usar um champô sólido em vez de líquido. Com pequenas conquistas começamos a sentir que conseguimos fazer alguma coisa, que temos uma voz. Isto não significa que temos de fazer tudo. Eu não faço tudo. Há coisas que devia fazer, mas não encaixam na minha vida. É importante não julgarmos os outros nem a nós próprios, porque fazemos parte de um sistema complexo. Somos uma peça da engrenagem, mas não somos a única. É preciso uma mudança que aconteça gradualmente.
E que conselhos simples darias às pessoas para começarem a implementar nas suas vidas e que, se todos seguissem, teria um impacto enorme no planeta?
Costumo dar dicas que trazem o máximo impacto com o mínimo esforço. O primeiro conselho que dou a alguém que queira fazer alguma coisa que seja fácil, que poupe o ambiente e também a carteira, é olhar para o desperdício alimentar. Por exemplo, durante uma semana, pesar toda a comida que se deita fora, de cascas a restos. E tentar diminuir o lixo de semana para semana. O desperdício alimentar é uma das maiores causas – das que são controláveis – de emissão de gases de efeito estufa, devido aos pesticidas, ao transporte de mercadores, à refrigeração da comida e ao processamento que lhe é dado. Tudo isso gera desperdício.
Qual é o segundo conselho?
O segundo é fazer uma alimentação de base vegetal. Dizer isto às vezes assusta, mas ninguém está a dizer que temos de ser veganos para salvar o planeta. Não é disso que se trata. É uma alimentação que é a tradicional mediterrânica, em que o prato é principalmente composto por alimentos de base vegetal. Aqui entram os legumes, as oleaginosas [frutos secos], os hidratos de carbono. Tudo isso tem de ter uma predominância no prato, não só em termos ambientais, como também em saúde. Sempre que tentamos comer em linha com as estações e com o que a terra nos dá, também estamos a fazer bem a nós próprios.
Quando vês pessoas com responsabilidades a dar o exemplo errado, líderes políticos a questionar a ciência, como é que isso te faz sentir?
A primeira reação é de desespero. O que estou eu aqui a fazer quando o líder da maior potência mundial questiona se os gases de efeito estufa serão assim tão nocivos? É um retrocesso histórico e é muito desgastante. Tento inspirar-me em pessoas que fazem isto há décadas e ainda não desistiram, como a professora Júlia Seixas e o investigador João Pedro Gouveia. Portanto, quem sou eu para estar cansada depois de seis anos a trabalhar nisto? É preciso não perder o rumo: queremos continuar a existir enquanto civilização. Não está em causa a continuidade do planeta, o que está em causa é a nossa continuidade. Como queremos viver: com máscaras e em bunkers ou a passear pela natureza, a apanhar frutos silvestres e a molhar os pés num ribeiro?
Achas que as empresas já estão comprometidas com a mudança ou continuam mais focadas no “greenwashing” e em criar uma aparência de sustentabilidade?
Depende muito de quem está à frente das empresas. É fácil, hoje em dia, para um público menos informado, passar mensagens que não querem dizer nada. Mas à medida que fica mais esclarecido, isso torna-se mais difícil. E não é do interesse das empresas serem apanhadas na curva. Há muito mais cuidado sobre o que se diz hoje do que há cinco anos. E acho que as empresas têm um papel verdadeiramente transformador na sociedade. Uma grande empresa, quando muda algo, muda com uma escala muito maior do que uma pequena. É sempre mais benéfico pensar no que pode ser feito em vez do que não se está a fazer. Já se começa a perceber que é preciso garantir que as empresas são transparentes com o processo.
A palavra “sustentável” é um daqueles chavões que engloba muitos significados diferentes. Sentes que, de tão usada, começa a perder importância? Para ti, o que é “ser sustentável”?
Ela tem o seu significado. É tudo o que conseguimos fazer que se sustenha. Mas, no que diz respeito ao marketing, abre espaço a interpretações. Prefiro pensar em termos de “mais sustentável do que”. Porque uma coisa, por si só, não é sustentável. Depende sempre de vários fatores. Olhemos para as escovas de dentes de bambu. São sustentáveis, mas para quem? A minha casa tem bolor. Se tivesse uma escova de bambu, teria de a trocar a cada três dias. Isso seria mais sustentável? O bambu vem da China, onde as políticas florestais em termos de certificações ambientais ainda não são espetaculares, depois vai ter de vir do outro lado do mundo. Será que é mesmo a melhor opção para mim?
Enquanto empresária, foi-te difícil encontrar o equilíbrio entre a divulgação da sustentabilidade e a necessidade de a Do Zero, que é uma empresa, gerar lucro? Causa-te dilemas de consciência?
