Rita Nabeiro entrevista alguém que está ligado à Delta desde a década de 1970 e que teve um papel preponderante no crescimento do Grupo Nabeiro. Alguém que caminhou lado a lado com o Comendador Rui Nabeiro, mas que preferiu sempre os bastidores a estar debaixo dos holofotes – exceto, claro, nos anos em que levou o Campomaiorense aos principais palcos do futebol português. Conversa com João Manuel Nabeiro, Presidente do Conselho de Administração da Delta Cafés, e seu pai, na véspera de completar 70 anos.

Na primeira edição da revista DDD entrevistei o avô. Foi a primeira vez que falámos com um microfone à frente, como é também agora a primeira vez que nós o fazemos. Começo pela mesma pergunta: o que esperas desta entrevista?

Espero excelência, que foi ao que vocês me habituaram: a fazer as coisas muito bem feitas. É um motivo de orgulho para mim. A alegria está no meu peito.

 

Assististe ao nascimento e crescimento da Delta. Que memórias tens desses tempos?

Comecei a vida profissional em meados dos anos 70. Fiz o meu percurso de escola, liceu e universidade, e, de um momento para o outro, senti-me envolvido naquele chamamento da família, do meu saudoso pai e teu avô. Vivíamos na rua de Badajoz, onde o chão era de terra batida. E eu sabia o que acontecia ao meu redor. Acontecia a torrefação Camelo, numa fase muito forte, simpática e doce. Mas ao mesmo tempo, com muita agressividade. O que me lembro mais é de como a família estava presente.

 

Lembras-te de quantas pessoas trabalhavam na Camelo, antes de existir a Delta?

Tenho imensas recordações do que era essa vida em família e as dos nossos colaboradores, que não eram mais nem menos do que pessoas da família, que viviam em nosso entorno e cujo dia de trabalho tinha uma filosofia de proximidade, companheirismo e, acima de tudo, sempre com muitas emoções – na torra e no empacotamento. E quando terminávamos o dia com aquela visão muito característica de que muita gente falou, e de que nós continuaremos a falar, e que foi um remédio social em Campo Maior: o contrabando. Palavra que foi muitas vezes maltratada. Mesmo no verão escaldante, os homens juntavam-se todos à roda da fogueira, que temperava as energias e levava as pessoas a passar para o outro lado da fronteira, sempre com a vontade de servir a família.

João Manuel Nabeiro e Rita Nabeiro

Que idade tinhas?

Era capaz de ter 7 ou 8 anos, visto que saí muito cedo de casa. Com 9 anos fui para o Colégio Interno, em Estremoz. Era um passinho, vinha aqui passar muitos fins de semana, embora a distância não fosse a mesma de hoje. Foram tempos de muitas alegrias, de muitas recordações e que passaram com uma força muito grande, como passa tudo na vida, minha querida.

 

Depois foste para Évora?

Fiz o 5.º ano do liceu [atual 9.º] em Estremoz e fui para o Liceu Nacional de Évora. Só então fui para Lisboa. Mais tarde, entrei à primeira no Instituto Superior Técnico, na vertente Eletricidade – Correntes Fracas.

 

Fala-me um pouco do início, de quando vais para Lisboa para estudar e começar a trabalhar mais com o avô.

Eram tempos muito conturbados. Em 1974, eu tinha 20 anos. Vivi todas as convulsões sociais da passagem daquela ditadura feroz que era tão sentida no Técnico. Passar por isso foi para mim uma compreensão dos problemas sociais e o perceber que a vida era muito complicada. Mas aconteceram tantas coisas nessa mesma época… Tu já ouviste o saudoso avô falar daquela ida dele para Angola?

 

Sim.

Eu assisti a isso tudo, visto que ainda era estudante universitário, e fui acompanhando de Lisboa o percurso do avô, que fazia essas viagens constantes a Luanda. Conseguiu carregar quase 6000 toneladas de café em escassos meses, enfrentando tudo e todos. Aí começa a mexer em nós uma vontade guerreira de sermos fortes, de enfrentar os desafios como ele, com força e elegância. Isso tudo tocou-me e vai ficar na minha his-tória e, principalmente, na vontade de fazer e de o acompanhar. Aí passei efetivamente de aluno a companheiro. Em meados dos anos 70, tudo aconteceu muito depressa. Nós tínhamos café e começámos a criar uma marca.

 

Sentires-te inspirado pelo avô para começares a dar mais apoio à empresa coincide com a abertura do primeiro departamento comercial em Lisboa, na av. Infante Dom Henrique, onde ainda é hoje o escritório?

