1931-1950

Os primeiros anos de Rui Nabeiro

Manuel Rui Azinhais Nabeiro nasce a 28 de março de 1931, em Campo Maior, numa família de gente do campo, humilde – “mas não pobre”, como o Comendador sempre fez questão de sublinhar nas suas entrevistas.
A mãe, Maria de Jesus, é analfabeta, e o pai, Manuel dos Santos Nabeiro, tinha aprendido a ler quando estava na tropa. Sabe fazer a sua assinatura e pouco mais, mas isso permite-lhe tirar a carta de condução e tornar-se motorista de um médico que era também lavrador. Deixar o trabalho agrícola é já uma forma de subir na vida. Manuel Rui – a quem chamam apenas Rui – recorda-o como “um trabalhador nato”, “um sacrificado” que trabalha de sol a sol para que nada falte à família.

Rui Nabeiro tem quatro irmãos – com ele, eram três rapazes e duas raparigas –, mas um dos rapazes morre muito cedo. Lá em casa não há doces e bolos só no Natal, é verdade, mas Rui e os irmãos vão à escola e andam calçados, o que não é assim tão comum. Os sacrifícios dos pais têm um objetivo: os filhos hão de completar a quarta classe. Quando recorda a sua infância, Rui Nabeiro diz:

“Não existia aqui no Alentejo vida para viver. Existia vida de passar o tempo trabalhando e lutando, sempre para alguém que não nos reconhecia. Hoje isso não acontece assim, há uma melhoria extraordinária. As pessoas mais humildes aqui de Campo Maior trabalham, mas também vivem. A maior mudança é esta: começámos a ser mais humanos.”

Situada no canto mais a leste do distrito de Portalegre, a vila de Campo Maior está longe de tudo, é verdade. Mas, por outro lado, Espanha está logo ali. Em linha reta, são apenas 15 quilómetros até Badajoz. “Estar na Raia faz com que Campo Maior seja diferente da maioria dos sítios. Aqui caminhamos até ao vizinho e o vizinho caminha até nós em busca de melhores dias.”

Quando há falta de bens, de um lado ou do outro, os homens ignoram as fronteiras e desafiam as autoridades. “Menos mal que havia o contrabando, que era de interesse dos dois países. Por isso, os contrabandistas passavam livremente pela fronteira. Quando havia pouco trabalho cá e lá, levar café até Espanha era uma profissão”, contou Rui Nabeiro ao jornal espanhol El Diario.

Manuel Rui Azinhais Nabeiro nasce a 28 de março de 1931 numa família humilde de Campo Maior.

O nascimento de uma nova marca: Cafés Camelo

A ligação da família Nabeiro com o café não começou com Rui Nabeiro, mas com o seu tio Joaquim. Nos anos 30, Joaquim dos Santos Nabeiro passa a matéria-prima verde (café cru) de Portugal para Espanha para aí ser torrada, de forma ilegal. Percebendo o potencial do negócio, Joaquim corta com os intermediários e aposta ele próprio na torra do café, e cria a marca Cubana que, depois de perseguida pela Inspeção das Atividades Económicas, acaba por ser vendida.

É nessa altura, em 1937, que Joaquim convence o irmão Manuel (pai de Rui Nabeiro), e um cunhado, Vitorino Silveira, a juntarem-se a ele para criar uma nova marca de café, a Camelo. Porquê o nome Camelo? “O meu tio era um homem de grande risco e fez a Camelo olhando um pouco para o tabaco Camel. A Camelo ainda hoje é quase uma fotografia da Camel. Houve alguns problemas com a companhia, a Philip Morris, mas conseguimos fazer um acordo entre as partes, garantindo que só fazíamos café.”

A Camelo passou depois a ser uma das marcas do Grupo Nabeiro e sobrevive até hoje.

O professor que lhe mudou a vida

Enquanto a geração acima se iniciava no negócio do café, Rui Nabeiro senta-se no banco da escola primária, em Campo Maior, e aprende a ler e a contar. É lá que aos “nove ou dez aninhos” Rui Nabeiro conhece quem viria a ser a mulher da sua vida. No início, as turmas não eram mistas. Meninos de um lado, meninas do outro. Mas, no último ano, em 1940, o professor faz um “cambalacho” e toma a decisão ousada de os juntar.

“Quando chegámos à quarta classe é que começou a haver classes com rapazes e raparigas, e toda a gente arranjou um namoro. Começámos a namorar, aliás, a dizer que namorávamos! E foi até hoje.”

O professor António Joaquim Oliveira, homem com “uma imaginação social desenvolvida”, é importante para Rui Nabeiro também por outras razões. Percebe que o rapaz tem vontade de aprender e puxa por ele. Escolhe-o para ficar a tomar conta da turma quando tem de se ausentar, pede-lhe para explicar a matéria aos colegas que têm mais dificuldades e também para o ajudar a pôr de pé uma cantina para os alunos mais carenciados. “Tens muito para dar, tu vais longe”, terá dito o professor. Rui Nabeiro reconhece: “A escola deu-me uma certa vivacidade e um certo querer pela vida.”

Quase não tive infância. Não fiz outra coisa senão trabalhar”

“Durante a instrução primária, a minha preocupação era ajudar os meus pais. Éramos quatro filhos, as carências eram bastantes”, contou Rui Nabeiro numa entrevista a Anabela Mota Ribeiro, em 2002. Em Campo Maior, nesta altura, apenas é possível estudar até à quarta classe. Depois disso, é preciso ir para Elvas, Évora ou Portalegre. Mas são poucas as crianças que têm essa possibilidade. Terminada a escola primária, quase todos os miúdos começam a trabalhar. Na família Nabeiro, as raparigas aprendem a costurar, os rapazes procuram trabalho fora de casa.

Rui, ainda uma criança, começa cedo a querer ajudar os pais. “Não fui moço de andar a brincar na rua”, diz. E faz de tudo um pouco. Chamam-no sempre que o pregoeiro da terra está doente ou não pode cumprir a sua função – e lá vai ele, com onze anos, percorrendo as ruas de Campo Maior e gritando as notícias e os avisos da Câmara. Também vende peixe, faz recados, está sempre à procura de uma oportunidade para ganhar mais uns tostões.

“Por vezes os casais têm os seus desequilíbrios, e os desequilíbrios são quase sempre de ordem económica. Aos onze anos, apercebia-me de situações. No que pudesse laborar cá fora para levar para casa, laborava. Vocacionava a minha pequena ajuda para a minha mãe. Desde que a minha mãe não tivesse problemas, o casal também não os tinha.”

No ano seguinte, com a ajuda do patrão do pai, Manuel e Maria de Jesus abrem uma pequena mercearia, chamada Alimentação e Salsicharia Sr.ª Maria Azinhais. Rui dedica- -se então a ajudar a mãe. Vai com ela a Elvas, de autocarro, buscar mercadorias, carrega caixas, arruma, limpa. “Quase não tive infância. Não fiz outra coisa senão trabalhar”, diz Rui Nabeiro.

O tio Joaquim, um exemplo para a vida

Em 1944, Rui Nabeiro vai trabalhar com o tio Joaquim, na Camelo. Transporta num carrinho de mão os sacos de café verde, entre a estação dos caminhos de ferro e a fábrica. Cada saco pesa 20 quilos e o rapaz carrega quatro de cada vez. A influência deste “tio extraordinário” no seu percurso é enorme. E não é só por ter sido ele a trazer o negócio do café para a família. “Nasci, cresci e fiz-me homem na sombra do meu tio Joaquim. Deixou-me trabalhar e deixou-me ter ambição”, conta Rui Nabeiro.

Com sacos às costas, carregados de café, os contrabandistas atravessam a fronteira de Espanha. Joaquim dos Santos Nabeiro é o quarto na foto.

