Para os contrabandistas de Campo Maior não existiam fronteiras. Pela calada da noite lá iam eles, percorrendo os caminhos mais escuros, no emaranhado das silvas e dos choupos, atravessando até ribeiras e rios onde o caudal fosse menos fundo. “Muitos destes homens ainda estão vivos e têm um sem-fim de histórias incríveis para contar”, diz Carlos Pepê, dirigente da associação GEDA – Grupo de Ecologia e Desportos de Aventura, que tem feito por reavivar a memória dessa época organizando eventos desportivos e caminhadas pelas antigas rotas do contrabando. 

“Eles nunca percorriam os caminhos normais, iam sempre a direito. As passagens eram feitas em diferentes zonas da ribeira”, diz Carlos Pepê, num miradouro em Ouguela com vista para a planície. Era desta aldeia, a 10 quilómetros de Campo Maior, que os contrabandistas partiam mal a noite se pusesse. “Aquele pinhal ali? Já é Espanha. Aí atrás daquela charca também”, aponta.

A fronteira está apenas a três quilómetros, o que pode ser confirmado pelas sms das operadoras a informar dos tarifários de roaming. “Ali ao fundo, entre as árvores, havia um controlo fronteiriço espanhol, e nós tínhamos o nosso aqui em baixo. Os contrabandistas tentavam passar por essa zona sem serem apanhados. O trabalho era feito a cavalo e a pé, de noite. Era muito difícil apanhá-los. Conheciam todos os trilhos que lhes permitiam atravessar a fronteira incólumes.”

Já os passeios organizados por Carlos Pepê – que além de dirigir a GEDA, cujo propósito é promover a “ligação harmoniosa entre Homem e Natureza”, é ainda professor e coordenador pedagógico no Centro Educativo Alice Nabeiro – são feitos à luz do dia, sem outra carga às costas que não as das mochilas que levam a água e o lanche. Este pedestrianismo visa honrar o legado cultural e histórico do contrabando na região da forma mais saudável e ecológica possível: através de dois percursos que podem ser realizados a pé ou de BTT, mas sempre em grupo e com o apoio da associação.

 

Ponto de partida

Ouguela, Campo Maior

Como chegar

Siga pela N4 ou A6 até Elvas e entre na N373 para Campo Maior; uma vez lá, siga as indicações para Ouguela

Conselhos práticos

Aconselha-se roupa leve e confortável adaptada à época do ano. Leve água e um lanche.

Contacto

268 689 378

www.geda.pt

 

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Trilho do Contrabando: Os aventureiros da Raia”

Por caminhos velhos, atalhos, trilhos e por vezes a corta-mato, os contrabandistas levavam as mercadorias às costas durante horas a fio. Para homenagear aqueles a quem chama “aventureiros da Raia”, Carlos Pepê sugere uma rota que começa e termina em Ouguela. Nalguns troços, o percurso confunde-se com a própria linha da fronteira, atravessada pelo rio Xêvora.

Partindo da aldeia, passamos pela ribeira de Abrilongo e seguimos rumo ao Moinho dos Riscos, que fica no exato ponto em que o rio Xêvora cruza a linha de fronteira – que até está marcada na fachada do moinho, dividindo-o ao meio. Uma porta dá para Portugal, outra para Espanha. “O moleiro apanhava o café de um lado e passava-o para outro. A Guarda nada podia fazer porque o próprio moinho marcava a fronteira.” Descemos o rio e passamos pelo Pego das Canas a caminho de uma zona de estepe na raia, local privilegiado de observação da garça, do sisão, do grifo, do abutre negro, da abetarda e do grou. Seguimos agora pela ponte da ribeira de Abrilongo e visitamos a Capela de Nossa Senhora da Enxara. Já só falta a subida a Ouguela para terminar o percurso.

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“Rota dos Contrabandistas”

De acordo com relatos de antigos contrabandistas de café, este percurso reproduz com fidelidade os antigos trilhos que levavam os contrabandistas até à vila espanhola de Albuquerque. Deixando a aldeia de Ouguela para trás, entramos em Espanha pela planície depois de cruzar o rio Xêvora. É um percurso linear que nos leva pela zona de fronteira, por montes alentejanos e cortijos extremeños, a descobrir histórias do contrabando narradas por Carlos Pepê, que as conhece todas, e a compreender melhor a relação transfronteiriça de então entre as populações. 

Os quase 24 quilómetros do traçado atravessam uma paisagem de transição entre a planície alentejana e a serra de São Mamede (que se prolonga para Albuquerque). Uma paisagem de contrastes em muitos pontos marcada pelo rio, como no Moinho dos Riscos, atravessado pela fronteira. Já no lado espanhol, a Capela de Nossa Senhora de Carríon, de grande valor patrimonial, merece uma paragem antes da chegada a Albuquerque. Do alto das suas muralhas vemos o caminho realizado nas últimas horas, e descansamos finalmente. O regresso faz-se na carrinha da GEDA.