Lembro-me bem do 151 da Infante Dom Henrique. Também o chão era de terra batida, como na rua de Badajoz. O avô comprou esse armazém por causa do café proveniente de Angola, e encheu-o. Nós tínhamos um escritório muito pequenino na rua da Verónica, à frente do Liceu Gil Vicente, com uma cave. Não teria mais do que 60 m², mas deu até para celebrar um aniversário meu, com todos os meus amigos. Devia ter 23 anos, na altura.

 

O avô sabia?

Acho que o avô sabia tudo, porque quem tutelava o armazém era o querido e saudoso Manuel Venceslau. O avô escolhia as pessoas a dedo. Sabia que eram amigos do coração, por um lado, e por outro eram daqui, de Campo Maior. Tinha confiança nas famílias. E o Manuel Venceslau era reformado da Carris. Conhecia Lisboa como as suas mãos. E começámos a comunicar com os nossos clientes, sobretudo na hotelaria, já que o produto era muito bem trabalhado aqui em Campo Maior. As vitórias foram acontecendo, sempre acompanhadas por aquele sorriso que o teu avô tinha.

“O avô escolhia as pessoas a dedo. Sabia que eram amigos do coração, por um lado, e por outro eram daqui, de Campo Maior. Tinha confiança nas famílias.”

Como a marca ainda não era tão conhecida, certamente ouviste muitos “nãos”.

A possibilidade do “não” é algo que existe sempre que colocamos os nossos produtos e serviços à frente de clientes. Mas havia ali uma situação diferente. Havia uma crise económica, e acontece que nós é que estávamos com um armazém composto. Ouvi poucos “nãos”, por uma razão muito simples: havia essa necessidade [de café] e nós tínhamos o produto e alguma diferenciação na sua apresentação.

 

Aí eras, podemos dizer, o diretor comercial?

Como deves calcular, Rita Maria, eu tive a sorte de ser filho do patrão [ri-se]. Fui logo para chefe do Departamento, mas também já tinha a minha qualificação.

 

Também seria um departamento pequenino, ou não?

Tínhamos uma equipa formidável de 4 ou 5 vendedores, que foi crescendo. Rapazes da minha idade, com quem a ligação era automática e, enfim, o desempenho era bater à porta dos clientes.

 

Muita gente se calhar não tem perceção de que estiveste sempre muito envolvido no lado criativo das campanhas publicitárias. Por exemplo, na década de 1990, quando a Delta começou a apostar mais em televisão. Tivemos aquelas iniciativas com o António Sala, a Olga Cardoso, o Herman José. Como é que, de repente, acabas por ser o motor criativo da Delta?

Tivemos a sorte de ter uma agência de publicidade que ficou muito próxima de nós, que se chamava Neovox, e que nos apresentou tantos projetos ainda antes de 1990. Foi a época em que começámos a dar os primeiros passos.

 

E alguns anos mais tarde, também com o Luís Figo, que foi nosso embaixador.

Essa campanha já foi muito depois, na década de 1990.

 

E a do Deltinha…

A nossa mascote. Fizemos até um boneco articulado que se mexia de todas as maneiras e feitios. Foi uma alegria colocar o Deltinha no dia a dia da nossa empresa. Era uma figura muito reconhecida na altura.

 

É engraçado porque os teus olhos brilham quando falas desse tempo. O teu lado criativo continua sempre presente?

Sabes, não me dá assim muita alegria porem-me um cargo ou título, mas se dizem que eu sou o criativo da família, sinto-me feliz. Convivo bem com isso.

João Manuel Nabeiro e Rui Nabeiro, 1987

Na viragem do milénio, foste a Angola procurar fábricas porque o grupo estava apostado em recuperar a indústria do café, o que acabou por acontecer. Conta-me um pouco desses tempos que estiveram na origem da Angonabeiro.

Isso aconteceu no final dos anos 90. Recebemos uma carta do governo angolano sobre a possibilidade de revitalizar uma unidade produtiva. E lá foi o bom do teu pai nessa missão dourada. Cheguei a Angola mais ou menos em 1998. A guerra civil ainda estava muito ativa, mas lá fui passar uma semana com o nosso querido advogado, o dr. Cardoso Alves. O Ministério da Indústria estava situado num décimo andar, mas não havia elevador. Tínhamos de subir aquelas escadas todas e na primeira vez que chegámos lá, afinal, os serviços tinham mudado na semana anterior para outro edifício! No ano seguinte lá conseguimos o que desejávamos: um espaço [fabril] que me deixou satisfeito e que neste momento já pertence ao Grupo.

