Um monte de lixo na praia e plástico a boiar no mar. A imagem ficou na cabeça de Miguel Blanco, de 28 anos, numa viagem em busca de ondas perfeitas na Indonésia, em 2016, um sítio “supostamente paradisíaco”, conta. Anos mais tarde, num passeio de barco nas Maldivas, o cenário foi idêntico. “No meio daquelas ilhas lindíssimas e no meio de duas ondas, formadas por dois atóis, estava uma ilha de lixo”, recorda o surfista português.

Foi nessas viagens que começou a soar o “alerta”, continua Miguel, que começou a surfar em São Pedro do Estoril aos sete anos. “Algo dentro de mim me disse que tinha de agir. Peguei nas pessoas que estavam no barco e nos [habitantes] locais e fomos limpar a ilha.”

Miguel Blanco

Estamos numa manhã quente de março no lounge da Corona, a patrocinadora oficial do MEO Rip Curl Portugal, na praia de Supertubos, Peniche – a etapa portuguesa do campeonato mundial de surf. Miguel Blanco, sentado num sofá feito com materiais reciclados e lixo apanhado da praia, está desta vez no campeonato como espectador e embaixador da marca de cerveja com que tem uma parceria desde 2022. “Já estive aqui [como atleta] três vezes, mas houve um momento em que senti que a parte competitiva me limitava um pouco e queria usar a minha voz para outras causas”, confessa. “Conectar-me com pessoas que surfassem, não só para ganhar campeonatos, mas que tivessem um propósito maior.”

O ponto de viragem na sua carreira aconteceu durante a pandemia, conta o bicampeão nacional de surf (2018 e 2019).  “A pandemia e os lockdowns fizeram as pessoas pôr em perspetiva o que era importante para elas. Eu comecei a perceber que surfava mais para ser feliz e que a parte dos campeonatos podia sugar um bocadinho essa essência e o propósito pelo qual praticas surf.”

A vida de competição também exigia alguns sacrifícios. “Se estás no circuito [mundial], passas o ano todo a viajar. Estás um mês por ano em casa, mas passas pelos sítios tão rapidamente que nem tens oportunidade de te conectar com alguém local ou perceber a história do lugar.”

O caminho certo

Através do seu “treinador e mentor” João Macedo, começou a “orientar-se para o caminho certo”, diz, referindo-se ao ativismo ambiental. Nomeadamente, a parcerias com a Save The Waves, organização internacional sem fins lucrativos que protege os ecossistemas de surf em todo o mundo, da qual é agora embaixador. “[A Save The Waves] trabalha mais com a parte legislativa e burocrática do ambientalismo, um next step para poderes tomar ações ou posições a grande escala”, explica.

Foi esta a associação que em 2011 reconheceu os oito quilómetros de costa da Ericeira como “Reserva Mundial de Surf”, a primeira distinção do género na Europa e a segunda a nível global – neste momento há apenas 13 reservas mundiais, a última em El Salvador, aprovada no final do ano passado.

Não foi por acaso que Miguel decidiu mudar-se para uma casa em frente a Ribeira d’Ilhas, também na Ericeira, em 2018. “A minha praia de eleição é a Baía dos Coxos, uma onda especial e bastante protegida. É um pouco restrita, sem escolas nem eventos de surf”, descreve. A mudança da Linha de Cascais para a Ericeira permitiu–lhe juntar-se a outras organizações que lutam pela sustentabilidade. “Comecei a interessar-me pelo que podia fazer dentro do ativismo ambiental e comecei a envolver–me com o WWF Portugal [World Wide Fund], e a perceber como a alimentação pode ter impacto no ambiente. Foi também aí que descobri a ALP [Movimento Ajude a Limpar a Praia], organização local que faz limpezas de praias, na Ericeira e não só.”

Limpezas e pranchas ecológicas

Com a ALP, Miguel Blanco tem promovido várias limpezas de praias, como a de 22 de abril, Dia da Terra, na Nazaré, onde mais de 50 voluntários recolheram 280 kg de lixo terrestre e cerca de 200 kg de lixo foi apanhado por mergulhadores no porto de abrigo. O patrocínio da Corona ajudou a tornar possível a limpeza, como noutras ações de consciencialização ambiental de “impacto gigante” que fez com a marca, incluindo no campeonato de surf.

“É uma parceria recente, mas já fizemos bastantes coisas juntos e a Corona está sempre disponível para ajudar, seja no apoio a estes eventos, seja na comunicação. Além disso, faz parte do grupo Delta, exemplar em Portugal por se preocupar com a parte ambiental e social.”

Já as preocupações ambientais de Miguel não se limitam à limpeza de praias. Todo o equipamento que usa no mar, da prancha ao fato de surf, é ecológico. Os fatos, por exemplo, são da Oxbow, uma marca com preocupações ambientais, e “são feitos de yulex, uma borracha amiga do ambiente, e não do neopreno convencional, que é altamente tóxico para o ambiente”, explica.

Também as pranchas de surf, fabricadas em Portugal pela Polen Surfboards, de Cascais, são sustentáveis. “São feitas de um bloco reciclável chamado polyola”, continua. “São pranchas certificadas pelo Ecoboards [Project] da Sustainable Surf, uma organização na América que verifica a sustentabilidade das pranchas de surf.”

Em junho, Miguel vai à Indonésia acabar as filmagens de um projeto de surf de “ondas especiais” com as suas pranchas, também elas especiais. “A ideia é mostrar às pessoas que as pranchas ecológicas são iguais em termos de performance. Ainda há muito preconceito, mesmo em relação ao fato, e sinto que tenho de quebrar esses dogmas. Sendo um surfista de alto nível, consigo chegar às pessoas.”

Ondas gigantes e dor de barriga

Apesar de andar mais desligado da competição, Miguel Blanco, que aos 16 anos já tinha patrocínios, continua a participar em eventos e campeonatos de surf, “sobretudo de ondas grandes”, diz. “A verdade é que quando era mais novo tinha imenso medo do mar, estava sempre com dor de barriga quando as ondas estavam grandes.”

Com o tempo, foi-se sentindo cada vez mais à vontade. “Quando tens respeito pelo mar e pela natureza, isso traz uma calma interior que te faz estar relaxado no meio da adversidade”, explica.

Em 2023 percorreu vários campeonatos de ondas gigantes do mundo, os “Everestes do mundo todo”, como lhes chama. “Costumam acontecer onde estão as maiores tempestades. Foi incrível. Fui a Jaws, no Havai, surfei em Mavericks, na Califórnia, em Todos Santos [México]…”

No entanto, a maior onda que apanhou terá sido em Portugal, na praia do Norte, na Nazaré. “Foi no dia em que se bateu um dos recordes do mundo”, recorda. “Eu estava super calmo, a ver o mar desde a manhã. Mas hoje em dia já escuto mais a minha intuição. Se calhar, se estiver com dor de barriga ou agitado, não é o momento para ir.”

—–