Fundou a Delta em 1961, num armazém de pouco mais de 50 metros quadrados e com apenas três funcionários.
Em 1961, quando o mercado do café parecia estabelecido e pouco aberto à mudança, e a população tinha pouco poder de compra, o jovem Rui Nabeiro – então com 30 anos – soube adaptar a sua oferta. Os clientes foram conquistados um a um, cara a cara, em viagens que Rui Nabeiro fazia de norte a sul do país com o lema que, 60 anos depois, ainda pautava o seu trabalho e o seu legado: um cliente, um amigo.
Ouviu muitos “nãos”, mas nunca desistiu. “Tinha era de pensar como é que fazia a concorrência e como é que eu havia de fazer. Foi assim que mudei o sistema de comércio: percebendo que a concorrência não se deslocava até aos clientes, não lhes dava assistência nem crédito. Eu estudei aquilo tudo e percebi que havia ali uma falha. Aos poucos, começámos a vender porque facilitávamos o crédito, as máquinas, as entregas do produto eram à porta de casa… Se deu prejuízo? Deu. Mas depois deu dinheiro”, contou à neta Rita Nabeiro, em entrevista publicada na primeira edição da revista ddd. “Um desses dias, um deles [da concorrência] disse: ‘olha que o Nabeiro está a caminhar’ e o outro respondeu-lhe: ‘não, esse é do Alentejo, esse anda devagar’. Mas quando se foram a benzer, já estavam benzidos. Já tinha ficado algum dinheiro pelo caminho.”
Rui Nabeiro costumava dizer: “Os clientes conquistam-se e tratam-se bem.” E o que dizia, fazia, indo ao encontro dos clientes, muitas vezes com prendas.
É na década de 1970 que a Delta apresenta as suas primeiras chávenas, em faiança e sempre em tons de castanho.
Ao longo de seis décadas, a Delta passou por muitas transformações e o pequeno negócio de café acabou por dar lugar a um império. O Grupo Nabeiro (a Nabeirogest, a Sociedade Gestora de Participações Sociais do Grupo Nabeiro, é registada a 3 de dezembro de 1996) tem hoje presença nas mais diversas áreas: desde a alimentar à hoteleira, da automóvel à imobiliária. E, de Campo Maior, a Delta partiu à conquista do mundo: atualmente é uma multinacional com atividade – direta e indireta – em mais de 35 países, espalhados por cinco continentes, com mais de 3800 funcionários.
Mas tirar a Delta de Campo Maior nunca lhe passou pela cabeça. “Quem é que pode tirar uma coisa de um sítio que lhe deu tanto?” E oportunidades não faltaram. Rui Nabeiro nunca escondeu que, por mais do que uma vez, lhe ofereceram “muitos milhões” pela empresa que criou de raiz, em 1961, com uma máquina artesanal que torrava 30 quilos de café. Gigantes como a Nestlé, a Pepsi ou a Kraft quiseram deitar a mão ao diamante de Campo Maior.
Carlos Coelho, criador de marcas e presidente da Ivity Brand Corp, recorda-se que uma das primeiras vezes em que entrou no escritório de Rui Nabeiro coincidiu com o dia em que um alto representante de uma multinacional foi a Campo Maior apresentar uma oferta milionária para comprar a Delta. “Veio à conversa e lembro–me de ele me dizer: ‘Carlos, uma família não se vende.’ Não me esqueci mais dessa afirmação.”
Já em 2022, no programa Alta Definição, da sic, Nabeiro disse que “quem comprasse [a Delta] não ficava numa terra de província [Campo Maior]. Ficava em Lisboa.” Por isso, o negócio esteve sempre fora de questão. “Os homens não se vendem, criam-se.” Foi essa a filosofia que o guiou a vida toda. Até na ficção. “Hei de ser um rico diferente dos que há por aí”, lê-se na sua biografia romanceada, Almoço de Domingo, escrita por José Luís Peixoto.
Percebendo o sacrifício feito pelos pais – a mãe tinha uma mercearia, o pai foi motorista antes de se dedicar ao café – para que os filhos tivessem a instrução primária, Rui Nabeiro começou a trabalhar cedo para ajudar a levar dinheiro para casa. “Vendia peixe, fui pregoeiro (de novidades, coisas que se arrendavam ou vendiam, anúncios da Câmara). Quantas vezes fui substituir o pregoeiro porque aquilo dava uns escudos. E não era para gastar num doce qualquer, era para a mãe ficar menos carente”, contou numa das muitas entrevistas que deu ao longo da vida. “Casei em 53, em outubro, e em setembro ainda entreguei o ordenado à minha mãe”, acrescentou.
O pai foi a sua grande referência. “Era um homem muito trabalhador.” A morte do progenitor, quando Rui Nabeiro tinha apenas 17 anos, moldou o resto da sua vida. Depois de uma infância de “muito sacrifício”, coube ao miúdo Rui tomar conta dos destinos da família. “Ele sabia que ficava alguém com força suficiente, que era eu”, contou na mesma entrevista. “Os meus pais sempre disseram: o Rui vai longe. E não fui perto.”
Mas foi na mercearia da mãe que nasceu a paixão pelo comércio e pelo negócio. “O meu pai ganhava pouco e a mercearia era uma grande ajuda. Posso dizer-vos que nasci, cresci e vivo para o comércio. Hoje tenho a certeza de que foi a mercearia da minha mãe que ditou a minha vocação de empresário.”