 

No livro Almoço de Domingo, José Luís Peixoto refere que o avô te levou à inauguração da Ponte 25 de Abril. Tens alguma memória disso?

Tenho todas. O teu avô tinha, nessa altura, uma ligação à Câmara Municipal e foi convidado, como foram todos os presidentes de Câmara. Era uma inauguração diferente de todas e muito forte. Lembro-me de ter já um Mercedeszinho simpático, e lá fui todo contente. E lembro-me de ver aqueles militares todos. As fardas impressionaram alguém que ainda tinha toda a ilusão do mundo. Lembro-me como se fosse hoje.

Enquanto criança, tinhas noção da importância do avô na comunidade ou para ti era o teu pai, pura e simplesmente?

Ó Rita, creio que quando somos pequeninos, os nossos pais são sempre grandes, e essa dimensão eu sempre tive do avô. E ele realmente foi sempre grande. Foi grande em casa – em termos de tratamento, acho que a única coisa que fez comigo, num dia em que possivelmente não estaria bem-disposto, é que eu não queria comer a sopa e por isso atirou-me ao ar e fui cair outra vez nas mãos dele. Acho que foi a única situação. Porque de resto foi sempre abraços e beijos e muito carinho. Sinceramente, não tenho outro tipo de recordações, que não essas de família e de muito amor.

 

Ao mesmo tempo, passava muito tempo fora por razões profissionais, não é?

É, mas esse fora era dentro, porque em termos industriais os nossos espaços eram aqui, em Campo Maior. Depois, a partir de determinada altura, nos anos 80, começámos a ter os departamentos comerciais. Mas eles surgiram sempre de uma maneira muito fácil, muito airosa. Quase nem demos por isso e quando fomos a ver, já tínhamos Porto, Lisboa, Coimbra e começávamos a pensar noutros locais.

 

E agora avançamos para 1979. Não sei se estás recordado do que aconteceu [ri-se], mas nasceu o teu primeiro filho, Rui Miguel, e passado um ano nasci eu.

Um ano não… [ri-se]

 

Um ano que são quase dois, que eu sou do fim de 1980. A paternidade mudou-te de alguma forma?

Eu acredito que sim, Rita Maria. Qualquer pai é sempre impactado pelo nascimento dos seus filhos. Como sabes, éramos muito jovens. Eu tinha 23 anos. Mantive a bitola, porque o avô também se casou mais ou menos com essa idade, e vieram vocês os dois para este mundo, para nossa alegria e com o comprometimento dos pais para com a vossa educação.

 

Mas não mudou nada em particular no teu dia a dia?

Obviamente que sim. Tudo muda porque o compromisso é necessário, mas nessa fase eu já estava envolvido também no dia a dia da empresa – como te recordas, as avós estiveram sempre muito presentes. Mas foi impactante, como é para todos os pais, quando se vê aqueles bonequinhos a começar a andar, a dizer coisas e, principalmente, aqueles abraços.

 

Antes de seres pai, ainda participaste nas campanhas de alfabetização.

Pois é, fui eu e a tua mãe, em 1974. Fomos em agosto de mochila às costas até Idanha, onde ficámos numa escola primária que era o alojamento que havia. Dormíamos no chão com os sacos-cama – ou, como era verão, se calhar nem saco-cama havia, já nem me lembro. No resto, foram dias que ficaram marcados para toda a vida.

 

Era um país muito diferente do que é hoje.

Muito diferente, mais pobre e com mais necessidades. A mim saiu-me uma turma extremamente humilde, mas sempre com um carinho e uma vontade de aprender que me tocou.

 

Testemunhaste a evolução da Delta desde o início. Olhando para o que era quando começaste a ajudar o avô e para o que é hoje, como descreverias essa transformação?

A própria sociedade foi-se transformando, mas se calhar tivemos a nossa parte aqui na vila. Creio que é a que mais beneficiou da nossa trajetória em virtude de termos algo que sempre foi necessário a esta população, que é trabalho. Fomos promotores de emprego aqui. E ainda hoje o somos.

“Ter filhos foi impactante, como é para todos os pais, quando se vê aqueles bonequinhos a começar a andar, a dizer coisas e, principalmente, aqueles abraços.”

João Manuel Nabeiro com os filhos Rui Miguel e Rita

Houve algum momento que tenha contribuído mais para estes saltos quânticos de crescimento da Delta?

Acredito que as coisas foram acontecendo com normalidade. Como sabes, houve anos muito complicados. Houve nos anos 80 uma situação em que eu e o teu avô saímos para Espanha. Foi uma época muito difícil, mas em que tivemos o apoio dos clientes e dos nossos colaboradores. E isso, isso fica no coração.