Joaquim dos Santos Nabeiro, também conhecido como Joaquim d’Olaia, era “um homem de audácia que, quase analfabeto, aprendeu sozinho a escrever o seu nome. Era um homem inteligente e trabalhador”. Decidiu muito cedo que não queria trabalhar no campo. Aos 14 anos saiu de casa dos pais. “Queria para ele uma vida diferente; lá ser cavador, não.”

Voltou-se para Espanha e dedicou-se ao transporte de mercadorias, legal ou ilegalmente. “Era um homem de confiança na fronteira e conhecia bem os seus meandros.” De saco às costas, o tio Joaquim foi um dos pioneiros no contrabando de café, ainda verde, que vinha de Angola, Timor, São Tomé e Cabo Verde, para as fábricas de Espanha. Houve uma vez que o tio Joaquim e o seu cunhado, Vitorino Silveira, foram apanhados. “Os dois levavam café para Espanha, foram presos pela guarda, levados para Madrid e dali para a frente de combate [durante a guerra civil espanhola]. 

A sua vida perigava, a família estava em sobressalto permanente. De maneira que passaram muitas privações até que os ministérios respetivos e o governo intercedessem para que os portugueses pudessem regressar. Regressaram a Lisboa, por via marítima. Eu era muito jovem, mas lembro-me”, contou Rui Nabeiro numa das suas entrevistas. Foi ao ver, em Espanha, como funcionava uma torrefação de café, que Joaquim teve a ideia de montar a sua própria fábrica em Campo Maior.

Joaquim era comerciante e também empreendedor. Rui Nabeiro admira a sua vontade de alcançar sempre mais e de nunca depender de ninguém. O tio Joaquim “nunca fez outra coisa senão trabalhar para ele próprio”, diz. E essa é uma das lições que ensina ao sobrinho. “Foi a pessoa que me abriu caminho”, admite Rui Nabeiro.

Trabalho duro na torra do café

Aos 14 anos, Rui Nabeiro passa dos carregamentos para a frente da manivela de um pequeno torrador manual da fábrica do tio. É aqui que começa, de facto, a aprender os segredos do café.

A torrefação consiste em colocar os grãos crus em contacto com o calor, através da injeção de ar quente no balão da torra. Isto tem de ser feito com muito cuidado, equilibrando a quantidade de café na máquina, a entrada e saída do ar, a temperatura (entre 190 e 240 °C), o nível de humidade e a duração de toda a operação, para que a torra atinja o ponto perfeito, sem deixar os grãos crus e sem os queimar. Assim que o café começa a estalar, é sinal de que começa a ficar torrado. Diferentes tipos de torra dão origem a café com sabores diferentes.

Rui Nabeiro trabalha de manhã à noite. “Era jovem, mas já trabalhava como um homem. Fazia um trabalho muito duro, principalmente em termos físicos”, recorda o próprio. Acordava de madrugada para ir trabalhar e ficava na fábrica o dia inteiro. “Não tinha tempo para hobbies, nem para divertimentos. O meu hobby era o café.”

A aprender os meandros do negócio

Ao contrário dos tios, o jovem Rui Nabeiro já não tem de andar com um saco de 30 quilos de café às costas e atravessar os montes até Espanha. É “mais felizardo”, admite. “Já tive um pequeno privilégio. Tive dois tios que fizeram a sua vida caminhando na fronteira. Eu já não andei com a mochila às costas”, contou numa entrevista a Ana Sousa Dias. O que tinha de fazer era arranjar as pessoas que fizessem esse trabalho, abastecê-las e coordenar a operação. Depois, “arranjar o cliente no outro local para alguém passar. Era uma atitude de menos esforço. Uma parte da técnica já a tínhamos, eu só tinha de garantir que havia clientes e abastecimento. Eu ia a Espanha e depois os produtos apareciam lá, de automóvel, ou havia pessoas que passavam em determinados sítios.” Nesta altura, o contrabando é já uma atividade mais organizada, realizada em quadrilhas. A ele compete-lhe coordenar, “de um lado e de outro”. Estávamos em 1947.

O esforço físico é menor, mas este é ainda um trabalho de risco. “Havia pessoas que eram presas e maltratadas, tanto na parte portuguesa como na parte espanhola. A fronteira dava camisa e tirava camisa”, conta Rui Nabeiro. O contrabando permite-lhe viver um bocadinho melhor, mas “ninguém ganhava fortunas junto da fronteira”. “Daí, cingi-me ao café, mais nada.”

O empresário Rui Nabeiro

Com a morte do pai, Rui Nabeiro é “empurrado” para assumir a sua posição na empresa da família. Não tendo filhos, Joaquim d’Olaia encontra nos sobrinhos o “interesse e apoio para continuar os negócios”, começando Rui a distinguir-se pelo empenho e capacidade de trabalho, em 1950. “Não tive juventude. Tive de assumir a posição do meu pai na empresa em que ele era sócio. Foi quando comecei, de facto, a trilhar a minha vida”, conta.

Nesta altura, o negócio do café tem vários protagonistas, mas quase todos têm o apelido Nabeiro, explica Luís Cunha na obra Memória Social em Campo Maior: “Da primeira geração, falecidos dois dos três irmãos, continuam Joaquim d’Olaia e o cunhado Silveira.” A eles juntam-se agora os sobrinhos, Fernando Lopes (filho de João Nabeiro), Manuel Rui e o irmão António Azinhais. “Não estando restringida a estes nomes, a actividade de transformação e comércio, legal e ilegal, de café na vila de Campo Maior, encontra neles as referências principais, aquelas que, sublinhe-se, ainda hoje se evocam. Joaquim e Silveira viveram até tarde e são lembrados como pioneiros do contrabando de café, não tendo nunca rejeitado esse passado. Rui Nabeiro surge como continuador do trabalho destes homens, ainda que, comparativamente à geração precedente, a sua acção seja seguramente mais empresarial do que aventureira.” 

1951-1970

A carta da mãe para o presidente da República

A 1 de setembro de 1951, a mãe do então jovem Rui Nabeiro escreve ao Presidente da República, general Craveiro Lopes, apelando ao seu “bondoso coração”, para que intervenha e isente o filho do cumprimento do serviço militar, argumentando que ele é o seu “único amparo”. A resposta, vinda da secretaria da Presidência da República, é, no entanto, negativa: “A qualificação de amparo em nada contribui para que um dado mancebo seja considerado isento de prestação de serviço militar.”

O serviço militar obrigatório universal é institucionalizado em Portugal com a República, em 1911, e confirmado pela Constituição de 1933. Todos os rapazes têm de ir à tropa, ainda que sejam o “amparo” da sua mãe. Recusado o pedido de Maria de Jesus, o soldado Manuel Rui Azinhais Nabeiro apresenta-se no Quartel de Elvas a 29 de abril de 1952 para cumprir o serviço militar no Batalhão de Caçadores 8, até 10 agosto de 1952, num total de 103 dias. 

A sua especialidade é observador telemetrista, ou seja, dedica-se à medição de distâncias com um telémetro.

 

Parabéns aos noivos

Terminado o serviço militar, é tempo de casar. Alice e Rui namoram desde os tempos da escola primária. “Aquilo não era amor, não era nada, era uma simpatia. Começámos com oito anos e durou uma vida inteira”, contou Alice Nabeiro numa das suas raras intervenções públicas. 

Em 1953, são ambos ainda jovens, mas Rui Nabeiro é já um homem de trabalho, empresário sem “tempo para namoros nem cantadas”. O casamento acontece a 25 de outubro, em Campo Maior. Dele nasceram dois filhos: João Manuel e Helena Maria Gonçalves Nabeiro.

“O segredo da nossa relação é a compreensão, daí à amizade e ao amor”, diria Alice Nabeiro, sem poupar elogios ao marido: “Tem compreensão e eu também tenho um bocadinho de compreensão para ele. É uma pessoa excecional e carinhoso para todo o mundo. Bom pai, bom marido, bom amigo e toda a gente que chegue junto dele só se não puder é que não é satisfeito o pedido que lhe faz.”

