Pelo contrário. Esclareçam-se, por isso, os principais mitos associados à bebida.
1. O café é viciante
Quantas vezes já ouvimos alguém dizer que não consegue funcionar sem café? Compreende-se: a cafeína é um estimulante, que provoca a libertação de dopamina pelo cérebro. Este neurotransmissor, por sua vez, contribui para melhorar o humor e a capacidade de concentração, bem como diminuir a fadiga. Só que, ao contrário do que acontece com outras substâncias estimulantes, se consumida em doses moderadas, a cafeína não produz – na grande maioria dos indivíduos – um aumento de dopamina em quantidade suficiente para ativar os circuitos de recompensa do cérebro. Não provoca as sensações de prazer e recompensa necessárias à criação de um vício nem a chamada aprendizagem associativa, em que o cérebro atribui essas sensações de prazer e recompensa ao consumo de determinada substância, e que está na origem das dependências químicas. Ou seja, o café pode criar hábito, mas dificilmente se pode considerá-lo um vício.
2. Beber café impede o sono
Vamos assumir que estamos a falar da dose recomendada de cafeína para adultos, cerca de 400 mg/dia ou três cafés diários – isto porque também existe cafeína noutros produtos, como o chá (teína), o chocolate, refrigerantes e bebidas energéticas. Quando se bebe um café, a cafeína é rapidamente absorvida pelo organismo. Ao entrar na circulação sanguínea, bloqueia os recetores de adenosina, uma substância química produzida pelo cérebro quando estamos acordados e que é responsável por nos deixar sonolentos quando o corpo pede descanso. É esse bloqueio que permite que quem consome café fique mais alerta e vigilante. O tempo que a cafeína demora a sair do organismo varia de pessoa para pessoa. Há quem o metabolize mais depressa, há quem o metabolize mais lentamente – por isso é que há pessoas que podem beber café depois de jantar e dormir tranquilamente, e outras que sentem que beber um café a meio da tarde lhes afeta o sono noturno. Em média, o seu efeito pode durar até 4 a 6 horas. Portanto, para garantir um sono descansado é só fazer as contas.
3. As crianças não podem beber café
É muito mais fácil encontrar quem esteja disposto a dar produtos açucarados e processados a uma criança do que dar-lhe a provar café. Uma opção no mínimo polémica, porque além dos malefícios do açúcar, muitos refrigerantes e chocolates já contêm cafeína na sua composição. Existe, também, um velho mito que diz que o café afeta o crescimento das crianças. Mas também não passa disso mesmo, de um mito, sem qualquer sustentação científica. Devem então as crianças poder beber café como os adultos? Não. Mas é possível dar-lhes a provar a bebida. Segundo a Autoridade Europeia para a Segurança Alimentar, as crianças e adolescentes podem consumir cerca de 3 mg de cafeína por quilo de peso. Ou seja, uma criança de dez anos, com peso médio (cerca de 30 quilos) está apta a consumir o equivalente a uma chávena de café por dia. Com ou sem leite, mas sempre, de preferência, sem açúcar.
4. O café sem princípio sai mais limpo
Em Portugal existem, como se sabe, inúmeras formas de se pedir um café. Cheio, curto, em chávena fria, escaldada, duplo, garoto, pingado, abatanado ou sem princípio. Foquemo-nos neste último. Ao contrário do que algumas pessoas pensam, o café não se pede sem princípio para evitar os restos da bebida que possam estar na máquina. Com uma máquina bem afinada, em boas condições, isso não é sequer hipótese.
A razão para se pedir um café sem princípio é outra: é no princípio do café que vem a maior concentração de cafeína. Ao colocar a chávena debaixo da bica apenas depois do fluxo inicial de café, o barista garante que o café que irá servir será mais fraco do que um café tirado por inteiro. É essa a única razão.
5. O café cheio é mais fraco
Outro mito muito popular é o de que um café cheio é mais fraco do que o café curto. Não é verdade. Um café curto tem, em média, cerca de 10 miligramas a menos de cafeína do que o café cheio. No entanto, o café curto tem mais cafeína concentrada, em relação ao volume total. Isto acontece porque no processo de extração de café, a concentração de cafeína não é linear. Quando a água começa a passar sob pressão através do café moído, criando a bebida que cai na chávena, apanha, numa primeira fase, a maior concentração de sabores e cafeína. À medida que vai passando mais água, essas características vão ficando cada vez mais diluídas. É por essa razão que quando se tira o chamado ‘carioca’, ainda com as borras do café anterior, ele vem muito fraco e aguado – porque a extração anterior foi retirando, progressivamente, tudo o que havia para retirar do café moído.
6. Quanto mais escuro o café, mais forte
Associar a cor do café ao seu teor de cafeína é outro mito comum fácil de desfazer. Geralmente, diz-se que o café mais escuro, mais torrado, é mais forte. Mas isso não é verdade. Quando se torra demasiado o café, ele perde as suas propriedades naturais: os seus óleos, os seus minerais, os seus nutrientes e, claro, a sua cafeína. Pensemos no café como pão. Se torramos demasiado uma fatia de pão, ela fica queimada e a saber a tudo menos pão. Uma fatia menos torrada – ou torrada no ponto exato – é mais fácil de comer, sabe mais a pão e conserva mais as suas propriedades originais. Com o café acontece exatamente o mesmo: um sabor mais tostado não significa, por isso, maior pujança. Daí que, na Delta, a torra do café seja levada a cabo com o maior dos cuidados, sem pressas, e seguindo uma receita adequada a cada origem – pode ler mais sobre este processo na página 66.