 

Isso deu-vos força para…

Estás a puxar por mim sentimentalmente e depois fico assim [de voz embargada]. Foi uma fase muito complicada.

 

É impossível mencionar o teu nome sem falar do Campomaiorense, que em 2026 vai completar 100 anos. A subida à primeira divisão e a ida à final da Taça de Portugal acontecem durante a tua liderança e presidência, que se mantém. Como foram esses tempos?

Muito engraçados. Começaram por eu pedir ao teu avô, visto ser ele o presidente, que me delegasse o poder. E já lá vão 36 anos de presidência. Eu tinha de passar aos jogadores a mensagem que empregávamos na empresa: da força, da determinação e objetividade. O futebol era um mundo completamente diferente, mas que tinha alguma interligação: o objetivo dos jogadores também era ganhar.

 

E não começou mal.

No primeiro ano da Segunda Divisão B ficámos em segundo lugar. Sei que é o primeiro lugar dos últimos, mas o que não há dúvida nenhuma é que no ano seguinte já ficámos em primeiro. A festa imperava e, dois ou três anos depois, passámos logo para a Primeira Divisão.

 

O Campomaiorense foi sempre uma equipa muito querida. Ainda hoje o é, muitas pessoas me perguntam pelo clube.

Por uma razão muito simples. Tenho em mim os ensinamentos do teu avô, que nessa altura já começava a seguir: nós éramos os reis do bem receber, aqui em Campo Maior. Todas as equipas eram tratadas com amizade e lealdade.

 

Recordo-me daquele jogo fatídico com o FC Porto…

Toda a gente se lembra.

 

Em que, a dada altura, os sócios estavam muito zangados com o Pinto da Costa, quase que lhe queriam bater, e tu começaste a abrir os botões da camisa enquanto dizias…

“Por vocês dou a camisa, mas, por favor, paz.” Queria que as pessoas dispersassem.

 

Que lições tiraste dessa experiência no futebol?

Que a ação nos leva à perceção dos factos, à análise dos mesmos e a chegarmos à tomada de decisões. Foi isso que aconteceu sempre. Devemos ter um espírito ganhador, mas sabendo que o nosso respeito pelo outro deve ser sempre uma ação contínua.

 

Sendo tu um sportinguista e o avô um benfiquista ferrenho, discutiam sobre futebol ou nem por isso?

Dentro da família, só eu e o meu saudoso cunhado Joaquim Bastinhas éramos verdes. De resto, vocês eram todos daquela cor que está do outro lado da bandeira portuguesa.

 

E jogaste alguma vez?

Se calhar é por causa disso que me tornei presidente… Já no colégio nunca contavam comigo para os jogos. O teu avô também não tinha muita habilidade. O tio António é que era o homem do futebol e o meu primo Carlos também, mas de resto éramos quase todos um bocadinho fora do baralho em relação a essa prática.

 

O vinho foi uma área de negócio nova em 1997, quando começámos a plantar as primeiras vinhas. E no início do milénio, quando se começa a sonhar com um projeto mais consistente, numa adega, tiveste um papel importante na escolha do arquiteto Álvaro Siza Vieira. Como é que surgiu essa ideia?

O avô tinha o objetivo de fazer um edifício onde agora está a nossa adega. Havia já dois ou três projetos em cima da mesa. E eu atrevi-me, como sempre me atrevi – ele admitia sempre a minha opinião e escutava-me – a dizer que se queremos criar impacto, então porque não pensamos em ir bater à porta de um Siza Vieira? O teu avô não pensou duas vezes, pensou só meia vez. Disse logo que sim, e no dia seguinte ou nesse mesmo dia tratou de arranjar os canais adequados. Ao fim de muito pouco tempo, o arquiteto Siza Vieira estava aqui com essa mesma proposta.

 

Nesse tal almoço de que se fala, onde supostamente fez os esboços?

No almoço, não. Falávamos de trabalho onde hoje é a nossa sede. E foi aí, assim de repente, de relance e numa conversa extremamente informal, mas muito objetiva e muito decisiva.

Continuando pelo teu lado criativo e empreendedor, passemos para o Centro de Ciência do Café, onde nos encontramos, e para a Herdade dos Adaens, um projeto de turismo rural muito fora da caixa, aqui ao pé.

O avô começou por fazer um pequeno museu ao lado da casa onde vivo há 40 anos, aqui dentro da fábrica, que se chamava Museu do Café. Tivemos a hipótese de ter o contributo de um programa de apoio e aqui está o Centro de Ciência do Café, com todos os conteúdos que idealizámos na altura [2014], e que tem sido melhorado infinitamente pela tua tia Helena. Um agradecimento à minha querida irmã.

