Quando se entra no restaurante Foodriders, em Lisboa, há alguém que nos recebe e indica a mesa ideal (ou possível), mas a partir daí estamos por nossa conta, entregues à bateria do telemóvel. Acedemos ao menu online e fazemos o pedido a partir da plataforma do restaurante. É logo depois do pedido que pagamos, na mesma plataforma, tal e qual como se estivéssemos no sofá, a pedir uma entrega em casa. E assim, as bebidas aparecem-nos na mesa, sem que as tenhamos verbalizado. Parece leitura de pensamento, mas é um sistema totalmente virtual de serviço no restaurante.

Este é o futuro da restauração feito presente, segundo os Foodriders: menos custos com o serviço, mais capacidade de num ápice mudar o negócio do restaurante físico para o delivery, foco na qualidade dos ingredientes. Assim, garantem, o que oferecem ao cliente é o lado bom da interação humana.

“Já não existe aquele pedido que vem errado e que nos irrita, nem comida que vai para o lixo.”

Ao contrário do que esta descrição faz prever, os Foodriders gostam de ver pessoas. “Desde o início, queríamos que nos vissem a trabalhar, essa ligação é importante, e gostamos de caos, de ver pessoas a passar”, diz Damian Irrizary, um dos donos. Esse início foi durante a pandemia, quando o anterior restaurante destes sócios, Pistola y Corazón, a taqueria mais afamada de Lisboa, fechou. Seguiu-se uma longa reflexão sobre os prós e contras do negócio de restauração.

A manter: o serviço, a música, a experiência do restaurante; a cortar, os custos com pessoal e os erros nos pedidos que levam de 5 a 10% de prejuízo por ano, segundo a experiência de Damian. A solução foi desenvolver uma plataforma digital de pedidos e pagamentos própria: não há papel, há poucos empregados de sala, apenas uma pessoa para receber os clientes e dar-lhes um breve contexto do que é o restaurante. Para os Foodriders, fazer conversa sobre a noite, o ambiente e a comida é a parte da interação humana que vale a pena, o lado bom de que não se pode desistir. “Já não existe aquele pedido que vem errado e que nos irrita, nem comida que vai para o lixo”, conta Damian, de raízes mexicanas que inspiram boa parte dos pratos.

Uma ementa muito arrumada

“O essencial era sermos adaptáveis”, resume Marta Fea, outra das sócias, lembrando o choque de 2020. “Neste momento, se vier outra pandemia, se tivermos de fechar, conseguimos rapidamente ficar só com o delivery”, continua. As entregas em casa foram, aliás, a forma como timidamente começaram por dar-se a conhecer – primeiro só com gringas, largas tortilhas mexicanas recheadas e dobradas; depois com hambúrgueres maioritariamente vegetarianos.

Cerca de um ano depois, o menu está maior e o espaço que antes funcionava como dark kitchen (cozinhas que apenas confecionam comida para entregas) é um restaurante onde os pratos da mesa de som trabalham tanto como os outros. O mais provável é ficar a abanar a cabeça ao som de uns remixes latinos enquanto faz scroll na ementa – e há muito por onde escolher, tudo organizadinho por pastas.

A marca mexicana está lá, inconfundível, no separador “Las Gringas”, com gringas, tacos e o obrigatório guacamole. No separador “Ameaça Vegetal” há hambúrgueres, batatas fritas, shakes ou cookies, todos com fotografias apetitosas e a garantia de não serem produtos de origem animal. Um tex-mex que se quer mais saudável, menos gorduroso e com opções para todos – clique-se em “Duro de Matar”, para mais tacos veganos e vegetarianos.

Ainda há alguma coisa a aperfeiçoar nesta plataforma, concordam Damien e Marta, mas o caminho está aberto para um serviço sem erros de comunicação e até com uma transparência adicional. Em alguns pratos já é possível ver quem são os fornecedores dos ingredientes – por norma, pequenos produtores de cultivo extensivo.

Jantar na cozinha ou na despensa?

A transparência que procuram para a plataforma digital – e para o negócio – foi uma das inspirações para o restaurante na Penha de França. Marta Fea fez o projeto que transformou uma antiga tasca na casa física dos Foodriders. Deitaram-se portas e paredes abaixo e não há armazém ou cozinha que fique oculto. Mais de metade da sala é cozinha, apenas vagamente separada das mesas altas onde se janta. 

“Normalmente os restaurantes são desenhados a pensar na sala. Nós fizemos este a pensar em quem trabalha”, diz Damian. À tarde, uma mão-cheia de pessoas trabalha à larga: um prepara o bar para a noite, outros têm panelões ao lume. Quando caem os pedidos das mesas do restaurante, do delivery ou do take away, a dança acelera – da entrada vemos isto tudo. 

Na sala ao lado, ficam as únicas duas mesas corridas que é possível reservar. É bem possível que, a meio da refeição entre por aqui um cozinheiro para deitar a mão a uma especiaria em falta. Esta é também a despensa: duas estantes de armazém estão repletas de frascos e caixas que, inesperadamente, até decoram. 

O chão ainda é o da velha tasca, a típica cerâmica a imitar granilite, com todas as manchas que já tinha e as que ainda estão para vir – é assim que vai ficar. “A ideia é sermos mais uma camada neste sítio, deixarmos a nossa marca”, justifica Marta. Um pouco como uma parede que começa com um rabisco grafitado e, passado pouco tempo, está cheia de arte urbana, tão confusa quanto fascinante.

“Neste momento, se vier outra pandemia, se tivermos de fechar, conseguimos rapidamente ficar só com o delivery.”

A comparação não é despropositada. Os Foodriders gostam de graffiti, de lettering, de design gráfico. É o que decora as paredes, o que pontua o seu site e as entregas – até o papel que embrulha os hambúrgueres é comissariado.

“Queríamos que o delivery fosse uma galeria de arte”, diz Marta, e logo a seguir Damian faz a pergunta retórica: “Se não for a cultura, o que é que vale a pena? Isto é um sítio para as coisas de que gostamos, a música, arte.” E vai mais longe: “Pagar uma refeição é das poucas transações que se fazem com um sorriso”. Aqui, sempre com o telemóvel.