Nasceu numa família pobre, no Alentejo, estudou apenas até à quarta classe e começou a trabalhar muito cedo, a carregar sacos de café. Mas acabou por se tornar um dos grandes empresários do país, dar emprego a muita gente e receber condecorações. A história de Rui Nabeiro tinha todos os ingredientes para, mais cedo ou mais tarde, chegar aos ecrãs. Aconteceu agora: Senhor Rui – Um Homem do Povo é uma minissérie de dois episódios, exibida pela tvi e disponível no serviço Prime Video da Amazon no mês em que o comendador completaria 93 anos.

Ao início, Rui Nabeiro não estava muito convencido: “Já viu? Gastar-se imenso dinheiro para fazer uma série sobre mim, quando se podia dar emprego a tantas pessoas”, chegou a dizer ao produtor José Silva Pedro, da Coral. Mas, depois de algumas conversas com este e com o argumentista Manuel Arouca, acabou por aceitar. “Ele deu-nos autorização para trabalhar a partir da sua vida”, confirma Manuel Arouca. “Isso foi muito importante.” 

Rui Nabeiro convidou o argumentista para passar uma semana em Campo Maior.

Rui Nabeiro convidou o argumentista para passar uma semana em Campo Maior. Durante oito dias, Manuel Arouca pôde não só falar muito com o “senhor Rui”, contactando com ele na intimidade, ouvindo as suas histórias e anotando as expressões que ele usava (por exemplo, dirigindo-se a muitas pessoas como “amigo”), mas também visitar todos os locais relevantes da sua vida. “Falei com muitas pessoas, algumas já mais velhas, e esses testemunhos foram valiosos”, confirma o argumentista, que teve a oportunidade de, por exemplo, percorrer o trilho do contrabando e perceber quão perigosa era essa travessia.

O projeto foi interrompido pelo desaparecimento de Rui Nabeiro, mas, com o apoio da família, logo se decidiu avançar. A partir daí, começaram os contactos para se fazer uma “montagem financeira credível”, o que só foi possível com o apoio da Delta e da Câmara de Campo Maior. Foi nesta segunda fase que se juntaram as argumentistas Sara Rodi e Vera Sacramento e ainda o realizador Leonel Vieira, que conhecia bem Rui Nabeiro e já tinha feito muitos anúncios da Delta. “Não queria que fosse a típica biografia. Quando aceitei, disse logo que queria fazer uma história humana, porque era isso que ele era, um grande humanista”, conta Leonel Vieira.

“Rui Nabeiro teve uma vida muito intensa e muito cinematográfica”, confirma Sara Rodi. “Como é que uma criança de um contexto tão difícil se transformou naquela personalidade que conhecemos? Queríamos mostrar o seu espírito trabalhador e criativo, a sua ousadia, a sua capacidade de arriscar. Tudo o que ele conseguiu foi fruto de muito trabalho, também com períodos menos bons, claro, mas sempre com a força da sua Alice, a paixão da sua vida, sempre ao seu lado.”

“Parecia que era quase impossível contar uma história tão grande em dois episódios de 50 minutos”, desabafa o realizador.

“Esse foi o maior desafio. Tínhamos de contar o que era importante, mas não podia ser de corrida. Não podia ser uma sucessão de factos, precisávamos de tempo e alma: as emoções eram o que mais me importava. Para isso, tomei uma decisão muito clara: não sairmos de Campo Maior, através desse microcosmo tínhamos de contar toda a história da vida dele.” 

A história começa nos anos de 1930. Quase tudo foi filmado em Campo Maior, na fábrica da Delta, nas ruas, nos campos. Leonel Vieira sublinha a importância de todo o trabalho de escolha dos locais de gravação, assim como a decoração de interiores e a caracterização, e, por fim, os efeitos especiais na pós-produção, para darem o ambiente certo a cada época retratada. “É uma série de época, aliás, de várias épocas, e quisemos caracterizar esses diferentes tempos”, conta Sara Rodi, que é alentejana e recorreu muitas vezes às suas memórias e à ajuda da sua família para garantir que não haveria erros. “Como é que se dizia, como é que se fazia, como é que se vivia. Demos muita atenção a todos esses pormenores.”

“Parecia que era quase impossível contar uma história tão grande em dois episódios de 50 minutos”, desabafa o realizador Leonel Vieira. “Esse foi o maior desafio. Tínhamos de contar o que era importante, mas não podia ser de corrida.”

Os atores Salvador Pires, Afonso Lagarto e José Raposo interpretam as três versões de Rui Nabeiro, em criança, jovem e adulto, assim como Lara Chelinho, Ana Guiomar e Carla Andrino interpretam Alice. Além disso, a série conta com a participação de nomes como Anabela Brígida, Dinarte Branco, Miguel Borges, Marco Delgado, Elmano Sancho, Sara Barradas, Diogo Infante, Adriano Carvalho, Tiago Teotónio Pereira e Joaquim Nicolau. 

“É uma série de ficção baseada no comendador, é inspirada na vida dele. Quem o conhece vai certamente reconhecê-lo, mas não é um documentário”, lembra Manuel Arouca. “É ficção. Tem de se criar uma realidade dramática, ou seja, inventar cenas e diálogos para contar aquilo que aconteceu.” Sara Rodi confirma que contar a vida de Rui Nabeiro “é uma grande responsabilidade, mas teve de haver alguma liberdade criativa”. “Explicámos à família e houve essa compreensão. A vida é a vida, depois tem de se transformar em linguagem cinematográfica. É preciso haver um grande equilíbrio entre a verdade e a criatividade”, refere a argumentista. “A preocupação da família era que não se desvirtuasse a vida e a obra de Rui Nabeiro, e penso que isso foi conseguido.”