Paulo Costa
O camião que deu esperança ao Portugal isolado
Paulo Costa
Não transforma um camião em laboratório ambulante quem quer, mas quem pode. Paulo Costa pôde. No início da pandemia, quando a incerteza e o medo dominavam e as zaragatoas escasseavam, Paulo criou uma unidade móvel de rastreio e correu o interior do país a dar esperança a quem se sentia isolado e esquecido.
“Foi a maior experiência da vida do grupo de médicos, enfermeiros e elementos de logística que integraram o projeto”, recorda o fundador da Globalsport, empresa que organiza, vai já para 22 anos, eventos desportivos “virados para a promoção e valorização dos territórios” – desde o Circuito Automóvel de Vila Real a maratonas e meias-maratonas –, onde a logística de apoio às provas pede camiões TIR.
No início do confinamento, enquanto muitos descobriam o pão caseiro, Paulo andava ocupado a filmar vídeos de receitas de bolos de chocolate para o canal de YouTube da filha. “E de repente começas a ver as notícias do que se passava nos lares, com pessoas idosas à janela a pedirem para serem salvas… E depois os municípios da Beira Alta e Beira Baixa vêm gritar aos sete ventos que os testes não chegavam lá”, recorda.
Nessa noite, Paulo não conseguiu dormir. Começou a listar os recursos à sua disposição – não eram poucos. Registou a marca Camião da Esperança e procurou parceiros, como um laboratório para tratar das análises, media (uma estação de televisão e uma de rádio), médicos, enfermeiros e testes.
Pelas suas contas, foram mais de 100 mil os testes realizados pelo Camião da Esperança durante o ano e meio em que esteve ao serviço do combate à Covid-19. Em 2020, começaram em Chaves e terminaram no Algarve. No ano seguinte, com a disponibilização de testes rápidos conseguiram testar vilas inteiras.
No final desse verão, com a massificação da venda livre de testes rápidos, chegava ao fim a missão do Camião da Esperança. Mas a reforma foi curta, explica Paulo Costa: “O Camião está agora ao serviço da Sociedade Portuguesa de Cardiologia, a participar num estudo internacional sobre os efeitos da Covid-19 na insuficiência cardíaca.”
Rosa Pomar
Recuperando… lãs de raças ovinas portuguesas
Rosa Pomar
Lãs sintéticas ou importadas não entram na Retrosaria Rosa Pomar, que é mais do que uma loja de tecidos. Há malhas à vista, mas não se pode comprá-las. O que se vende aqui, são, na verdade, os novelos de lã, proveniente de ovelhas autóctones portuguesas, com que as malhas foram feitas – mais a ideia de poder tricotar a mesma peça que lhe captou a atenção.
Os seus fios de lã são fabricados de forma sustentável e socialmente consciente – e mais de metade da produção não chega sequer a entrar na loja: sai do armazém diretamente para o norte da Europa, Estados Unidos, Japão, Canadá e Coreia do Sul.
Há quase 20 anos, Rosa lançou um blogue sobre têxtil e artesanato onde mostrava as coisas que fazia. Como os bonecos de pano que começou a criar quando lhe nasceu a primeira filha e que em pouco tempo se tornara o seu principal sustento.
“Perguntavam-me onde é que eu arranjava os materiais invulgares que utilizava nas bonecas. Foi aí que pensei em começar a importá-los.” Mas depois pensou melhor: “Importar? Mas porque é que eu não vendo antes fios e tecidos portugueses?”
Para o conseguir, calcorreou o país a aprender com quem ainda fiava lã de forma natural. “É um trabalho de investigação, de falar com as pessoas, ir a arquivos.” Do conhecimento acumulado saiu em 2013 o livro Malhas Portuguesas: História e prática do tricot em Portugal, esgotado em Portugal e traduzido para inglês e espanhol. E saiu algo mais importante: um negócio sustentável que valoriza 16 raças autóctones portuguesas, algumas em risco de extinção, sediado numa loja nos Anjos, em Lisboa, que já fatura perto de um milhão de euros por ano e emprega nove pessoas. E neste verão, Rosa Pomar lançou a sua primeira coleção, composta por uma camisa de trabalho e um casaco de lã em duas cores. Mas nunca foi fácil. “Quando ia às fábricas perguntar se era possível fazer fios com lã portuguesa, respondiam que eu era maluca, que a lã não era boa.”
Carlos Mendes Gonçalves
De um inédito vinagre de figo aos molhos Paladin
O normal em Portugal, até 1982, era fazer-se vinagre de vinho. Mas Carlos Mendes Gonçalves, então um jovem de 15 anos, olhou para o Figo Preto de Torres Novas e teve uma ideia. “Queria fazer algo diferente”, diz. “Havia aqui uma produção muito grande de figo, que é um produto único daqui da Golegã e que era utilizado para fabricar álcool etílico.”
O pai deu-lhe ouvidos e deu-lhe algo mais: a confiança para, juntos, criarem a Mendes Gonçalves e Filho Lda, uma sociedade por quotas, na qual desenvolveram um processo de fermentação e preparação do figo para ser transformado em vinagre. “Foi necessário criar legislação, porque legalmente só era possível fazer-se vinagre de vinho”, recorda.
Apesar da tenra idade, Carlos fez de tudo, desde ajudar na construção da fábrica a participar no processo produtivo. Aos 15 anos era sócio, assinava cheques, geria o negócio.
Ajudou que o pai de Carlos tivesse experiência no vinagre e na indústria de transformação. “Eu praticamente nasci numa fábrica”, diz. Ainda assim, o vinagre de figo foi, nas suas palavras, um desastre total. “Há 41 anos, o mercado era muito conservador. Não havia grandes superfícies nem distribuição organizada. Alguém a vender vinagre de fruta era considerado um falsificador. É um milagre estarmos aqui hoje”, remata.
