Há quem comece a saboreá-lo desde o momento em que ajeita o filtro, aquece a água, prepara a quantidade exata de café moído de fresco, verte a água e aguarda que o café coe para o bule da V60 ou Chemex (dois métodos de extração da gama Slow Coffee da Delta). Em tempos acelerados, às vezes é preciso abrandar um pouco, parar até, e apreciar o momento. O ato de beber café é um bom exemplo, mas não é o único. 

O ritual das plantas

Wandson Lisboa


Designer gráfico / Instagrammer

Wandson Lisboa enche as suas plantinhas de mimos, como uma avó a dar beijos repenicados aos seus netos. “Olha ela dançando”, exclama, enquanto ouvimos de fundo Mother Earths Plantasia, álbum de música eletrónica lançado em 1976 por Mort Garson, especificamente composto para deleite das plantas. “Sempre tive plantas em casa”, diz, lembrando as espadas de São Jorge que a mãe cuidava com especial zelo. “Ela pegava em cascas de ovo e encaixava-as nas pontas das folhas, para as nutrir”. Quando as cascas secavam, conta, pintava-as com várias cores e usava-as para decorar a árvore de Natal. 

A imaginação deste designer gráfico de 37 anos, que se tornou conhecido no Instagram em 2015, quando o Huffington Post o destacou como uma das contas mais criativas do mundo, já vem de família. Isso e o amor pelas plantas. É com elas que Wandson “namora” todos os dias, especialmente ao sábado e ao domingo de manhã, num ritual que o acalma. “Relaxo e esqueço tudo”, afirma, pegando num pano molhado para deixar as folhas da sua Beyoncé (a Monstera lá de casa) a brilhar. “Conversar com as plantas é o maior refúgio, porque estamos a conversar connosco mesmos. É uma forma de me sentir menos sozinho”, desabafa, ele que tem a sua família longe, no Maranhão. 

A dedicação estende-se à escolha dos vasos, à procura dos melhores substratos e até à literatura: Plantopedia está sempre à mão para tirar qualquer dúvida. Porém, para Wandson o mais importante é saber “comunicar com elas”: “Não ando maluco a regá-las todos os dias, elas têm a sua forma de dizer ‘lembra de mim’.” O diálogo está a correr às mil maravilhas. “A Beyoncé até deu um monte de filhos agora”. Se um amigo for lá a casa, é provável que leve um pezinho para si.

O ritual da cerâmica

Mar Michelle Häusler


Money & Purpose Coach

Não há e-mails por responder nem chamadas para atender quando Mar Michelle Häusler está com as mãos no barro. Trabalhar cerâmica pede minúcia, concentração e disponibilidade total, sobretudo quando a atividade é praticada apenas uma vez por semana, durante hora e meia. É o seu ritual. “Criei espaço na minha vida e mantenho-o religiosamente há dois anos”, diz a sino-alemã, há quatro anos a viver na Lapa, em Lisboa. 

É no estúdio da ceramista Sofia Magalhães, o Atelier das Madres, no bairro vizinho da Madragoa, que Mar se abstrai do trabalho e do tempo passado a olhar para os ecrãs com aulas privadas de cerâmica. “Faço coaching e workshops online em que ensino pessoas a relacionarem-se com o dinheiro, e sentia a falta de algo concreto”, diz. Por contraste, as peças que cria nas aulas são reais, no sentido de lhes poder tocar e as utilizar em casa. “A cerâmica funciona quase como terapia.”

Mar nasceu em Singapura e viveu em Londres, onde estudou economia e trabalhou na banca de investimento. “Entre 2007 e 2011, negociei títulos da dívida externa de países como Portugal e Espanha. A minha vida era como a das personagens de O Lobo de Wall Street, com todos os excessos.” Cinco anos na City fizeram-na mudar o paradigma e começar a viajar entre a Índia e o Brasil. Pelo meio conheceu o marido, mudaram-se para Lisboa e tiveram um filho, agora com dois anos e meio.

