No lote de Café de Amboim entra a história de como Rui Nabeiro partiu para Angola em 1975 no sentido inverso dos portugueses que retornavam. Entra o papel preponderante do Grupo Nabeiro, no final dos anos 90 e na viragem do século, na recuperação da indústria do café em Angola, devastada após décadas de guerra civil. E entra o projeto Impossible Coffees, dedicado a lançar edições limitadas de cafés raros e sustentáveis em parceria com produtores e instituições locais. Mas, sobretudo, entra a história das 12 mulheres angolanas que se uniram para manter viva a produção de café na província de Amboim.
“Este café é um tributo à força e determinação das mulheres da Associação de Mulheres Empreendedoras do Amboim”, afirmou Rui Miguel Nabeiro, no lançamento deste lote especial proveniente da região de Cuanza-Sul: o Café de Amboim. A nova edição de Impossible Coffees chega ao mercado após séries dedicadas ao café do arquipélago dos Açores e da ilha de São Tomé. Este café, disse o ceo do Grupo Nabeiro, “é fruto da coragem de 12 mulheres que transformaram adversidades em oportunidades, mantendo viva a produção na região e preservando um café único no mundo”.
Robusta tradição
Angola, para a Delta, já era mais do que apenas um dos muitos mercados internacionais em que a empresa marca presença. “É uma extensão da nossa identidade”, salientou. Em 1975, o país era o quarto maior produtor de café no mundo, com uma produção anual de 200 mil toneladas. Chegou mesmo a ser a maior fonte de café verde da Delta. Não é por acaso, também, que o consumo de café robusta tem em Portugal longa tradição em detrimento das variantes arábicas – são gostos adquiridos e depois de entranhados, permanecem.
Ciente de como o mercado nacional estava dependente da produção angolana e antevendo importantes mudanças políticas no país, Rui Nabeiro foi para Angola em 1975 quando a maioria dos portugueses fazia o percurso contrário. Conseguiu algo essencial para os destinos da Delta Cafés: assegurou dezenas de milhares de sacas de café. No rescaldo da independência de Angola, a Delta tinha os armazéns cheios.
“Esta decisão foi determinante para o nosso crescimento, por isso continuamos empenhados em contribuir para a revitalização do café em Angola.”
No final dos anos 90 surgiu um contacto do governo angolano sobre a possibilidade de a Delta Cafés revitalizar uma unidade produtiva. Foi assim que se reabilitou e modernizou uma fábrica desativada desde 1984 e se criou a Angonabeiro, empresa do Grupo Nabeiro que atua em Angola.
Quanto aos Impossible Coffees, trata-se de muito mais do que café. É um projeto inédito de empreendedorismo e ativismo social – impulsionado por Clara Melícias, diretora de B2C do Grupo Nabeiro, em exclusivo para a Delta The Coffee House Experience – que dá a conhecer histórias de pessoas que sempre acreditaram em si e nos seus sonhos. O resultado é um conjunto de cafés raros, provenientes de microproduções de várias regiões do mundo, como foi o caso das edições dedicadas aos Açores (Café dos Açores) e a São Tomé (Café Catoninho).
O café coragem de 12 mulheres
A terceira edição de Impossible Coffees é dedicada a Amboim. “É um café muito específico aqui de Angola, da região de Cuanza Sul”, conta Joana Miranda, diretora de marketing da Angonabeiro que acompanhou localmente este projeto que é também uma celebração de histórias de superação e resiliência. “Foi produzido por 12 mulheres que se uniram e formaram a Associação de Mulheres Empreendedoras do Amboim para manter viva a produção de café nesta região, porque, com a guerra, a produção de café ficou esquecida, como ficaram outras produções que antigamente se faziam aqui.”
Esta é, então, uma história feita de coragem, de força de vontade e muita resiliência protagonizada por mulheres que lutam todos os dias contra as adversidades e que se juntaram num momento em que o fomento da cultura estava ameaçada pelos efeitos da guerra colonial, da falta de recursos financeiros e de mão de obra. “Muitas são viúvas e vivem em situações muito precárias”, diz a marketeer. “Mas com o apoio da Delta, e também do Instituto Nacional do Café de Angola, conseguiram transformar a sua ambição num projeto inédito de empreendedorismo no feminino com o qual vão ajudando a sua comunidade através da produção do café. É o café coragem das mulheres angolanas – é assim que o definimos.”
