Os portugueses são criativos, já se sabe, e muitos dos locais que servem café Delta apuram bem o atributo.

Comicala

Café, Setúbal. Abriu há 35 anos

Não é Come e Cala, está visto. É mesmo ComiCala – tudo junto, para não ser tão óbvio. Os atuais donos pegaram no estabelecimento em meados da década de 1980 e herdaram o nome. Infelizmente, esqueceram-se de perguntar a origem e hoje não podem explicar a quem passa como é que tudo começou. Uma coisa é certa: os clientes não precisam de se resignar ou aceitar tudo sem lamento. E também não há razões para isso. Mas alguns, mais assíduos, não se livram de ouvir o espirituoso comentário logo à entrada: “É servido, mas não tem direito a reclamar.”

O cu da mula

Adega, Golegã (Santarém). Abriu há 50 anos

Há muito, muito tempo existia neste local uma adega pegada a um curral de mulas. E um dia o dono da casa decidiu meter duas das mulas mesmo junto à pipa de onde tirava vinho para servir os trabalhadores do campo que ali chegavam. Mas de um dos animais parece que só se via a parte traseira. O resto já se imagina. De boca em boca, assim se batizou o espaço. 

A história corre gerações e há quem diga que tem mais de 150 anos. Hoje o Cu da Mula atrai pessoas de todos os lados e continua a ser reconhecida pelas especialidades de peixe frito.

O caldeirão da bruxa

Restaurante, Vila Chã (Vila do Conde). Abriu há dois anos

O dono da casa, que é belga e vive em Portugal há coisa de uma década, comprou uma vez o jornal da terra e leu um artigo sobre os atos místicos e bruxarias que muitos dizem ser comuns na zona de Vila Chã. O tema encanta qualquer um. Quando há menos de dois anos decidiu abriu um restaurante na terra que o acolheu, o empresário lembrou-se daquelas lendas e narrativas e batizou o espaço como Caldeirão da Bruxa – sendo certo que não há registo de algum caldeirão lá ter existido, apenas feiticeiras de poderes paranormais.

Kág-Lá-Niç

Restaurante, Boliqueime (Loulé). Abriu há 10 anos

A versão condensada de um “não tem importância”, ou “esquece, não te aborreças”, ganhou aqui uma transcrição graciosa, com acompanhamento de vogal sumida à moda do Algarve. A expressão usa-se muito na zona de Alvor, vestígio do tempo em que os pescadores, vindos do mar, comiam carapaus fritos nas tascas e diziam a quem os servia para ficar com o troco. Ora o fundador deste restaurante de Boliqueime, que nasceu em Setúbal mas cresceu em Alvor, pôs-lhe Kág-Lá-Niç em homenagem às memórias de infância. Mas o nome anterior também tinha charme: Rossio da Patã.

Mal cozinhado

Restaurante, Porto. Abriu há 43 anos

O edifício em pedra e madeira pertence ao século XIV, mas o restaurante foi buscar designação a épocas posteriores, mais concretamente a escritos de Luís de Camões. O poeta falava numa taberna, provavelmente em Santarém, a que chamava Mal Cozinhado e que até vem a aparecer no famoso filme biográfico que Leitão de Barros lhe dedicou na década de 1940. Como casa típica de fados, que ainda é, o Mal Cozinhado abriu em 1979, depois de um breve período como Távola Redonda. É um dos símbolos da Ribeira do Porto.

Nunca mais cá venho

Snack-bar, Setúbal. Abriu há três anos

Um cliente mais audaz, em dia de mágoas ou talvez a celebrar algum feito, senta-se ao balcão e pede uma cerveja. E depois outra e outra. Tantas são as cervejas que ele acaba numa discussão, a incomodar toda a gente. O dono do espaço não vai de modas e oferece-lhe a porta da rua. O cliente aceita, mas não sem antes marcar posição: “Se é assim, nunca mais cá venho.” Passou-se isto há poucos anos e a frase marcante acabou a dar nome ao snack-bar setubalense. Há quem diga que o episódio é verídico e que aquele que nunca mais lá voltaria, voltou mesmo.

Mijacão

Restaurante, Coimbra. Abriu há 40 anos

O estabelecimento dava os primeiros passos na década de 1930 e à porta, por algum motivo, constava uma caricata peça de barro a representar um cão de perna alçada. Acontece que os clientes da então taberna, uma entre tantas que Coimbra tinha, começaram a referir-se ao imóvel canídeo para assim diferenciarem aquela casa de todas as outras – “vamos ao estabelecimento onde mija o cão”. O animal esteve de plantão até aos anos 80 e deu de frosques precisamente quando a casa ganhou o nome atual. Resta um pequeno painel de azulejos a evocar memórias.

A tasca dos carecas

Café, Torres Vedras. Abriu há três anos

A casa pertencia à família do atual dono e era ele quem à época (nas últimas décadas do século passado) gostava de servir os clientes. Ele e um amigo, que, como é óbvio, tinham em comum a característica assumida e orgulhosa de serem carecas. Consta que eram funcionários populares, a ponto de os frequentadores se referirem ao sítio como a tasca dos carecas. E já que era esse o hábito, quando em 2019 foi preciso mudar o nome, a escolha foi mais do que certa. Outra curiosidade: as francesinhas do Porto são prato certo nesta tasca de Torres Vedras.

Paço 100 pressa

Restaurante, Covilhã. Abriu há cinco anos

João Paulo Fazenda de Almeida estudou gestão, fez carreira como diretor de vendas numa multinacional francesa e passou toda a vida profissional entre números, negociações e grandes responsabilidades. Mas no íntimo sonhava com um negócio de hotelaria na Covilhã e foi sem pressa que preparou o passo que haveria de dar quando fizesse mesmo sentido. Estava encontrado o nome, com o passo a transformar-se em paço. Consiste hoje não num, mas em três negócios: bed & breakfast, restaurante e wine bar, todos bem conhecidos na Beira Interior.

Estou no trabalho

Snack-bar, Parreira (Chamusca). Abriu há quatro anos

Já apareceu descrito na imprensa regional como o principal café da terra e até tem denominação de origem, que é como quem diz: foi batizado pelos clientes habituais, que são habitantes da aldeia. Sobretudo os homens, pensaram que seria excelente ideia terem um espaço chamado Estou no Trabalho, para que a perguntas curiosas sobre onde se encontravam eles pudessem afastar qualquer dúvida, respondendo apenas com a verdade. Numa vida anterior, a casa já primava pela originalidade: era conhecida por KomeseKá.