Tem dedicado as aulas de cerâmicas mais recentes a fazer um conjunto de chá. “No verão aprendi a cerimónia do chá chinês. Embora seja chinesa, nunca tinha pensado muito na minha herança cultural”, admite. Mas agora, não só cumpre a cerimónia do chá como a faz com loiças criadas por si. Um ritual alimenta o outro.

O ritual de escrever na passadeira

Ricardo Neves-Neves


Encenador, Dramaturgo e Ator

A passadeira do ginásio fez de Ricardo Neves-Neves dramaturgo. Como? Foram as endorfinas libertadas à medida que punha um pé à frente do outro que lhe deram as ideias para as peças que tem escrito. Habituou-se de tal maneira a andar enquanto ouve música – da pop dos anos 60 aos minimalistas – e a apontar no telemóvel diálogos e tópicos para vídeos, cenários e canções a usar, que já não o sabe fazer de outra maneira: “Se ficar sentado em frente ao computador, a imaginação bloqueia. Só edito textos e trato de burocracias.”

Se estiver fora de Lisboa, sem hipótese de ir ao ginásio onde paga mensalidade, caminha ao ar livre para escrever. Estranho? Nem por isso: “Já Kant dizia que andava a pé para filosofar melhor.” Não admira que o momento de viragem na carreira de Ricardo, que começou em Quarteira, no Algarve, de onde é natural, quando era miúdo, a representar num grupo amador (o que o empurrou para Lisboa, onde se formou na Escola Superior de Teatro e Cinema), tenha sido Mary Poppins, a mulher que salvou o mundo, o seu primeiro grande êxito, em 2012. “Escrevi-a inteirinha na passadeira.”

Antes dela, não conseguia ver-se como autor. Afinal, sempre quis ter uma companhia – e em 2008 fundou o Teatro do Eléctrico, estreando logo uma comédia de sua autoria, O Regresso de Natasha –, mas a sua formação era de ator: “Parecia-me presunçoso dizer que era dramaturgo ou, sequer, encenador.”

Hoje, aos 37 anos, dirigir espetáculos e escrever  é o que faz mais.

“Não entro nas peças porque costumo usar muitos elementos, desde fotos a vídeos, e só tenho acesso às salas muito em cima das estreias, portanto tenho de estar de fora, a verificar se tudo funciona.”

Mas tem saudades de representar: “Se me convidarem, vou.”

O ritual do journaling

Diana Laranjeira


Diretora de Marketing

Como muita gente, Diana Laranjeira deixou de distinguir a segunda-feira da terça – ou a terça da quarta – no início da pandemia. Em confinamento, sentia-se apática e os dias pareciam todos iguais. Foi nessa altura que viu um desafio no TikTok – “Isto é mais Geração Z do que Millennial”, diz Diana, 39 anos –, que propunha a repetição de sete hábitos diários durante 50 dias. Eram eles: fazer uma hora de exercício, dedicar uma hora a aprender uma coisa nova, ler dez páginas de um livro, meditar, praticar o autocuidado, acordar antes das 8h e journaling. Com base nisto, a diretora de marketing de uma agência de viagens criou a sua rotina diária, cumprindo até às 9h15 seis dos sete passos. Para o final do dia ficava a aprendizagem de uma língua, o coreano. O ritual dura até hoje.

Acorda pelas 8h e veste a roupa de treino. É na sala que faz alongamentos, seguidos de levantamento de pesos. “Começo pelo corpo porque me ajuda a despertar; se começasse pela meditação, voltava a dormir”, brinca. Depois usa uma app – Balance – que sugere exercícios de meditação e segue-se o journaling, que faz num iPad. É aqui que regista o sono, como se sente, especifica os gastos, escreve um objetivo para o dia e três prioridades. Não se trata de descrever o dia, como faria num diário, mas projetar ideias e refletir sobre elas – o que faz do journaling um elemento ativo ao invés de passivo. 

Só depois toma o pequeno-almoço, enquanto lê dez ou mais páginas de um livro, e inicia o momento de autocuidado, que termina pelas 9h15. Senta-se à secretária para trabalhar às 9h30. Esquematizar e definir objetivos não lhe traz ansiedade: “No journaling não ponho o que quero fazer, mas o que consigo fazer. A finalidade última é o meu bem-estar”, remata.