Lucinda Cunha é uma dessas mulheres. Produtora de café, é também a responsável pelo núcleo de mulheres empreendedoras de Amboim. “A nossa ligação ao café vem de longe, já do tempo dos nossos avós. Herdámos esse legado do nossos pais, e não queremos perder essa identidade – até porque o café já construiu cidades e significou muito para nós. Não queremos perder isso”, realça. “Uma pessoa, depois de derramar sangue numa terra, não a quer deixar de mão beijada.”
Esse sentimento de resiliência, de não desistir – “porque ainda carregam dentro de si a mágoa da guerra” – é algo que se tornou claro para Gildo Mariano, ceo e fundador da Team Films, produtora angolana responsável pelas fotografias e filmes de promoção deste Impossible Coffee, quando visitou algumas destas mulheres nas suas fazendas em Amboim. O município, da província de Cuanza Sul, em Angola, e com sede na cidade de Gabela, é uma região histórica na produção de café, com famílias que há várias gerações se dedicam a esta cultura. E é uma região onde, como Gildo descobriu, o tempo é, de facto, muito relativo: “Diziam que a próxima fazenda ficava a 5 minutos, mas depois era quase uma hora!”
Conta Gildo que o facto de muitas destas mulheres não terem os seus maridos – “porque muitos perderam a vida na guerra que tivemos em Angola” – é uma razão extra para não baixarem os braços e continuarem a trabalhar a terra o melhor que podem, com todos os riscos inerentes.
“Estamos a falar de mulheres no meio do nada, sujeitas a agressões e assaltos, mas que não largam o trabalho. E não é só porque lhes apetece fazer aquilo ou porque lhes dá dinheiro, não: é por amor. São mulheres que vieram do campo, são camponesas como os seus pais, avós e bisavós, que lhes passaram esta atividade quase como um testemunho. Outras ainda eram empregadas de portugueses que se foram embora.”
O que o deixou mais impressionado foi a intrepidez com que aquelas mulheres lideravam o trabalho nas fazendas. “Estamos a falar de homens que são ex-militares, mas que ouviam e respeitavam as produtoras”. Gildo lembra-se de uma mulher lhe contar ter assumido as rédeas da fazenda desde a morte do marido. Disse-lhe: “Eu aqui faço o papel de homem. Ando com o meu pau, que é uma bengala, mas, no momento certo, passa a ser um chicote.” E conclui: “São mulheres de garra, resilientes, determinadas.”
O novo lote impossível
“É por isso que continuamos na produção de café”, diz Lucinda Cunha, sublinhando que, em Angola, não são só os homens que fazem café. “Temos mulheres jovens, mulheres mais velhas. Estamos todos ligados ao café. Já está no nosso sangue.”
O Café de Amboim na edição Impossible Coffees está a ser vendido em Portugal pela Delta Cafés. E que tal se comporta na chávena? Quando foi colocado numa mesa de provas, Adelino Cardoso, coordenador da torrefação de Campo maior, reagiu elogiando o seu sabor, densidade e cremosidade, “com notas aromáticas únicas, neutras mas presentes e marcantes, juntamente com notas de cacau amargo e nozes”. “Que café excelente!”, comentou.
Em cada venda, 20% do valor reverte para a Associação de Mulheres Empreendedoras do Amboim. No início do verão, o montante angariado já superava os 10 mil euros, valor que vai permitir aumentar o apoio na revitalização da fileira do café na região. Além do apoio monetário – destinado à aquisição de catanas, de contratação de mão de obra ou mesmo à compra de terrenos – há outra forma de apoio muito importante: a formação e a partilha de conhecimento. “Elas aprendem, no seu próprio terreno, técnicas de cultivo e a identificar quando o café está no ponto certo para ser colhido”, explica Joana Miranda. “Naturalmente, umas já produzem e entregam-nos o café verde, mas outras ainda estão a iniciar. Portanto, isto não é um projeto que tenha um prazo de um ano ou dois, vai ter de ser mais, porque se plantarmos uma planta de café agora, ela só vai começar a produzir em pleno daqui a cinco anos.”
Em suma, tal como a planta precisa de crescer para dar o grão verde de café, também o protocolo de apoio ao desenvolvimento sustentável na região vai necessitar de tempo para dar frutos. Disse Rui Miguel Nabeiro: “Cada vez mais, vamos provando que, de facto, não há impossíveis para nós. Este projeto, em concreto, é verdadeiramente apaixonante. É um projeto de 12 mulheres que tiveram de se fazer à vida, como se costuma dizer. E decidiram fazer do café o seu modo de vida – portanto, tem tudo que ver connosco.”