Alice e Rui Nabeiro casam-se a 25 de outubro de 1953, em Campo Maior.

O primogénito de Rui e Alice Nabeiro

É na Rua de Badajoz, paredes-meias com o Estádio do Campomaiorense, que nasce o primeiro filho de Rui e Alice Nabeiro, João Manuel. Um prenúncio do que viria a ser o seu futuro à frente do clube da terra. Antes, porém, estuda em Lisboa. Só que o seu percurso no Instituto Superior Técnico, no curso de Engenharia Eletrotécnica, coincide com o golpe de asa do seu pai que, em 1975, traz de Luanda um navio carregado com café. “Essa foi a nossa rampa de lançamento. Ver a satisfação dos nossos clientes e nós a servi-los quando não havia produto no mercado. A partir daí, crescemos exponencialmente”, recorda.

Esse crescimento exponencial fá-lo dividir-se entre os estudos e a Delta. “Comecei a ter um pé no Técnico e outro na empresa. Fazia as duas coisas. Tínhamos um diretor de vendas, uns rapazes nas vendas hoteleiras e eu acoplava-me com regularidade. Depois, de um dia para o outro, fiquei sem ir ao Técnico, porque já não resultava para mim ter as duas vidas.”

É no final dos anos 70 que João Manuel Nabeiro começa a trabalhar a tempo inteiro na Delta. E é ele o responsável pelas primeiras grandes campanhas de publicidade e ações de comunicação. “Cabia-me a mim o contacto com as agências. Lembro-me de trabalharmos muito com a Neovox e com o nosso querido João Correia. No início fazíamos muita rádio e muitos jornais. E começámos logo desde muito cedo a apostar no futebol.” 

Essa aposta no futebol ganha nova dimensão nos anos 90 com o projeto do Sporting Clube Campomaiorense. À frente dos destinos do clube, João Manuel leva-o ao escalão maior do futebol nacional e a uma presença inédita na final da Taça de Portugal, em 1999. Entretanto, e com o fim do futebol sénior, decide pôr as instalações onde se recuperavam os jogadores ao serviço da comunidade, com a abertura do Clube de Saúde. 

Mais recentemente, depois de supervisionar as recuperações do restaurante ApertAzeite e o projeto turístico da Herdade dos Adaens, assumiu a presidência do Conselho de Administração do Grupo Nabeiro. Sempre com o foco no exemplo maior da sua família. “Tentei sempre ser um fiel seguidor daquilo que são as pisadas do meu pai. E isso, a mim, tem-me enchido de amor e alegria.”

Aice Nabeiro com João Manuel Nabeiro ao colo.

É uma menina!

Em 1959 nasce Helena Maria, filha de Alice e Rui Nabeiro. Tal como o irmão, João Manuel, também ela cresce a acompanhar de perto a atividade empresarial do pai, acabando por desempenhar um importante papel no negócio da família. Coube à atual administradora do Grupo Nabeiro a missão de inaugurar o Museu do Café a 21 de dezembro de 1994 – um espaço único no país (e um dos poucos na Europa), onde não só se conta a história do café mas também da própria família Nabeiro. Essa missão foi mais tarde alargada ao atual Centro Ciência do Café, inaugurado em 2014, e que é hoje um centro de interpretação, divulgação científica e tecnológica, e também um passaporte para o mundo da Delta.

Mãe de Ivan Nabeiro (atual administrador do Grupo Nabeiro) e de Marcos Nabeiro Tenório (cavaleiro), Helena Nabeiro é também ela uma aficionada do cavalo, tendo fundado a sua própria coudelaria, há mais de 20 anos. Entre 1987 e 1990, chega a participar em provas do campeonato nacional, na modalidade de raids hípicos. Mesmo longe da competição, nunca se afasta deste universo, de resto partilhado com o seu marido, Joaquim Manuel Carvalho Tenório, conhecido como Joaquim Bastinhas, que foi um dos mais aplaudidos cavaleiros tauromáquicos portugueses. 

Rui, Helena, João Manuel e Alice numa foto do final dos anos 60.

As primeiras vitórias da Delta

A partir de 1961, a história de Rui Nabeiro começa a confundir-se com a história da Delta. O primeiro ano não é fácil. O mercado nacional, naturalmente pequeno, oferece pouco espaço de manobra para marcas novas. É porventura a época em que Rui Nabeiro mais vezes ouve a palavra “não”, o que nunca o impede de continuar. Pelo contrário.

Oficialmente inaugurada em fevereiro de 1961, num armazém com 50 metros quadrados, três funcionários e apenas duas bolas de torra, a Delta vê-se obrigada a procurar soluções criativas para vingar. “No início, não conseguia vender um quilo de café. Mas a imaginação ajudou- -me e comecei por vender as cevadas, que era o produto que o povo conseguia adquirir”, conta Rui Nabeiro, que, nestes primeiros anos, concilia o novo desafio com o seu trabalho na Torrefação Camelo. “Levantava-me às 3h30 da manhã e ia trabalhar.” Consigo, na nova empresa, estão apenas três empregados, todos eles já reformados. “Dois tinham trabalhado na gnr e um na Guarda Fiscal.” O financiamento para o arranque é conseguido através das poupanças que Rui Nabeiro já tinha na altura e às quais soma dois pedidos de crédito.

Viabilizado o projeto, é preciso escolher o nome da nova marca. “A minha intenção era dar-lhe o meu nome. Coloquei duas hipóteses à empresa que tratava das nossas patentes e marcas [J. E. Dias Costa], e foram eles que sugeriram o nome Delta.” A acústica agradável e a facilidade de pronunciação – e em diferentes línguas – convence Rui Nabeiro, que delega na mesma empresa a tarefa de desenhar a imagem inicial da Delta. 

Do resto, trata ele. Ao perceber que a sua concorrência não se desloca até aos clientes, nem tão-pouco lhes dá assistência ou concede crédito, decide mudar o sistema de comércio praticado. “Eu estudei aquilo tudo e percebi que havia ali uma falha. Aos poucos, começámos a vender porque facilitávamos o crédito, as máquinas; as entregas do produto eram à porta de casa… Se deu prejuízo? Deu. Mas depois deu dinheiro.”

A chegada à capital

O coração da Delta está em Campo Maior, mas a sua área de influência começa rapidamente a estender-se a todo o país. Desde logo, a Lisboa, onde abre o seu primeiro entreposto comercial, na avenida Gago Coutinho, em 1963.

É aí, numa vivenda arrendada a um amigo, e mais tarde adquirida, que a Delta instala o seu escritório alfacinha. “Também tínhamos um armazém na zona da Graça, no número 92 da rua da Verónica, onde fazíamos as descargas de café, em cima de um tapete desenrolado na cave. Depois, passámos para a Infante D. Henrique, onde estamos ainda hoje”, conta Rui Nabeiro. 

Num país pequeno e com poucas infraestruturas rodoviárias, estes entrepostos revelam-se fundamentais para encurtar distâncias. As estradas nacionais estão, por norma, congestionadas e nem sempre nas melhores condições. Já as autoestradas são quase inexistentes. A A1 – ainda hoje considerada a espinha dorsal do sistema rodoviário português – nasce com o objetivo de ligar a capital à cidade do Porto, mas nesta altura limita-se ainda a dois troços: o primeiro, de 23 quilómetros, construído entre Lisboa e Vila Franca de Xira em 1961, e um segundo, de apenas 3,5 quilómetros, entre Carvalhos e Santo Ovídio, aberto à circulação precisamente em 1963.

A primeira carrinha da Delta, uma Ford Fordson comprada em segunda mão.

Viagens na minha terra

Três anos após a criação da marca, a Delta continua a crescer e, depois de Lisboa e Coimbra, inaugura o seu entreposto comercial no Porto. Sediado na Senhora da Hora, nasce em 1964 com funções de armazenamento e de distribuição, contando com uma pequena equipa de vendedores que assegura as transações comerciais.