O ritual do banho de mar

Inês Leal da Costa


Gestora de projeto educativo

Começou pelo surf, porque antes de aprender a levantar-se em cima de uma prancha, a sua relação com o mar era puramente de praia e lazer, e apenas no verão. Mas com as primeiras aulas, em 2019, Inês Leal da Costa percebeu que era o mar, não a praia, que lhe dava alento. Deixou de depender da estação do ano para vestir o fato de banho e passou a precisar das ondas para colocar o fato de surf – com o mar parado, ou flat, não valia a pena sair de casa, por muito que quisesse entrar no mar. E ela queria.

“Quando as pessoas dizem que o surf é viciante, creio que, mais do que pelo desporto, é pelo contacto com este elemento da natureza que é a água salgada ”, conta Inês, 40 anos, que depressa percebeu que os mergulhos no mar – aliados à escapadela da cidade – lhe proporcionavam um grande bem-estar. “Há o sal, com as suas propriedades terapêuticas, e o facto de a água ser fria dá aquele choque: uma pessoa sai do mar rejuvenescida, com muito mais energia.”

Inês vem do mundo da banca. É formada em gestão, mas depois de oito anos a trabalhar na área internacional de um banco, onde foi infeliz, enveredou pelo empreendorismo ao ar livre. Hoje, faz a gestão de um projeto educativo na Tapada das Necessidades, a Tipi, que ajudou a fundar e que foi a primeira Forest School de Lisboa.

O mar começou a chamá-la. Não importava a altura do ano, se estava sol ou se chovia: em momentos de maior tensão ou quando resolvia um problema, Inês dava um mergulho. Passou a ser um ritual para um crescente número de situações: o Ano Novo, um aniversário, se está lua cheia, se está lua nova, um fechar de capítulo (“uma relação que termina”) ou a abertura de um novo ciclo (“um novo projeto profissional”). “Chamava-lhe  mergulho batismal. Saía do mar sempre mais leve, com a alma limpa.”

O ritual do café

Nuno Sousa


Psicanalista

Nuno Sousa toma o primeiro café em casa, de manhã, antes de ir para o consultório onde o psicanalista atende em média 12 pacientes por dia, entre segunda e quinta-feira (sexta começa o habitual fim de semana de três dias). O segundo – e último – é consumido depois do almoço, sentado na sua poltrona Charles Eames.

“Os dois são de filtro. Não é que não goste de café expresso, mas é mais… expresso.”

Quem se senta no seu divã ao início da tarde já não estranha os aromas que ficaram no ar. Dos grãos moídos na hora, depois de pesados numa escala de precisão. Do fervedor de água com controlo de temperatura. Da extração do café através de um dos muitos métodos de slow coffee – no consultório guarda uma V60 e uma Aeropress; já em casa, tem uma French Press, Chemex, Balão e uma miríade de acessórios que lhe permitem otimizar a preparação e a qualidade do café. 

Nuno, 38 anos, começou a beber café relativamente tarde. “Da primeira vez, nem sequer gostei”, recorda. Algumas noitadas de estudo, de quando cursava Engenharia Informática, levaram-no a abraçar a cafeína. Mas não chegou a acabar o curso. “Não me via a bater código o dia todo”, diz. Lembrou-se de que no ensino secundário tinha gostado de aprender sobre Freud, por isso mudou para Psicologia. 

O café já se tinha entranhado na sua vida, mas foi quando descobriu o slow coffee e as diferentes especialidades que passou realmente a apreciar a chávena – e o ritual. “Não é só o prazer sensorial, tenho uma relação com todo o processo”, diz. “Isto é uma tecnicalidade, mas geralmente os rituais estão mais em função de conter uma angústia do que explorar o prazer. Dão alívio, o que é algo diferente”, explica o psicólogo, que ambiciona começar uma plantação de café na ilha onde nasceu: o Pico, Açores.