Um rancho. Ou seja, uma fila de mulheres, de chapéu na cabeça e enxada na mão, que caminha para o campo. Homens e mulheres puxando os barcos na areia da Nazaré. Mulheres e crianças banham-se no mar por ocasião da Romaria de São Bartolomeu. Mulheres agachadas na apanha da azeitona. As vindimas. As roupas tradicionais. As fotografias de Artur Pastor (1922-1999), sobretudo aquelas a preto-e-branco que tirou entre os anos 40 e 60 do século XX, mostram-nos um país de gente trabalhadora, no campo e no mar, mas, ao mesmo tempo, com alegria. Quase conseguimos ouvir os cantares que acompanham o trabalho. Quase sentimos os cheiros adocicados das terras.

Não admira, por isso, que duas das suas imagens tenham sido escolhidas para ilustrar os rótulos das garrafas dos vinhos tinto e branco da gama Adega Mayor Reserva – uma maneira bonita de assinalar, em 2022, o centenário de Artur Pastor e os 15 anos da Adega Mayor.

“Cada uma das nossas gamas é dedicada a uma arte, e a Adega Mayor Reserva é dedicada à fotografia, tendo, desde o rebranding, em 2017, passado a incluir nos rótulos expressões desta arte”, explica o diretor de marketing, Pedro Foles. “No momento em que avançámos para o restyling – que tem como propósito harmonizar mais a gama, simplificar os rótulos e  dar mais expressão a cada um dos elementos que neles constam – acabámos por contactar com o trabalho de Artur Pastor, no qual encontrámos uma solução incrivelmente alinhada com o posicionamento deste vinho: é um vinho que expressa a tradição e a tipicidade da nossa região e do nosso terroir, de uma forma contemporânea, simples mas cuidada que atende a cada detalhe.”

Foi esta a fotografia da vida rural portuguesa, pela lente de Artur Pastor, eleita para adornar o rótulo dos vinhos brancos Adega Mayor Reserva de 2021.

Alentejano como o vinho

A ligação é óbvia. Artur Arsénio Bento Pastor nasceu a 1 de maio de 1922 na freguesia de Alter do Chão, distrito de Portalegre. É alentejano, como o vinho da Adega Mayor. Com três anos, o pequeno Artur foi viver para casa dos padrinhos, em Évora. Estudou na Escola de Regentes Agrícolas, onde, em 1942, obteve o diploma do 7.º ano (atual 11.º ano) e, mais tarde, concluiu o curso de Regente Agrícola. Começou a fotografar com apenas 20 anos. As fotografias da pesca do atum ao largo de Tavira, um dos seus primeiros trabalhos, foram realizadas enquanto cumpria o serviço militar. Logo aí se revelavam algumas marcas da sua fotografia: “O registo da ação direta, a frontalidade ao assunto, o respeito e também a sinceridade e a paixão (mesmo a obsessão) pelo seu assunto”, como escreve Luís Pavão, fotógrafo e conservador do Arquivo Fotográfico Municipal de Lisboa, que adquiriu em 2001 o espólio de Artur Pastor.

Embora mais tarde tenha adotado a fotografia a cor, na década de 50 e 60 Artur Pastor fotografava sobretudo a preto e branco. São desta época, por exemplo, as imagens da festa de São Bartolomeu do Mar.

A fotografia foi uma paixão arrebatadora. O ainda jovem Artur fotografava intensamente. Aos 24 anos realizou a sua primeira exposição, em Faro, com cerca de 300 provas. Entre as imagens, além do copejo do atum em Tavira, o trabalho nas salinas e as atividades piscatórias em Sesimbra e, sobretudo no Alentejo, os trabalhos agrícolas e artesanais. Seguiram-se-lhe, ainda na década de 1940, “Motivos do Sul”, exposição em Évora, que reunia fotografias do Algarve e do Alentejo, e depois uma exposição na Casa do Alentejo, em Lisboa. Nesta altura, as fotografias de Artur Pastor eram já bastante elogiadas. “As fotografias das atividades agrícolas são frequentes nesta época, de fotografia amadora virada para os salões e concursos. Contudo, a proximidade que Pastor revela dos campos e das fainas agrícolas são singulares e destacam-no dos seus congéneres deste período”, escreve Luís Pavão no livro publicado por ocasião do seu centenário pela Fundação Francisco Manuel dos Santos e pelo Arquivo Municipal de Lisboa. No seu género realista ou naturalista, as imagens de Artur Pastor “ostentam uma simplicidade e uma proximidade ao assunto fotografado que nos parecem janelas para o mundo rural”.

A partir de 1953, Artur Pastor percorreu o país, captando as mais diversas técnicas agrícolas, lavras, sementeiras, fertilização, tiragem da cortiça, vindima, apanha da azeitona ou da batata e muito mais.

O curso de regente agrícola poderá ter influenciado os temas que escolhia e a forma de os fotografar, e acabou por ser determinante para o seu futuro. Em 1950, ingressou como regente agrícola no Serviço de Fomento e Inspeção Técnica da Batata-Semente, Direção-Geral dos Serviços Agrícolas do Ministério da Economia, tendo sido colocado no Posto Experimental de Montalegre. Deste período, temos imagens das paisagens transmontanas, dos nevões e dos monumentos, assim como, obviamente, das atividades agrícolas. Foi em Braga que em 1952 conheceu Maria Rosalina, professora do ensino primário, que viria a tornar-se sua mulher.