Rui Nabeiro talvez não precise de ir todas as semanas ao Norte, mas também ele quer estar o mais perto possível de todos os seus trabalhadores, mesmo que isso implique longas viagens de sete horas, desde Campo Maior. Viagens feitas naquele que é o primeiro veículo ao serviço da empresa – uma robusta e fiável Ford Fordson verde e amarela, comprada em segunda mão pelo seu tio Joaquim. 

É nela que viaja por todo o país, quase sempre em trabalho. Mas mesmo quando estacionada nas instalações da Delta, em Campo Maior, a carrinha está pronta para eventualidades e emergências, seja visitar um cliente ou transportar alguém para o hospital. Um carro para todo o serviço, que o tempo se encarregou de transformar em peça de museu: hoje é uma das principais atrações do Centro de Ciência do Café.

As primeiras viagens internacionais

As viagens são uma constante na vida de Rui Nabeiro, que em 1966 começa a fazer as suas primeiras incursões internacionais. Espanha, França, Alemanha e Itália são alguns dos destinos que acabariam por se tornar recorrentes, mas também o Brasil, país de que guarda memórias especiais.

“Lembro-me, por exemplo, das viagens ao Congresso de Café em Guarujá, perto de Santos, no estado de São Paulo. Foi um sítio que me deu muita ilusão. Trabalhávamos e também passeávamos – havia sempre uma excursão aqui ou acolá proporcionada pela organização do evento. Mas também gosto muito dos países nórdicos, nomeadamente da Suécia, e claro, não posso deixar de mencionar os Estados Unidos e aquele estilo de vida intenso que eu nunca tive, exceto no que toca ao trabalho.”

É nas viagens que encontra inspirações, importando depois os modelos de negócio, mas também o equipamento que faz da Delta uma empresa de sucesso: “As ideias também nascem daí, de ver muitas coisas e de falar com muita gente. A pessoa que é humilde ouve e regista, e eu ando sempre com um papelinho para apontar”, conta à neta Rita Nabeiro, numa conversa publicada na primeira edição da DDD. Os “papelinhos” foram entretanto substituídos por post-it, não fosse Rui Nabeiro um fervoroso utilizador dos pequenos blocos de notas amarelos, também eles uma prova de que as ideias mais simples são, muitas vezes, as mais surpreendentes.

“Quando os outros estavam a ir, já eu estava a voltar” é a frase que Rui Nabeiro dizia muitas vezes sobre os seus concorrentes. A curiosidade inesgotável do fundador da Delta está na origem de muitas das suas ideias.

O princípio de um sonho

Em 1968, Rui Nabeiro compra a Herdade das Argamassas, onde no futuro virá a instalar o complexo industrial da Novadelta. É também neste terreno que concretiza o sonho de se tornar ele próprio um produtor de vinho, inscrevendo o seu nome numa prática antiga, quer na região, quer na própria família. “Campo Maior sempre teve uma tradição no que diz respeito à produção de vinhos. As pessoas pobres desta zona faziam vinho para consumir em casa. Quase todas as famílias tinham um pedaço de terreno que separavam em duas áreas: uma para o pão, outra para o vinho e para o azeite. Há em todos nós uma tradição, ou pelo menos uma saudade, da forma como os nossos antepassados viveram, e que era, na verdade, um bom exemplo de um comércio de sustentabilidade.” 

Era assim no Alentejo interior, que Rui Nabeiro recorda como um meio de muitas carências, mas também como uma terra abençoada, onde até as pessoas mais pobres tinham meios para sobreviver. “Os meus avós e bisavós tinham esse privilégio de ter um bocadinho de terra, certamente deixada pelos seus pais, e faziam o seu vinho. Eu segui a tradição que vi nos outros. A minha intenção foi a de criar algo. E criei.” 

São 106 hectares que marcam o início de um novo capítulo na história de Rui Nabeiro e da própria empresa, que vê a sua amplitude desenhar-se desde cedo. Sem menosprezar o lado simbólico e emocional que insiste em não calar: “Em menino contemplava a paisagem da Herdade das Argamassas. Acompanhava os meus avós maternos, com pé ligeiro e com a ideia persistente em fazer mais pela minha família e pela minha terra. Já nessa altura, namorava aquelas terras e nunca imaginei que um dia seriam minhas. É uma herdade que me diz muito, que me toca no fundo da alma.”

Os primeiros supermercados 

Um ano depois de se ter constituído a Sociedade Armazéns de Mercearias M.R.A. Nabeiro Lda, é inaugurado em Setúbal um armazém de mercearias, criado à imagem daquele que já existe em Campo Maior e que, por esta altura, abastece todo o distrito de Portalegre. Estamos em 1970, e o objetivo passa por replicar um modelo de sucesso e, ao mesmo tempo, consolidar a expansão do grupo em novas áreas de negócio. 

Para isso, Rui Nabeiro volta a fazer uso daquela que já vem sendo uma estratégia sua: a colocação de pessoas da sua confiança (e quase sempre de Campo Maior) em cargos-chave, nomeadamente naqueles que, geograficamente, estão mais distantes do coração da empresa. Mais uma aposta vencedora: passados três anos, o armazém transforma-se em supermercado, à semelhança dos da capital onde, durante toda a década de 1961, foram abrindo sucessivos e multifacetados espaços comerciais, pensados para funcionar “ao serviço das donas de casa e da economia doméstica”.

1971-1990

O 25 de Abril em Campo Maior

Com o final de uma ditadura de cinco décadas, é tempo de operar toda uma reestruturação legislativa e política, mas também do próprio tecido social. Até então profundamente assimétrica, a sociedade campomaiorense transforma-se lentamente: inauguram-se cooperativas e surgem novas oportunidades de trabalho. 

Na Delta, onde trabalham 77 pessoas, um pequeno grupo de funcionários mobiliza-se no sentido de tomar a torrefação, mas é rapidamente demovido pelo próprio Rui Nabeiro, que, sempre presente e próximo dos seus colaboradores, não é apanhado de surpresa. Intervém a tempo, apazigua os ânimos. E sai para a rua, com o seu povo. “Caminhei, gritei e fizemos a nossa marcha”, recorda. 

A Delta cresce exponencialmente, dando emprego a muitos trabalhadores. Com a revolução de 1974 chega também a oportunidade de mais mulheres entrarem no mercado de trabalho, ainda que na Delta elas já marcassem presença desde o final da década de 1960. 

Maria Alcide Carapinha Caramelo é uma das primeiras trabalhadoras a ingressar nos quadros da empresa. Entra ao serviço a 20 de novembro de 1969, com apenas 16 anos, para trabalhar na fábrica de café. “Adorava o trabalho da torrefação. Aí, as mulheres, que já eram algumas, faziam um pouco de tudo: batíamos as torras, mas também enchíamos os pacotes de café. Naquele tempo era tudo feito à mão.” 

Em 1974, Rui Nabeiro desafia-a a mudar-se para o armazém de mercadorias que abastece todo o distrito, e onde, à época, só trabalham homens. Maria Alcide não hesita em ser a primeira. Fica até 2015, ano que abandona a empresa onde trabalhou a vida toda: “Senti-me sempre em casa. Na Delta somos uma grande família.”

A sorte protege os audazes

10 de Novembro de 1975. Na véspera da independência de Angola, oficialmente formalizada em fevereiro do ano seguinte, Rui Nabeiro regressa a Portugal, dando por terminada aquela que terá sido uma das viagens mais cruciais e bem-sucedidas da sua vida, mas também mais um excelente exemplo da sua intuição empresarial. 

Numa altura em que a maioria dos portugueses abandona África, Rui Nabeiro faz o caminho inverso e ruma a Angola, onde acaba por ficar cinco meses. “No aeroporto encontrei algumas pessoas amigas que me disseram: ‘mas aonde é que você vai? Você não está bom da cabeça…’ E eu respondia: ‘Bem, se correr bem, muito bem; se correr mal, terei de me sujeitar’.” Correu muito bem.

