A história é antiga e já foi contada inúmeras vezes: não existiria Delta sem Camelo, a empresa de cafés onde Manuel Rui Azinhais Nabeiro se iniciou neste negócio ao lado do seu tio Joaquim, homem que o inspirou para muito do que viria a construir nas décadas que se seguiram. Mas o que muitos desconhecem é que antes sequer de haver Camelo, fundada em 1937, já existia a (muito) menos conhecida Sociedade Dómúz Lda., que hoje não só também faz parte do Grupo Nabeiro como é a sua marca mais antiga.

E quem melhor para puxar a fita atrás que o próprio Rui Nabeiro, 89 anos de idade, apenas mais um do que a marca de licores que aqui nos traz. “A Dómúz pertencia a três sócios de Elvas. Um deles era o Francisco Silva Brás, com quem tinha muita ligação, porque ele era cambista.” Nessa época, como se sabe, muito do café que saía de Campo Maior ia para a vizinha Espanha, pelo que era preciso trocar as pesetas que lá se pagavam por escudos. Quando o fundador da Delta soube que a empresa do amigo estava em vias de passar de mãos, estendeu as suas. “Eles estavam um bocado saturados daquilo, mas a bebida tinha uma boa posição no mercado. Então comprámos.”

Estávamos em meados da década de 1960. “Investimos alguma coisa na Dómúz e começámos a produzir o dobro do que eles produziam”, recorda Rui Nabeiro. Parte importante desse investimento foi na promoção da bebida junto dos hotéis. “Estivemos em todas as grandes cidades de Portugal, em concursos de barmen, que era uma profissão que estava a aparecer nessa altura.” A bebida fez sucesso e ganhou ainda mais quota de mercado. 

Mas os tempos foram mudando e as necessidades do público também. Se antes não se entrava num bar ou restaurante onde não houvesse uma garrafa de Dómúz, hoje a realidade é outra. O licor de anis, o ex-líbris da marca, deixou de ser tão consumido. A amêndoa amarga idem. “Os espanhóis é que ainda bebem qualquer coisita”, diz Rui Nabeiro entre sorrisos. Mas abandonar a Dómúz está e sempre esteve fora de questão. “É uma marca pela qual temos muito carinho, e agora, com a entrada de uma pessoa nova, queremos dar-lhe mais força”, avança o fundador da Delta.

Essa pessoa é João Pedro Bagina, o atual responsável pela Dómúz. É ele que nos guia pelo edifício da Cafés Camelo, onde os licores continuam a ser produzidos e engarrafados em quatro variedades: anis, amêndoa amarga, mel de damas e café. O processo continua a ser muito semelhante ao que sempre foi: numa primeira misturadora é criado um xarope de água destilada localmente e açúcar, com uma percentagem variável, conforme o licor que se queira produzir. Depois, esse xarope é passado para uma segunda misturadora onde é introduzido o aroma em questão – o café, por exemplo, é feito com o que vem da Camelo – e finalmente o álcool. De seguida, é armazenado e controlado, para verificação do teor alcoólico e só depois engarrafado. “As garrafas são exclusivas para nós, é um modelo único”, alerta João Pedro. E são, de facto, únicas, com uma silhueta refinada e relevos bem definidos. “Já pensámos mudar de garrafa, mas, quando olhámos para as hipóteses, não gostámos de nenhuma”, confessa o responsável. 

Já o rótulo, foi alvo de um rebranding recente, que, ainda assim, pisca o olho à herança do passado. De resto, todo o processo manual, com seis pessoas dedicadas à produção dos licores, mantém-se como dantes: “O fator humano é muito importante para nós. Existe aqui uma componente grande de responsabilidade social.” E só isso vale um brinde – que venham mais 88 anos de Dómúz.