 

E os Adaens?

Era Adães. Só mais tarde passou a Adaens. Foi também uma aquisição do teu avô. Sabes que gosto muito de contar esta história à minha maneira. Espero não ferir suscetibilidades. O avô teve três heranças, que, infelizmente, não foram muito positivas. Eram ativos de que tinha de pagar os passivos. Como uma cooperativa, a que os Adaens pertenciam. A cooperativa não teve o sucesso que merecia e mais tarde adquirimos a propriedade, que tinha muito pouco. Aliás, o proprietário queria aquela terra para a caça às raposas, o que nunca seria uma solução para nós, não é? Não fui e nunca pensei em ser um caçador de raposas. Pensei que o turismo rural podia ser uma solução para melhorar a performance do que temos ali, que ao fim do cabo, além da exploração pecuária, poucas possibilidades mais teria.

 

Havia preocupação ambiental.

Pensei em não fazer edificações normais, para não ferir a terra, já com alguma filosofia de economia circular em mente. E pensámos em dar vida a um barco e àquele catamaran que comprei. Depois comprámos aquelas três carruagens. Com isso, danificamos muito pouco o solo. E fizemos também aquela piscina biológica. Creio que já tomaste lá banho algumas vezes [ri-se].

 

Uma melhoria contínua. Vá lá que consegui demover-te do avião [ri-se].

Uma melhoria contínua sem pressa. E o avião ainda estará cá um dia!

 

O compromisso social também tem sido uma constante no grupo. Há alguma iniciativa que destaques?

Todas as que nos surgem no dia a dia. Como o Coração Delta ou, por outro lado, o Campomaiorense, que também representa um excelente trabalho social.

 

Porquê?

Porque transformámos o ginásio e a enfermaria para recuperação dos atletas naquilo a que agora chamamos Clube da Saúde. Temos neste momento cerca de 20 especialidades médicas e uma dezena de profissionais presentes todos os dias, principalmente os fisioterapeutas. Fazemos 2500 atos médicos por mês.

 

Por ano?

Por mês. Dá-me muito orgulho. Tem sido pouco comunicada, mas creio que as comunidades têm beneficiado. O reconhecimento da vida e da atitude do teu avô e do que eram as necessidades primárias das nossas gentes estão expressas no que ele pensou, e se pensou, melhor o fez. O Centro Educativo Alice Nabeiro, que leva o nome da tua avó, enche-me de orgulho.

 

Alguma vez sentiste o peso de ser filho de alguém tão admirado e respeitado?

Obviamente que, como companheiro do teu avô, fui sempre vendo a carreira dele ser reconhecida, e isso enchia-me de orgulho. Portanto, o meu aplauso.

 

De que maneira é que te influenciou enquanto pessoa?

Influenciou-me a mim, a ti, ao teu irmão, à minha irmã, aos teus primos, a todos os que ele tocou com a sua maneira de ser e de estar. Isso deixa-me uma forte… Nem sei que palavra utilizar – olha, provoca amor. Creio que essa é a palavra. Provoca tudo o que a gente condensa em nós de alegria de vida e, acima de tudo, vontade de abraçar os outros. Se calhar, foi isso que ele me ensinou, que te ensinou a ti e que deixou como mensagem.

Vou fazer-te uma pergunta que coloquei também ao avô, quando o entrevistei para o primeiro número da DDD. Como é que vês a Delta daqui a 50 anos?

E eu li a resposta [ri-se]. Agora é uma pergunta que para mim tem uma dificuldade intrínseca, por uma razão muito simples: de tudo o que aconteceu desde que eu nasci até ao dia de hoje, as mudanças foram acontecendo a um ritmo muito, muito forte. Muitas vezes, a gente nem repara nelas, mas depois, quando caímos em nós, já estamos impactados por tantas situações… A inteligência artificial começa a fazer a sua entrada, embora já cá esteja há algum tempo, e para o tempo que se avizinha uns são anunciadores da desgraça, enquanto outros são anunciadores de alguma graça. Aí não me atrevo a formar juízos. A única coisa que quero é que nos próximos 50 anos a nossa empresa consiga adaptar-se, sobreviver e que, acima de tudo, a família continue a levar avante o nosso trabalho, que foi começado no ano da graça de 1961.

 

Acho que é uma ótima resposta. Para terminarmos, o que é para ti um dia bom, tendo em conta que esta é a véspera do teu 70.º aniversário?

Olha, estar aqui contigo e com esses amigos à nossa volta é excelente. Acredito que quando estamos em comunidade, é sempre um dia bom.