 Consciente da dependência que o mercado nacional tem da produção angolana no domínio do café, e antevendo importantes mudanças políticas no país africano, decide partir ele próprio, ao invés de mandar um representante, correndo riscos e sofrendo com os vários condicionamentos que se faziam sentir na altura. Um rasgo de audácia e coragem que faria toda a diferença. Ou, nas palavras de Rui Nabeiro, “um raio de luz que me iluminou”. 

Mas, primeiro, era preciso transportar a carga de dezenas de milhares de sacos de café para Portugal: a Companhia Nacional de Navegação não tinha como responder à solicitação, pelo que foi preciso subalugar um barco grego que o próprio Rui Nabeiro ajudou a preparar para a viagem de regresso. Uma vez mais, foram as amizades semeadas vida fora que lhe valeram, garantindo que tudo se encaixava rumo a um final feliz. 

Contas feitas, não precisou de viajar de barco com o café que conseguiu comprar e que a todo o custo queria proteger. Chegou a ter a mala no convés, mas acabou por comprar uma passagem aérea que o trouxe, vitorioso, de volta a casa. Resultado: enquanto a concorrência sofria com o racionamento de café, a Delta tinha os armazéns cheios e os clientes abastecidos.

Três vezes nomeado e duas democraticamente eleito, Rui Nabeiro é um autarca acarinhado pelo povo de Campo Maior.

Cinco vezes presidente da Câmara

Rui Nabeiro concorre à Câmara de Campo Maior como candidato do Partido Socialista nas eleições de 12 de dezembro de 1976, naquelas que são as primeiras autárquicas depois do 25 de Abril. O resultado não deixa margem para dúvidas: uma expressiva vitória com 57% dos votos, bem à frente do candidato da Frente Eleitoral Povo Unido (FEPU) – antiga coligação formada pelo PCP, o MDP/CDE e a Frente Socialista Popular (FSP) – que obteve 35,5% das preferências. 

Depois da vitória na eleição de 1976 segue-se nova conquista, em 1979, com 56,6% dos votos. Como “não há duas sem três”, nas autárquicas de 1982 o resultado é em tudo semelhante, ficando uma vez mais bem acima dos 50% (e mantendo-se no cargo até 1986). Na verdade, não são três as vezes que Rui Nabeiro assume os destinos da autarquia local, mas cinco. 

A sua carreira política – se é que o termo pode ser aplicado, até porque nunca fez da política a sua vida ou profissão a tempo inteiro – começa ainda antes da Revolução, tendo sido nomeado presidente da Câmara em duas ocasiões. Em nenhuma delas terminou o mandato. Em 1968, foi convidado a sair “porque eles queriam que eu trabalhasse devagar e eu trabalhava mais à pressa”. Em 1972, saiu pelo seu pé, e em conflito com o governador civil de Portalegre. 

“Fui um presidente de Câmara muito original. Nessa altura, antes do 25 de Abril, os presidentes eram nomeados e era difícil para uma pessoa oriunda do povo e humilde chegar lá. Estive na autarquia como presidente, como vereador, como vice-presidente e na presidência, interinamente, durante a década de 1960. Em 1972 voltei novamente, tentando com a minha dinâmica e atitude fazer o melhor. Era algo maravilhoso, sempre senti a Câmara Municipal como uma coisa ótima e, porque não dizê-lo, de alguma promoção. Devo dizer que qualquer pessoa que desempenha um cargo público está obviamente a promover-se”, lê-se no livro O Homem, Uma Obra – a de Rui Nabeiro, de Tereza Castro Ribeiro Reis.

O início da terceira geração

O primeiro neto de Rui Nabeiro, Rui Miguel, nasce em Lisboa a 23 de janeiro de 1979, e a sua irmã Rita chega quase dois anos depois, a 18 de dezembro de 1980. A Delta é uma memória de infância bem presente em ambos. “Lembro-me perfeitamente de em criança ir com o meu avô à fábrica. Logo à entrada havia os empilhadores, tudo mais artesanal, onde é hoje a Camelo”, conta Rui Miguel. Rita recorda os tempos passados com o irmão e os primos “a jogar às escondidas no armazém onde estavam as sacas de café”, e também o monte alentejano que existia onde hoje é a fábrica, “que tinha vacaria e um galinheiro”. 

Ambos crescem e estudam na capital, enquanto o pai, João Manuel, chefia o departamento de Lisboa. As visitas ao escritório são frequentes. Rui Miguel entretém-se a espalhar as bolinhas dos registos do telex, com a cumplicidade de Beatriz Mourato, uma “figura importantíssima, incontornável, da Delta”. 

O tempo vai passando, os irmãos formam-se: Rui Miguel Nabeiro, em Gestão de Empresas; Rita Nabeiro, em Design de Comunicação. E se o percurso académico de Rui Miguel é direcionado desde cedo para aplicar o conhecimento adquirido na Delta, já o de Rita indica um desejo antigo de independência. Rui começa mais cedo na empresa, em 2003, e envolve-se quase de seguida no projeto Delta Office, uma marca voltada para pequenos escritórios. “Não trabalhávamos esse segmento, só os grandes escritórios, e eu achei que havia ali uma oportunidade.”

Rita, por outro lado, começa a trabalhar numa agência de publicidade. Mas quando surge a oportunidade de desenvolver uma marca de vinhos para o Grupo Nabeiro, pede para fazer uma proposta. “Pedi para me deixarem fazer e dizerem o que achavam, sem favores.” Marca uma reunião como se a família fosse mais um cliente e a proposta é aprovada. Nasce a Adega Mayor.

E se Rita, desde esse momento, fica ligada ao universo dos vinhos, sobre os quais vai aprendendo on the job, Rui Miguel Nabeiro avança para a criação do sistema de máquinas e cápsulas Delta Q. “Sem dúvida, o projeto mais marcante, pela dimensão que ganhou”, reconhece. 

Com o avô, vão ambos aprendendo todos os dias. Conta Rui Miguel: “Ele tem sempre uma palavra sensata e a capacidade de mexer com as emoções das pessoas. Se alguém tem o objetivo de crescer 5% e cresce 20%, ele diz a essa pessoa para ter os pés assentes no chão. Mas se alguém tem o objetivo de crescer 5% e cresce só 1%, ele dá os parabéns, pede ânimo, motiva.”

Hoje, Rui Miguel Nabeiro é CEO do Grupo Nabeiro, Rita é CEO da Adega Mayor e administradora do Grupo, como o primo Ivan – e os três integram a Comissão Executiva do Grupo. O pai, João Manuel Nabeiro, preside ao Conselho de Administração.

Rita e Rui Miguel Nabeiro

E que tal umas férias pagas nas Canárias?

A Delta é já uma empresa de dimensão razoável quando, em 1981, Rui Nabeiro dá início a uma tradição que perdurará na memória dos seus colaboradores durante décadas: as excursões organizadas a destinos soalheiros e atrativos como a Madeira, Palma de Maiorca ou às Canárias, que recebe a comitiva campomaiorense no início da década de 1980. Emídio Caramelo, então um simples ajudante de camião – e, mais tarde, motorista particular de Rui Nabeiro –, lembra-se bem dessa viagem.

“Estava na tropa nessa altura e tive de pedir férias para poder ir. Tinha de aproveitar, não é? Na altura quem é que ia oito dias para as Canárias com tudo pago pela empresa?” E é assim mesmo que acontece: trocam-se os escudos por pesetas na Delta para as despesas adicionais, apanha-se um dos vários autocarros fretados até ao aeroporto e ala que é Cardoso até às águas temperadas do arquipélago espanhol. 