Por “aqui hoje”, entenda-se uma empresa, na Golegã, que tem nos molhos Paladin e nos picantes Sacana o seu cartão de visita, que “emprega 440 pessoas numa terra com pouco mais de três mil habitantes” e que, depois de em 2022 faturar 47 milhões de euros, espera chegar ao final do ano a bater nos 50 milhões.
Perante a necessidade de diversificar o portefólio, a Casa Mendes Gonçalves apostou na inovação e criou um departamento de I&D. “Passámos de uma empresa de massa bruta, de gente que trabalhava muitas horas, para sermos uma empresa de conhecimento”, diz. “Eu continuo sem formação superior, mas temos gente muito bem formada, com capacidade de ter projetos de investigação e desenvolvimento, e parcerias com faculdades.” Uma empresa dos tempos modernos, virada para o futuro, e que continua a fazer vinagre de figo.
Mário Rui André
Sempre em frente de bicicleta, de transportes coletivos ou a pé
Mário Rui André
Mário Rui André tem 30 anos e é jornalista. Podia estar a trabalhar num jornal ou numa revista, mas, em vez disso, criou o seu próprio emprego: um órgão de comunicação social especializado na Área Metropolitana de Lisboa (AML), com cerca de 400 mil visitas por mês. “As pessoas leem, acompanham e querem saber como a cidade funciona”, defende Mário. O nome do projeto não deixa margem para dúvidas: “o Lisboa Para Pessoas é um projeto pensado para ajudar os lisboetas a encontrarem o seu caminho pela AML.”
Para poder informar, Mário tem, em primeiro lugar, de estar informado, por isso anda de bicicleta, de metro e tenta utilizar os diferentes meios de transporte para circular pela Grande Lisboa, de modo a perceber as dinâmicas, como funcionam e quais as dificuldades que as pessoas encontram.
“O desafio é diluir estas barreiras geográficas que as pessoas inventam. Vou dar um exemplo pessoal. O meu dentista é em Almada. Lembro-me de ir de carro com a minha mãe quando era pequeno. E isso dava-me a ideia de que é um sítio para onde se vai de carro porque é longe”, conta. “Entretanto, comecei a perceber que tenho um autocarro que parte do Areeiro, onde é o meu local de trabalho, e passa à frente do consultório. Tal como também tenho metro, comboio, barco…”
Mário percebeu também que não tinha de se cingir aos temas da mobilidade e sustentabilidade, e começou a acompanhar questões de habitação, do espaço público, de cidadania e a destapar o véu sobre o que se passa nos bastidores da governação.
Antes de criar o LPP, houve a Shifter, uma revista de reflexão e crítica sobre tecnologia, sociedade e cultura, “com a missão de contribuir para uma melhor compreensão do mundo em constante mudança”. A revista digital surgiu em 2013 quando Mário ainda era aluno da Escola Superior de Comunicação Social e, com o com o passar dos tempo, tornou-se o que é hoje – “um projeto de jornalismo que reivindica tempo para pensar e refletir sobre a contemporaneidade” –, mas agora sem o envolvimento do seu membro-fundador, ocupado que está a criar uma Lisboa Para Pessoas.
Cécile Mestelan
Dos fatos de banho à cerâmica
Cécile Mestelan é francesa, de Biarritz, a viver em Lisboa. Em 2014 veio para Portugal para fazer um estágio na Vista Alegre, porque precisava de aprender cerâmica para criar peças para uma exposição que ia ter em França. É que Cécile, formada em Belas-Artes em Lausanne, na Suíça, fazia escultura e desenho, mas de cerâmica sabia pouco. Apaixonou-se (não só pela cerâmica) e ficou por cá.
Depois abriu um pequeno ateliê para trabalhar nas suas esculturas e desenhos, e começou a pensar em criar também peças em cerâmica. Havia só um problema: não sabia onde as cozer. “Hoje a cerâmica está na moda e seria fácil encontrar um forno que pudesse usar, mas na altura a única solução era ir a Sintra, onde conhecia alguém”, recorda Cécile.
Como não conseguia comprar um forno de cerâmica sozinha, Cécile fez um crowdfunding através de uma plataforma online, e angariou até mais do que precisava (cerca de 2500€). O forno seria para partilhar, como se de um objeto comunitário se tratasse. Uma forma de Cécile retribuir os donativos.
A partir daí, começou a criar peças decorativas e peças utilitárias. Hoje tem vários fornos, todos bem maiores do que o primeiro. E continua a brincar com formas, cores e texturas para criar cerâmicas que apetece segurar na mão e ter em casa. “Agora também tento misturar um pouco mais a cerâmica com a minha prática de desenho e escultura.”
Os pais de Cécile tinham uma marca de fatos de banho, em Biarritz. “Nasci nesse ambiente de criação, de produzir e vender. Isso deu-me à-vontade para abrir um ateliê dedicado à cerâmica, em 2016.” Hoje, contam-se entre os seus clientes alguns dos mais conceituados restaurantes portugueses e estrangeiros.
O negócio cresceu e o espaço ficou pequeno para tanto movimento. Agora tem um ateliê de produção, onde faz as peças que vende. Na porta ao lado, abriu uma loja para receber clientes. Num prédio mais à frente, na mesma rua, criou um espaço para workshops e residências – passam já 200 alunos e ceramistas por mês no ateliê.
Cécile diz que foi um crescimento orgânico, sem plano de negócios, na base de ir colmatando as necessidades. E tudo começou com um crowdfunding para comprar um forno.