Constantemente. O João, que é o meu marido e o nosso financeiro de serviço, está sempre a dizer ‘Catarina, a casa tem de ser paga’. Está certo. Podemos pagar bem às pessoas que trabalham connosco e respeitar os fornecedores, mas no final do dia eu tenho de ter ordenado, senão não vivo. Por muito boa vontade que tenha, se tiver de arranjar um emprego em paralelo, vou deixar de ter tempo para continuar a fazer o que faço. Isso foi uma constatação difícil para mim. Mas a Do Zero nunca foi um projeto para dar lucro, ao contrário da Norm. O que eu acho, enquanto empresária, é que temos de ter lucro, mas não em tudo o que fazemos. Isso tem sido uma aprendizagem, e ajuda-me sentir que a vida se vai organizar, que se um dia tivermos menos, temos menos; que se tudo correr mal, vamos para uma casa mais pequena. Profissionalmente, sou ambiciosa. Mas não sou gananciosa. Não são mais 500 ou 1000 euros que me vão fazer feliz. O que me deixa feliz é ter tempo para ir ao Fundão ou receber amigos para jantar cá em casa.
Falavas da Norm, o teu novo projeto.
É uma marca de roupa interior para a menstruação ou para pequenas perdas urinárias que comecei com duas sócias em novembro de 2023. É um produto reutilizável muito útil para a maior parte das mulheres. Está a ser giro porque além de termos sócios, estamos a gerir fábricas. E não tiramos lucros, antes reinvestimos na empresa. Também percebemos que se a empresa não der lucro, não consegue inovar. Isso foi uma aprendizagem muito recente. Se não tivéssemos margem suficiente no que vendemos, não conseguíamos avançar com o novo produto que vamos agora lançar: fatos de banho e biquínis com o mesmo propósito. Empresas que não tenham caixa financeira para aguentar o tempo de desenvolvimento dos produtos antes de os lançar, dificilmente resistem a longo prazo no mercado.
“Não está em causa a continuidade do planeta, o que está em causa é a nossa continuidade. Como queremos viver: com máscaras e em bunkers ou a passear pela natureza, a apanhar frutos silvestres e a molhar os pés num ribeiro?”
A Do Zero é um projeto que divides com o teu marido, João Barreiros, com quem também criaste “a cidade do zero”, um evento que tem crescido de ano para ano. Em que consiste, ao certo?
Foi um projeto que veio a seguir à pandemia, em que quisemos criar um ecossistema em que as pessoas pudessem aprender sobre sustentabilidade. Um supermercado só de marcas responsáveis não existe. A maior parte das pessoas não tem acesso a cientistas, investigadores e personalidades políticas, mas eu tenho. Por isso, quisemos criar uma experiência imersiva do que seria viver numa cidade mais sustentável. O que implica acesso livre à educação, a transportes e que as marcas à nossa volta apostem em economia circular. Tudo teria de ser feito para vivermos uma experiência do que poderia ser, que ainda não é, mas que, ao mesmo tempo, já estava a acontecer em Portugal, porque os cientistas que trouxemos eram portugueses. Na primeira edição tivemos 50 palestras e atividades. Mostrámos coisas tão práticas como consertar sapatos ou fazer sabonetes. Coisas práticas e teóricas para as pessoas se sentirem capacitadas para a sustentabilidade.
Foi um sucesso.
Sim, e o projeto cresceu. A primeira edição foi no Pavilhão do Conhecimento. A segunda, no Centro Cultural de Belém. A terceira, no Instituto Superior de Agronomia, onde o Grupo Nabeiro esteve em força, com a Delta, a Adega Mayor e a Why Not. E conseguimos levar milhares de pessoas a um local para onde não se podia levar o carro. Porque a sustentabilidade não é sobre o que não se pode fazer. É sobre as oportunidades que se abrem quando pensamos no que queremos da vida. Uma vida em comunidade, virada para a felicidade – e a felicidade não vai estar enfiada num centro comercial a um sábado à tarde. A felicidade é o que podemos partilhar em comum.
Este tema cria espaço para a inovação, mas se calhar algumas empresas encaram-no como um problema. O que tens a dizer sobre estes desafios que podem ser vistos como entraves?
A questão é mesmo essa. É que acho que podem ser oportunidades. É muito difícil a sustentabilidade não compensar para uma empresa. Quando falamos de poupar recursos, falamos de poupar dinheiro. Só aí, já existe um benefício. As empresas que encaram os desafios como oportunidades de inovação e desenvolvimento não só estão preparadas para a sustentabilidade como para qualquer desafio que venha a seguir. São resilientes. Flexíveis.
Integras o grupo de reflexão O Futuro Já Começou, que reúne regularmente com o Presidente da República. Se fosses primeira-ministra, quais seriam as tuas primeiras medidas?