À frente da excursão, nem mais nem menos que o próprio Rui Nabeiro. “O senhor Rui ia sempre à frente, acompanhava-nos em tudo”, recorda Emídio. “Estava sempre por perto, a perguntar se estava tudo bem, ajudava a que também não houvesse cá bebedeiras nem nada, era tudo feito da melhor maneira”, acrescenta outro dos intervenientes, Adelino Cardoso. “O espírito de camaradagem, de empresa familiar, onde todos se conhecem e todos se ajudam, da administração aos empregados de armazém, é fomentado nestas ocasiões, abrilhantadas por diversos espectáculos organizados pelos próprios trabalhadores da Delta.

Os irmãos Ivan e Marcos

O ano de 1983 começa da melhor maneira para a família Nabeiro. Logo a 3 de janeiro nasce Ivan, filho de Helena, terceiro neto de Rui Nabeiro. Ivan Nabeiro licencia-se em Gestão de Empresas pela Universidade Lusíada e aos 24 anos entra para a Delta. Passa por todas as áreas, da fábrica à administração, e por diferentes departamentos, o que lhe proporciona a compreensão profunda do funcionamento de todas as peças da engrenagem. Faz formações de marketing e vendas, aprende tudo o que há para aprender sobre café no Brasil, e aproxima-se do avô, no dia a dia da empresa, para beber do seu carisma, ensinamentos e influência. Hoje é um dos administradores da empresa, e, tal como os primos Rita e Rui Miguel, voz ativa da nova geração, a quem caberá assegurar o legado de Rui Nabeiro.

O ano em que a Delta abre o seu primeiro departamento internacional, em Badajoz, é também um ano de crescimento para a família Nabeiro. A 1 de junho de 1986 nasce Marcos Nabeiro Tenório, filho de Helena, irmão de Ivan, neto de Rui Nabeiro.

Ao contrário do irmão e dos primos, Marcos não seguiu as pisadas profissionais do avô Rui – antes as do pai, o grande cavaleiro Joaquim Tenório “Bastinhas”, um dos nomes maiores da tauromaquia nacional, e as do avô paterno, Sebastião Tenório, um grande aficionado e apaixonado pela arte equestre.

Helena Nabeiro e Joaquim Tenório “Bastinhas” com Ivan Nabeiro e Marcos Nabeiro Tenório.

Emídio Caramelo, o fiel motorista

É um ano especial para Portugal. Em fevereiro, nasce Cristiano Ronaldo; em junho, é assinado o acordo de adesão à CEE; e, algures pelo meio, Emídio Caramelo torna-se motorista de Rui Nabeiro. 

Caramelo, campomaiorense de corpo e alma, começara na empresa em julho de 1978, como ajudante de camião. Percorrera as estradas e estradinhas do país a levar café aos armazenistas, 10 a 14 toneladas de produto divididos em sacos de 60 quilos, que não transportava apenas, também empilhava e desempilhava conforme necessário. “O Emídio era um dos melhores a fazer pilhas de sacos de café. Não havia fitas, faziam-se as pilhas em cima de uns estrados, aquilo tinha de ir completamente direito, ele era muito bom nisso, ia tudo direitinho”, reconhece Adelino Cardoso, responsável da torrefação. 

O talento não o safa do serviço militar, porém. Pouco tempo depois de regressar à casa-mãe, Rui Nabeiro propõe-lhe: “Em vez dos camiões, vens andar comigo. Experimentamos uma semana; se nos ambientarmos um ao outro, ficas.” 

Ambientaram-se depressa, pese a exigência do patrão. “O senhor Rui tem a sua forma de ser. Exige tanto dele como dos outros. No início, aconteceu combinarmos às oito da manhã, eu chegar 15 minutos adiantado e ele já ter saído com o carro às sete e meia. Tinha de o apanhar na paragem seguinte”, conta. “Hoje já sei que, quando combinamos a uma hora, na verdade é para nos encontrarmos 15 minutos antes.”

Numa das primeiras viagens, Rui Nabeiro pergunta a Emídio se não tem uma gravata. “Eu, gravatas, só na tropa”, recorda a rir-se. “Foi buscar uma ao quarto e fez-me o nó. Deu-me essa gravata e uma quantidade de outras, ao todo o senhor Rui há de me ter dado umas 50 gravatas.” As viagens fazem- -se em bom ritmo, várias vezes por semana, em bom ambiente. “Sempre falámos de tudo, o senhor Rui ia trabalhando, tratando de papelada, depois apareceram os telemóveis, também, então ele aproveitava para negociar com os brokers.”

Nos últimos anos as viagens foram em menor número. Mas Emídio Caramelo continuou a transportar Rui Nabeiro para onde quer que a sua presença fosse necessária. E a chegar sempre antes da hora combinada.

Emídio Caramelo com Rui e Alice Nabeiro durante uma visita ao Porto, nos anos 80.

1991-2000

A liderança no café e um museu, para mais tarde recordar

33 anos depois do nascimento, a Delta torna-se a marca líder de mercado em Portugal no segmento do café. E para celebrar, nada como mais uma inauguração, que acontece a 21 de dezembro de 1994. Nessa data, abre as portas o Museu do Café, uma ideia antiga de Rui Nabeiro, que fora, com a ajuda da mulher e dos filhos, acumulando um acervo assina- lável nesta matéria. 

Na Herdade das Argamassas, bem perto da fábrica da Novadelta, passa então a ser possível a qualquer visitante aprender mais não só sobre a origem do café, como a sua história e importância que teve no mundo, em Portugal, e especificamente em Campo Maior, com o devido destaque, também, para o percurso da própria Delta Cafés. Máquinas, moinhos, chávenas, a primeira bola de torra e o primeiro carro de distribuição do café são então apresentados ao público, que passa a poder ainda visitar uma estufa de cafeeiros e ficar a conhecer os meandros do contrabando do café na primeira metade do século XX, na zona da raia. E quase dez anos mais tarde, a 28 de março de 2014, o museu será integrado no novo Centro de Ciência do Café.

O senhor comendador 

Para a maioria das pessoas que contacta com ele de perto, Rui Nabeiro é o “senhor Rui”, tratado assim, de forma simples, carinhosa e respeitável. Não falta, porém, quem frequentemente acrescente à formulação o título “comendador”. É assim desde pelo menos 9 de junho de 1995, dia em que Rui Nabeiro recebe a primeira distinção do género, pelas mãos do então Presidente da República, e seu velho conhecido, Mário Soares. “Quando me telefonaram da Presidência da República, a perguntar se eu estaria disponível para receber uma comenda, que seria entregue pelo Presidente da República, fiquei felicíssimo”, lembra o visado. O seu mérito empresarial vale- -lhe, então, o grau de Comendador da Ordem Civil do Mérito Agrícola, Industrial e Comercial. E vale-lhe, sobretudo isso, o título – comendador – que ficará para sempre associado ao seu nome. Mais ainda porque, em 2006, receberá nova distinção do género, agora das mãos do Presidente Jorge Sampaio. Desta feita, o grau de Comendador da Ordem do Infante Dom Henrique. 

Duas vezes Comendador, mas com a humildade de sempre: “Lutei sempre para não ter estas honrarias, mas por ter uma posição, uma conquista pessoal. À medida que fui caminhando e que fui redesenhando a minha vida, as coisas foram aparecendo, foram os amigos que se foram lembrando de mim.”

Plantam-se as primeiras vinhas

Se o café é a vida de Rui Nabeiro, o vinho é uma paixão antiga, cuja memória remonta ao tempo dos seus avós.

“Eles eram pessoas do campo e tinham a sua talhazinha. Naquele tempo, toda a gente tinha e vivia um bocadinho a sua terra. Mas o vinho foi desaparecendo. E esta nossa terra teve sempre condições que muitas outras não tiveram.” 

O discurso não engana: ter as suas próprias vinhas era, para Rui Nabeiro, um sonho. Ou, como lhe chama, “um sonho de saudade”. Decidido a realizá-lo, põe as mãos na terra. Assim, em 1997, plantam-se as primeiras vinhas do futuro projeto Adega Mayor. Não são, no entanto, plantadas na Herdade das Argamassas, onde viria a nascer a adega desenhada por Siza Vieira, mas antes 15 quilómetros a sul, noutra propriedade, a Herdade da Godinha, junto à fábrica de toldos do Grupo. 