O regente agrícola fotógrafo

Em 1953, mudou-se para Lisboa e sugeriu a criação do Arquivo Fotográfico na Direção–Geral dos Serviços Agrícolas. A partir daí, a sua atividade profissional esteve sempre ligada à fotografia. Tornou-se um “regente agrícola fotógrafo”. Com a sua Rolleiflex ao peito, percorria o país, captando as mais diversas técnicas agrícolas, lavras, sementeiras, fertilização, tiragem da cortiça, vindima, apanha da azeitona ou da batata e muito mais. A maior parte das mais de 10 mil fotografias que tirou neste serviço serviam para classificar e organizar setores de atividade, géneros, espécies e famílias de produtos agrícolas e tinham como principal objetivo a catalogação. Mas Artur Pastor fazia muito mais do que isso. Revelou-se um fotógrafo infatigável e de olhar atento. Captava as atividades, os costumes, os modos de ser, as vivências. E fazia-o com um enorme perfecionismo técnico e um aprumo estético raros. Assim se justifica que, em 1957, a Câmara da Nazaré o tenha contratado para realizar um conjunto de fotografias da terra para ser oferecido à rainha Isabel II, de Inglaterra, na sua visita a Portugal. O livro Nazaré, publicado no ano seguinte, mostrava o trabalho dos pescadores, as vestes negras das marinas, a espuma do mar e as casas caiadas de branco. 

Em 1957, Artur Pastor foi contratado para realizar um conjunto de fotografias da Nazaré para ser oferecido à Rainha Isabel II, de Inglaterra, na sua visita a Portugal.

Nos anos seguintes, Artur Pastor continuou a fotografar para os Serviços Agrícolas e prosseguiu com a observação das fainas piscatórias noutros locais. São desta época, por exemplo, as imagens sobre os moliceiros da Póvoa de Varzim e da Apúlia, a festa de São Bartolomeu do Mar. Fotografava sobretudo a preto-e-branco, embora usasse também a cor. Neste período, as fotografias de Artur Pastor ganharam diversos prémios e foram incluídas em inúmeras publicações, até no estrangeiro. No seu segundo livro, Algarve, publicado em 1965, o fotógrafo revelava um novo interesse nas paisagem diversas e nas riquezas turísticas da região.

Artur Pastor percorreu Portugal de norte a sul à procura de capturar todos os momentos da vida dos campos, deixando um legado inestimável sobre a vida rural portuguesa. esta foto é de 1956 e foi tirada no douro, com um grupo de homens a caminho do lagar, e um tocador de concertina à frente, a abrir caminho.

Em 1970, foi inaugurada no Palácio Foz, em Lisboa, uma grande exposição com 320 fotografias a preto-e-branco e 40 fotografias a cores, organizada pela Secretaria de Estado da Informação e Turismo. Aqui, era perfeitamente claro que o seu olhar como fotógrafo se encaixava “no realismo, mais comprometido com o estabelecido e com a divulgação de uma certa imagem de Portugal”, afirma Luís Pavão. “Sentimos que tem uma mensagem a passar com as suas fotografias: quer enaltecer o seu povo, na mesma atitude apaixonada que mantém desde o primeiro disparo. Fá-lo com as imagens do mundo rural, da pesca artesanal, do mundo do trabalho mais simples, das atividades populares mais primárias, como as lavadeiras do rio, as crianças brincando na rua, os feirantes ou os fiéis desfilando das procissões e romarias.” E fá-lo com um interesse claro: “transmitir uma imagem favorável, positiva do povo laborioso, lutador, heroico mesmo, tal como ele o vê. (…) povo trabalhador, ordeiro, digno, orgulhoso das suas origens e tradições. Não são miseráveis, não são mandriões, não são vagabundos”. Ou seja, a pobreza estava lá, porque era praticamente impossível escondê–la. Os miúdos de pés descalços e a dureza da vida são visíveis nas suas fotos. Mas está lá também uma grande alegria. Nada de sofrimento, de miséria, de revolta ou desejo de mudança.

No entanto, e isto é importante sublinhar, Artur Pastor não fotografava assim por encomenda ou por imposição ideológica. Fazia-o por amor, garante Luís Pavão. Não era pura propaganda. Pastor “acredita profundamente no que nos está a dizer e a mostrar” e “o seu amor e dedicação à terra são inexcedíveis”. A sua obra revela o “deslumbramento infinito” do autor pelas regiões e pelas pessoas que fotografava. E talvez seja por esse motivo que, ainda hoje, precisamente 100 anos depois do seu nascimento, a sua obra continue a provocar tanta empatia.

 

A Adega Mayor selecionou para os seus rótulos duas fotografias de Artur Pastor que mostram o trabalho da ceifa no Alentejo.

Isso mesmo comprova Pedro Foles, da Adega Mayor: “O que sentimos ao analisar o trabalho de Artur Pastor é precisamente uma simplicidade, uma qualidade e uma modernidade que estão perfeitamente alinhadas com este posicionamento”, explica. Da enorme coleção de imagens de Artur Pastor, a Adega Mayor escolheu para os seus rótulos duas fotografias que mostram o trabalho da ceifa no Alentejo: “O Homem na Planície”, tirada nos anos 1943-45, mostra um trabalhador com um molho de trigo; já em “Tormento Estival”, de 1969, vemos um grupo de mulheres a beberem água de um cântaro numa pausa do trabalho. “A escolha destas fotos em particular, para os nossos rótulos, prende-se com o facto de terem uma presença humana extremamente empática em primeiro plano numa situação adequada e relevante. Acreditamos que têm a capacidade de interpelar agradavelmente quem contacta com elas, o que vai ao encontro do que pretendemos com este vinho.”