Não tenho qualquer pretensão de ir para a política, mas já fiz um programa eleitoral de uma lista sombra para as últimas eleições europeias, e tive oportunidade de me sentar ao lado de especialistas e debater sobre o que faria. Sobre O Futuro Já Começou, não posso falar muito, mas posso dizer que a descentralização da produção de energia é um tema que já levei muitas vezes ao grupo de reflexão. Portugal é o segundo país da Europa com maior capacidade de produção de energia solar descentralizada. Significa podermos produzi-la nos telhados, nos estacionamentos. Não é preciso desbastar milhares de sobreiros para construir um parque solar. Para se ter uma ideia de quão viável isto seria, 50% da energia em Portugal poderia vir daí. Depois, ainda temos a energia solar centralizada, a eólica em offshore, em terra… Conseguimos perfeitamente fazer do nosso país um exemplo na utilização de energia renovável. Outro tema crucial é o desenvolvimento da ferrovia. É inacreditável não termos ligação às capitais europeias. Nem sequer temos entre Lisboa e todas as capitais de distrito. É uma estupidez sem nome, porque a partir do momento em que resolvo a ferrovia, até a crise da habitação consigo mitigar. Nos últimos 20 anos assistimos à desativação de estações de comboio, quando devíamos ter feito o oposto. Eu e o João tivemos agora uma viagem de 10 dias pela Europa em que fizemos tudo de comboio, menos entrar e sair de Portugal.
Como geres a tua agenda, entre tantos projetos e a maternidade?
Tenho muita sorte porque vivo uma relação do século XXI. Eu e o João somos pais na mesma medida. Às vezes está mais ele, outras vezes mais eu, mas há uma coisa muito consciente na nossa vida: a família é a prioridade. Tudo o resto se faz a seguir. Se a Graça precisar de nós, o que eu tiver para fazer nesse dia, incluindo encontros com o Presidente da República, não vai acontecer. Tenho noção de que é um privilégio enorme. Trabalhar ao fim de semana, não aceito. O meu pai sempre trabalhou por conta própria, é advogado, e sinto que está arrependido do tempo que não passou connosco. Vejo a dedicação que tem aos netos. Nunca lhe perguntei isso, porque não o quero ferir, mas se lhe perguntasse qual o seu maior arrependimento, se calhar diria que foi não nos ver semanas a fio porque estava a trabalhar. Também temos sorte em ter uma rede de apoio enorme, com avós muito disponíveis e amigos que são família.
E como imaginas o teu futuro? Que impacto gostarias que estes projetos tivessem?
Gostava de internacionalizar a Norm para que, daqui por uns anos, fosse uma marca bem estabelecida. Até porque produzimos em Portugal e vemos a fábrica com dificuldades cada vez maiores, porque vai tudo produzir para fora da Europa, por ser mais barato. E é uma fábrica incrível, com uma creche para os filhos dos funcionários. Gostava de a ver crescer connosco. Gerar lucro, sim, mas bem-feito. No que diz respeito à Do Zero, espero não ser preciso continuar a falar destes temas. Espero daqui a uns anos poder olhar para trás e pensar: ‘Eish, e quando eu tinha de explicar às pessoas o impacto ambiental de usar panos de limpeza em vez de papel de cozinha?’
Ou papel higiénico!
Agora é que vão dizer que sou maluca. (risos)
Já te ia fazer essa pergunta, de qualquer maneira. (risos)
Basicamente, o papel higiénico consome imensa água para ser produzido. São 140 litros por rolo. Em Portugal, por pessoa, segundo o PORDATA, consumimos 2,3 a 2,4 rolos por semana. Ou seja, são cerca de 300 litros de água. Usando um bidé, sendo mais higiénico, gasta-se muito menos água. Claro que tenho sempre papel em casa para as visitas. Quando me dizem que é um nojo eu não usar papel higiénico em casa, respondo que não tomo banho em papel: tomo em água.
Para terminar, qual é o teu maior sonho?
Quando penso onde quero estar daqui a 20 anos, quero estar em silêncio, sentada no alpendre da minha casa de campo, uma casa pequena, para não ser difícil de limpar. Quero ter um livro na cabeceira, um copo de vinho, e quero simplesmente ouvir os passarinhos e ver as minhas galinhas correr de um lado para o outro. Quero a minha cadela aos meus pés e o meu marido ao meu lado a ler um livro, e se me apetecer, levanto-me, vou até ao quarto pintar ou tocar piano e, de repente, entram crianças e são os meus netos e fazemos um grande almoço de família. Isso é o meu sonho de vida. Ter uma vida descansada, feliz e calma.