E porquê aí? Porque essa zona, localizada perto do rio Caia, que marca a fronteira entre Portugal e Espanha, guardava há muito a fama de ali se produzirem vinhos de excelente qualidade. Naqueles solos, de origem arenosa, plantam-se então 11 hectares de vinha, com castas caracte- rísticas do Alentejo: Aragonez, Trincadeira, Castelão e Alicante Bouschet, nos tintos, e, nos brancos, uma mistura de Roupeiro com Arinto. 

A restante vinha planta-se três anos depois, já na Herdade das Argamassas, e os primeiros vinhos surgem em 2002. Bem a tempo de concretizar o velho sonho de Rui Nabeiro.

A Expo98 e uma estátua

22 de Maio de 1998. Há uma enorme expectativa em torno da inauguração da Expo’98, um impressionante empreendimento que renova toda a zona oriental da cidade de Lisboa. À boleia das comemorações dos 500 anos dos Descobrimentos Portugueses, a Expo’98 tem como tema “O Futuro dos Oceanos” e concentra todas as atenções do país.

A Delta não podia deixar de estar presente: é seu o café oficial da Expo’98. Presente em 137 pontos espalhados por todo o recinto, a marca de Campo Maior serve mais de seis milhões de bicas ao longo dos quatro meses que dura o evento. É um momento fundamental para a marca, a fechar uma década de grande crescimento.

Mas 1998 traz mais motivos para celebrar. Em Campo Maior, no final da tarde de 15 de agosto, é descerrada na avenida da Liberdade a estátua de Rui Nabeiro, esculpida em bronze por Laureano Ribatua, uma homenagem que o povo quis prestar a um dos mais destacados filhos da terra. Representa um Rui Nabeiro tranquilo e disponível, e é precisamente dessa vontade de servir o próximo e de ajudar Campo Maior que Rui Nabeiro fala, emocionado, no momento da inauguração.

Um café por Timor Lorosae

Foi pelas três da manhã, numa noite de 1999, que Rui Nabeiro recebeu um telefonema de um amigo português a viver em Timor. “Ele pediu-me desculpa pela hora tardia, explicou-me que estava com Xanana Gusmão e que queriam saber se eu podia comprar o café que tinham. Disse-lhe que tinha primeiro de ver o café.” As amostras nunca chegariam em tempo útil e Rui Nabeiro sugeriu ir até lá vê-lo. “Ele perguntou-me, incrédulo, se eu era capaz disso. Respondi-lhe que a andar não seria capaz, mas de avião, talvez.”

Nessa viagem, Rui Nabeiro encontra um país simultaneamente em tumulto e euforia, depois de mais de duas décadas de ocupação indonésia. O empresário percorre Timor de lés a lés, muitas vezes na companhia de Xanana Gusmão, político e ativista independentista que acabava de ser libertado ao fim de sete anos de prisão política. Apesar da vontade de ajudar, Rui Nabeiro traz consigo pouco café para Portugal, devido às más condições em que os locais o mantinham. Nabeiro não havia de dar aos timorenses peixe, mas sim canas, para que pudessem pescar.

É enviada para Timor uma equipa para incentivar a ação das cooperativas e instituições locais, munindo-as de alguns equipamentos essenciais e do know-how necessário para produzir, armazenar e comercializar café de qualidade. A par deste esforço no terreno, que havia de prolongar-se durante os seis anos seguintes, surge no ano de 2000 a campanha “Um café por Timor”, que convida os portugueses a contribuírem diretamente para esta causa. Por cada pacote de Café Delta Timor vendido, a marca doa 50 escudos, que revertem para a construção de escolas no país. A resposta do público é inequívoca e a quantia arrecadada acaba por conseguir financiar a construção da Escola Primária Rui Nabeiro, em Fahité, no distrito de Liquiçá, e ainda permite reabilitar as escolas de Gleno, Leorema e Tibar.

A campanha de solidariedade é reconhe- cida mundialmente em 2003 pelo Social Accountability International, com o prémio Positive Community Impact. O café timorense, orgânico e de características únicas, consegue nos anos seguintes afirmar-se no mercado internacional – continuando a Delta a comprá-lo e comercializá-lo até aos dias de hoje.

2001-2020

No interior de uma paisagem bela e incólume”

É em dezembro de 2004 que o “projeto dos vinhos” começa a ganhar forma, com o convite feito ao arquiteto Siza Vieira para desenhar o espaço que seria inaugurado apenas três anos depois, em 2007. Na primeira adega de autor de Portugal, as linhas simples e depuradas do edifício misturam-se com a planície alentejana em que está inserido. O terreno em volta estende- -se ao longo de 350 hectares e, do topo do terraço panorâmico, consegue-se ter perspetiva desta imensidão. Além da vinha e do olival, veem-se a serra de Portalegre e ainda Espanha. “Não é fácil encontrar a oportunidade de construir no interior de uma paisagem bela e incólume”, diz Siza Vieira a respeito da Adega Mayor. “E é também uma enorme responsabilidade.” 

Em 2014, Siza é homenageado com um vinho de edição limitada e exclusiva, com rótulos desenhados por si. O Comendador Rui Nabeiro explica, à data, que se trata de um símbolo de amizade pelos “muitos anos a trabalhar juntos na obra da Adega Mayor”. Acrescenta ainda: “o arquiteto é uma pessoa extraordinária, que tem o seu capricho, como eu também tenho, mas soubemos sempre conversar e respeitar o capricho um do outro até nos tornarmos amigos”.

(O enorme) Coração Delta

Foi em jeito de homenagem a Rui Nabeiro que, ainda em 2002, um grupo de colaboradores da Delta criou Um Coração Chamado Delta. O projeto, que intervinha diretamente na comunidade através do voluntariado, lançou o mote para que, a 31 de janeiro de 2005, nascesse o Coração Delta.

Criado com o intuito de desenvolver projetos que respondam às necessidades da comunidade de Campo Maior, o Coração Delta – Associação de Solidariedade Social do Grupo Nabeiro – vai crescendo nos anos seguintes, e, como qualquer bom coração, expande-se para criar espaço para todos. As iniciativas chegam a crianças, adolescentes, jovens adultos e idosos.

A intervenção junto dos mais pequenos é feita através do Centro Educativo Alice Nabeiro (CEAN), fundado em 2007, que apoia atualmente 180 crianças, ajudando-as a materializar os seus sonhos. O trabalho começa na Sala Mágica (destinada aos alunos do pré-escolar) e estende-se ao Centro de Talentos (em regime ATL), sem esquecer o manual de empreendedorismo para crianças e educadores Ter Ideias para Mudar o Mundo (2008), implementado em escolas de norte a sul do país e reconhecido em 2013 como um projeto inovador pela União Europeia.

Soma-se o acompanhamento dado a jovens adultos através do Promove-te, um programa de cinco meses que impulsiona a valorização de competências e a entrada no mercado de trabalho. Há também serviços de apoio ao desenvolvimento de jovens com dificuldades acrescidas, contando com profissionais como terapeutas da fala ou psicólogos.

O Coração Delta trabalha ainda com idosos, através do programa Tempo Para Dar. Com intervenções ao domicílio, quebra-se a solidão e melhora-se a qualidade de vida de cada utente, adaptando as suas casas às necessidades, fazendo pequenas reparações ou dando apoios para medicamentos ou alimentação.

10 Passos para Chegar ao Topo”

“Não é quem é mais velho, nem quem tem mais equipamento, nem quem é mais bonito. No alpinismo, como na vida, só atinge o cume quem se esforça.” A lição é de João Garcia e lança o mote para 10 Passos para Chegar ao Topo, um livro escrito a quatro mãos, numa parceria entre João Garcia e Rui Nabeiro.

