Uma farra é uma festa, ou melhor, é uma festa de arromba. Dizemos farra e pensamos em amigos, em boa comida, bebidas, música, um enorme divertimento. Mas, a partir de agora, FARRA significa também Festa da Arte em Rede da Região do Alentejo. A primeira edição aconteceu no verão de 2024 – e, segundo António Cachola, volta garantidamente, já em 2027.

Envolto numa camada de insuflável preto, o Paiol de Nossa Senhora da Conceição ficou irreconhecível. “Usamos geralmente os espaços em nosso benefício, temos tendência a pôr a obra dentro do espaço. Porque não fazer ao contrário?”, pergunta a artista plástica Sandra Baia. Com a sua instalação, “vestiu” o paiol, ocultando-o e tornando impossível o acesso ao seu interior. “Percebi que muitas pessoas não entram nos espaços para visitar as exposições, por isso propus uma obra para o exterior. As pessoas vão passear à capela e dão de caras com a obra.” Já Sofia Caetano optou por uma abordagem completamente diferente e criou “Um Coro para a Terra” no Paiol Redondo do Museu Militar: aí, os visitantes eram convidados a entrar, instalar-se confortavelmente num puff, desfrutar da música e do vídeo projetado no teto. 

 

Aconteceu durante a FARRA – Festa da Arte em Rede da Região do Alentejo, que se realizou em Elvas, de 28 de junho a 25 de agosto de 2024, espalhando obras de 30 coleções e instituições artísticas por toda a cidade. Para fazer chegar a arte às pessoas, mesmo aquelas que geralmente não costumam visitar museus e galerias, a FARRA ocupou pontos relevantes da cidade – como o Forte de Nossa Senhora da Graça, que é Património da Humanidade, a Biblioteca Municipal ou a Igreja da Ordem dos Terceiros –, mas também outros locais inesperados, como casas particulares, a escola primária, a sede do clube de futebol local ou um hotel. Procurou-se o cruzamento entre património histórico e arte contemporânea, e entre a arte e o quotidiano. Durante dois meses, quem andasse por Elvas não poderia escapar-lhe.

Tudo começou em 2022, quando se comemoraram os 15 anos do Museu de Arte Contemporânea de Elvas (MACE), conta António Cachola, responsável pela coleção que esteve na origem do museu. “Tínhamos vindo de uma pandemia e, depois, em fevereiro, começou a guerra. O aniversário era em julho, e sentimos que poderíamos e deveríamos comemorar os 15 anos, mas como tínhamos estado todos separados, por causa da covid, fazia sentido comemorarmos de uma forma especial. Pensámos que este era o momento para nos juntarmos, convidando outras coleções para virem para Elvas e, durante um mês, espalhá-las por espaços do património da cidade e celebrar com toda a população.” A experiência correu tão bem, que logo ali nasceu a ideia de repetir e expandir a iniciativa, explica o colecionador: “Toda a gente adorou, foi considerado o acontecimento do ano da arte contemporânea. Isso inspirou-nos e, dois anos depois, decidimos fazer a primeira edição da FARRA.”

Uma FARRA é uma festa, ou melhor, é uma festa de arromba. Dizemos FARRA e pensamos em amigos, em boa comida, bebidas, música, um enorme divertimento. Mas, a partir de agora, FARRA significa também Festa da Arte em Rede da Região do Alentejo. “Foi um nome muito bem escolhido”, considera António Cachola. “Estar em rede é o grande modelo que devemos ter”, diz. “Juntamo-nos a outros que têm os mesmos objetivos que nós, os mesmos problemas, os mesmos desafios, e juntos encontramos soluções.” Para esta FARRA, o museu de Elvas convidou instituições que fazem parte da sua rede de “afetos e parcerias”, e, além de coleções particulares de arte contemporânea e outras instituições não lucrativas, estendeu o convite também a coleções institucionais.

“O projeto não se limitou a ser um conjunto de exposições”, sublinha o colecionador. “Fizemos várias visitas guiadas, houve concertos e performances, sobretudo nos fins de semana de abertura e de encerramento, e tivemos dois projetos paralelos: no ‘Território Falante’ pusemos pessoas a falar das suas experiências culturais, em conversas que aconteceram no museu com um moderador e três convidados; e para os laboratórios de mediação desafiámos vários artistas, com peças nas exposições, a fazerem workshops. A ideia era aproximar os artistas e a população, mostrar que os artistas não são pessoas inacessíveis.”

“Toda a comunidade foi envolvida e tivemos milhares de visitantes, vindos de todo o país”, garante o colecionador. No total, foram apresentadas 30 exposições, todas com entrada gratuita. O Forte da Graça, por exemplo, recebeu obras de Joana Vasconcelos, Julião Sarmento e Rui Chafes, em três exposições: “Manuscrito Encontrado numa Garrafa” com peças da Coleção Norlinda e José Lima; “A Raia/La Raya” apresentada pela Córtex Frontal com a galeria Plato; e “Peças de um Puzzle”, com obras do MAAT – Fundação EDP. 

“Cedemos a nossa casa, o MACE, à Coleção de Arte Contemporânea do Estado, e apresentámos a nossa exposição na cisterna, que geralmente está fechada ao público”, conta António Cachola. Se no MACE se poderia ver obras de artistas tão distintos como Daniel Blaufuks, Gabriel Abrantes ou Lourdes Castro, para ocupar a cisterna foi convidada a artista Isabel Cordovil, que aí criou a instalação “Um lugar chamado sob”. 

Alfredo Volpi, Sofia Areal, Júlio Pomar e Sonia Delaunay são alguns dos artistas da Coleção Millennium BCP cujas obras estiveram expostas na Escola Superior de Biociências de Elvas. A Fundação PLMJ ocupou a sede do clube de futebol “O Elvas” e o MEIAC – Museo Extremeño e Iberoamericano de Arte Contemporaneo (de Badajoz) mostrou as suas obras na Casa da História Judaica. Isto para referir apenas alguns dos projetos que integraram esta festa da arte.

A farra acabou em agosto, mas não completamente. No espaço.arte, em Campo Maior, é possível visitar até 10 de novembro a exposição “Canção de Setembro”, dedicada às festas do povo daquela localidade. “Costuma-se dizer que as festas só acontecem quando o povo quer, mas acontecem sempre em setembro”, explica António Cachola. Nesta extensão da farra estão 18 obras da coleção do MACE que, de forma mais ou menos explícita, fazem alusão às festas ou aos materiais usados nas festas (como tintas, cola, pregos, cordas). Entre pinturas, esculturas e fotografias encontramos obras de Ana Vidigal, Francisco Trêpa, Pedro Barateiro, Susanne Themlitz, entre outros. 

E porque o balanço da primeira farra é muito positivo, a próxima edição está já marcada para o verão de 2027, quando, como diz António Cachola, “teremos muitos motivos para celebrar”: o MACE celebra 20 anos de atividade e, ao mesmo tempo, Évora será capital europeia da cultura.