O convite surge da própria editora Caderno, que desafia o empresário alentejano a juntar-se ao alpinista lisboeta nesta aventura. “Para mim foi uma novidade, foi um desafio”, diz Rui Nabeiro ao Expresso. “Não tenho nenhuma preparação para escrever um livro. Limitei- -me a deitar para fora o meu carinho, a minha vontade e a minha experiência.”

Ao longo de 207 páginas, esta dupla improvável transmite ensinamentos e histórias práticas que dão a conhecer os 10 passos essenciais para se ser bem-sucedido – seja no alpinismo, seja nos negócios. E apesar das claras diferenças entre as áreas de especialidade, em nove dos dez pontos as perspetivas dos autores coincidem na perfeição, recaindo a divergência apenas no “peso” que se leva na “mochila”. João Garcia explica: “Sou apologista de que, numa expedição, tenho de aligeirar a minha logística, e este senhor ao meu lado tem a sua visão, muito humanista, de que o valor está nas pessoas, de que o capital humano é o seu melhor ativo.”

Apesar de ambos terem uma grande admiração pelo percurso um do outro, João Garcia e Rui Nabeiro não se conheciam antes de surgir este desafio conjunto por parte da editora Caderno.

Delta Q levanta pó e vence no Dakar

“Estou certo de que com esta equipa estaremos no caminho da vitória.” Quem o diz é Rui Nabeiro a 7 de outubro de 2011, dia em que a Delta Q apresenta oficialmente a equipa que há de levar ao Dakar 2012 – e com a qual alcança o lugar mais alto do pódio.

A apresentação tem lugar na Herdade das Argamassas, em Campo Maior, e deixa no ar, além de pó, muito entusiasmo. Tanto que até Ivan e Rui Miguel Nabeiro se equipam a rigor para umas voltas de pura adrenalina no Mini All4 Racing. Mas as exibições do dia são mesmo as dos pilotos Stéphane Peterhansel (francês), Ricardo Leal dos Santos (português) e Nani Roma (espanhol), apresentados como “altamente competitivos e ambiciosos” por Rui Miguel Nabeiro. 

O CEO da Delta Cafés acrescenta ainda que patrocinar a equipa X-Raid, “que fala português, mas é internacional”, é levar a marca mais longe e apostar na sua internacionalização. “Provavelmente será a primeira vez que uma marca portuguesa estará no pódio desta competição.” Assim acontece.

O Dakar decorre entre 1 e 15 de janeiro de 2012, na Argentina, no Chile e no Peru, e a Delta Q torna-se a primeira marca portuguesa a vencer a competição na qualidade de patrocinadora oficial da equipa X-Raid. O líder do trio, Stéphane Peterhansel, ocupa o primeiro lugar do pódio – enquanto Nani Roma fica em segundo e Ricardo Leal dos Santos em oitavo. Os resultados garantem exposição pública à Delta nos 190 países que acompanham a prova através da televisão.

A inauguração do Centro de Ciência do Café

É no dia do 83.º aniversário de Rui Nabeiro, a 28 de março de 2014, que o antigo Museu do Café dá lugar ao novo Centro de Ciência do Café (CCC), que demoraria apenas um ano até ser distinguido com o Prémio Museu Português, atribuído pela Associação Portuguesa de Museologia.

O novo Centro de Ciência do Café surge como uma unidade de interpretação, divulgação científica e tecnológica, e ainda promoção turística da Delta Cafés, com o objetivo assumido de se tornar uma referência nas áreas de desenvolvimento científico, tecnológico, educacional, turístico e cultural.

Situado na Herdade das Argamassas, o edifício tem uma área total de 3426 metros quadrados, divididos entre dois andares organizados em diferentes áreas de exposições, um auditório, uma loja e, como não podia deixar de ser, uma cafetaria. Os visitantes são convidados a percorrer a história, a cultura e a ciência do café, da planta à chávena, numa viagem interativa que dá a conhecer o acervo da Delta e o seu património cultural.

A Avenida Manuel Rui Nabeiro, em Badajoz

A 17 de novembro de 2016, a cidade espanhola de Badajoz homenageia o fundador da Delta inaugurando a “Avenida de Manuel Rui Nabeiro (28 de março de 1931), empresário ibérico”, como se lê na placa que identifica a via.

De acordo com a agência noticiosa espanhola EFE, além do contributo nas relações económicas e comerciais transfronteiriças, o “empresário português beneficiou Badajoz por ter decidido localizar a filial espanhola do grupo Cafés Delta nesta cidade”. Na cerimónia de inauguração, o autarca de Badajoz, Francisco Javier Fragoso, destacou o grande número de famílias das localidades portuguesas de Elvas e Campo Maior (distrito de Portalegre), assim como da cidade de Badajoz, que encontraram trabalho no grupo empresarial.

Neste sentido, a cidade espanhola de Badajoz decidiu dar o nome de Manuel Rui Nabeiro a uma das avenidas junto ao recinto onde se realiza a feira hispânico-portuguesa FEHISPOR. “O objetivo é que, quando os empresários vierem aos eventos, vejam o nome de um empresário que Badajoz considera daqui.” Já Rui Nabeiro, que assumiu sentir “orgulho” e “felicidade” pelo reconhecimento, disse na ocasião considerar-se em “dívida” para com a cidade espanhola, pelo que responderá “dia a dia” a esta homenagem.

2021-2023

A chave da cidade e um honoris causa

O Comendador Rui Nabeiro marcou Portugal com as suas qualidades humanas e empresariais, e o país agradeceu-lhe com distinções, prémios, louvores e homenagens. Ao grau de comendador atribuído em 1999, seguiu-se o Doutoramento Honoris Causa pela Universidade de Évora, em 2006. E se dúvidas houvesse quanto ao alcance do impacto de Rui Nabeiro, em 2009 o Rei de Espanha, Juan Carlos, clarificou-as concedendo-lhe uma das maiores distinções do país vizinho: a Comenda da Ordem de Isabel a Católica. Passados dois anos, foi nomeado cônsul honorário de Espanha em Elvas e agraciado com a Medalha da Extremadura.

A coleção de distinções continuou. Em 2021, no 90.º aniversário de Rui Nabeiro, a Câmara Municipal de Coimbra concedeu-lhe a Medalha da Cidade de Coimbra, a Câmara Municipal de Lisboa agraciou-o com a Medalha de Honra da Cidade de Lisboa e Vila Nova de Gaia entregou-lhe a Chave da Cidade. 

A 8 de junho de 2022 chegou a “mais elevada distinção por uma universidade portuguesa, destinada a cidadãos de indiscutível mérito profissional e de qualidades humanas que constituem uma referência inspiradora para toda a sociedade”. Foi o dia em que Rui Nabeiro recebeu o Doutoramento Honoris Causa pela Universidade de Coimbra. “O momento é de emoção. Revejo pessoas que marcaram a minha vida para sempre”, disse na ocasião, dirigindo palavras de gratidão aos seus pais, à família, amigos, conterrâneos e trabalhadores do grupo Delta. Esta distinção “foi um sonho” que nunca lhe “passou pela cabeça” desde a infância, na vila de Campo Maior, no Alto Alentejo.

O reitor da Universidade de Coimbra, Amílcar Falcão, atribuiu o Doutoramento Honoris Causa a Rui Nabeiro em 2020.

O Globo de Ouro

Quando, a 2 de outubro de 2022, o Coliseu dos Recreios se aperaltou para uma das galas mais mediáticas do ano – a XXVI Gala dos Globos de Ouro –, um dos destaques da noite acabou por ser o Prémio Mérito e Excelência atribuído a Rui Nabeiro.

O galardão foi entregue por Francisco Pinto Balsemão, que frisou o “espírito empreendedor, profissionalismo e dedicação ao próximo” do empresário, bem como a sua “verdadeira liderança, uma liderança que inspira aos 91 anos”.