Na segunda ilha mais populosa dos Açores, come-se, bebe-se e celebra-se a vida como em poucos lugares do mundo. Não tem as lagoas de São Miguel, as fajãs de São Jorge ou as cascatas das Flores, mas não lhe faltam outras qualidades nem o tamanho ideal para descobrir num fim de semana grande.

Angra do Heroísmo

Começamos este périplo por um local incontornável: a cidade mais importante da ilha, capital de Portugal por duas vezes, em 1580 e 1830. Património Mundial da UNESCO, o centro de Angra do Heroísmo foi reconstruído após o terrível sismo de 1 de janeiro de 1980. Exemplarmente reconstruído, diga-se, e ainda mais bem mantido: vale a pena passear a pé por esta cidade limpa, pisando as calçadas onde o basalto é predominante e com os olhos nas fachadas que misturam branco e cores garridas nos vãos de portas e janelas. A melhor vista da cidade obtém-se a partir do vizinho Monte Brasil, formado por uma erupção vulcânica submarina, e que hoje é uma Reserva Natural onde é possível passear, fazer piqueniques, observar fauna, flora e, claro, Angra do Heroísmo em toda a sua extensão e beleza. Pelo meio, não se perca a doçaria da histórica Pastelaria O Forno, onde Ana Maria Costa é a guardiã das receitas mais açucaradas da ilha, como as famosas queijadas Dona Amélia ou os pudins Conde da Praia, nem os mergulhos na Zona Balnear da Silveira, onde o mar é límpido e convidativo: a temperatura da água em outubro costuma rondar os 23º C. E para refeições que fazem jus à fama da Terceira na matéria ficam duas sugestões: para petiscos partilháveis, Tasca das Tias, mesmo no centro da cidade, e para comida substancial, feita no forno de lenha, a justamente famosa Taberna Roberto, junto ao Hospital do Espírito Santo.

Costa Ocidental

Saindo de Angra do Heroísmo em direção a oeste, a primeira paragem obrigatória é a castiça vila piscatória de São Mateus. Aqui encontra-se um dos ícones da restauração terceirense, o Beira-Mar, que – como o nome deixa adivinhar – é especialista em peixe e marisco fresquíssimos. As filas à porta não enganam: o produto é ótimo e a cozinha trata-o à altura. Seguindo a estrada principal, que contorna a ilha, a próxima paragem é nas Cinco Ribeiras, onde se encontram umas bonitas piscinas naturais, com vista para as ilhas de São Jorge e do Pico, e a fábrica do queijo mais antigo da ilha, o Queijo Vaquinha. No bar contíguo é possível prová-lo, acompanhado de bolo lêvedo e um copo de vinho local. É também nesta zona que se encontra um dos projetos de alojamento mais interessantes da Terceira: o Pico da Vigia. Parece, à primeira vista, uma aldeia antiga; mas, na verdade, as seis casas que ali existem foram construídas de raiz na encosta de um pico onde existia um posto de vigia da baleia – assim que era avistada, disparava-se um foguete para avisar os baleeiros. Bruno Gonçalves, o responsável, chegou à ilha em 1998; e, quando encontrou este cantinho, apaixonou-se de imediato. E não falta quem, como ele, se apaixone. “Tenho clientes que chegam cá vindos de um lado da ilha e só veem o resto no caminho para o aeroporto”, diz. Esses clientes dificilmente provarão a belíssima alcatra do Ti Chôa, ou farão uma incursão ao interior da ilha, para percorrer um dos seus trilhos mais bonitos, o dos Mistérios Negros, que passa por lagoas, vegetação endémica e pela rocha vulcânica que lhe dá nome, antes de terminar no meio de uma floresta de criptomérias.

Biscoitos

O nome está longe de remeter, à primeira audição, para o significado que aqui lhe atribuem. Biscoitos, na Terceira, são as rochas negras formadas pelo contacto da lava com a água do mar e que na Costa Norte da ilha ajudam a compor um cenário idílico junto às famosas Piscinas Naturais da freguesia homónima. No verão, este costuma ser um local muitíssimo concorrido para mergulhos refrescantes, que podem ser alternados com os petiscos servidos nas barraquinhas à entrada da zona balnear. Mas Biscoitos não é apenas zona de banhos, antes também de vinhos. É aqui que se produz o famoso Verdelho terceirense e a paisagem não engana, já que é pintada por inúmeras vinhas delimitadas pelas curraletas, os muros típicos feitos de pedra vulcânica.

O Museu do Vinho é o lugar ideal para ficar a saber mais sobre esta produção tão antiga e específica. Muito perto, encontra-se um dos Impérios do Divino Espírito Santo que existem espalhados pela Terceira. São pequenos templos com uma arquitetura muito característica, dedicados ao Espírito Santo, divindade cujas festas em sua honra – 50 dias depois do domingo de Páscoa – são um dos momentos altos do ano terceirense. Outro desses Impérios está em Altares, freguesia vizinha onde também mora um dos melhores restaurantes da ilha, o Caneta, muito conhecido por uma sobremesa deliciosa, o doce de vinagre. Um dia cheio como este pede uma noite de sono descansada, longe de quaisquer ruídos, numa das cabanas de madeira do Caparica Ecolodge, um projeto de turismo sustentável e minimalista, onde o respeito pela natureza é o mandamento principal.

Praia da Vitória

A segunda cidade da ilha Terceira começou por chamar-se apenas Praia – e não falta quem se refira a ela desta forma, seja por tradição ou economia de palavras. Tornou-se Praia da Vitória por ter sido palco, em 1829, da batalha que deu a vitória aos liberais sobre os absolutistas.

O centro histórico está bem cuidado, o paredão convida a passeios e as praias a mergulhos – tanto a Grande, que acompanha a marginal, como a Prainha, junto à marina. Existem diversas vistas elevadas sobre a cidade, sendo que a do Miradouro da Serra do Cume junta-lhe uma belíssima panorâmica sobre os campos verdes circundantes. Volta e meia, ainda se veem e ouvem aviões militares americanos a rasgar o céu, apesar da enorme redução de contingente na Base das Lajes, vizinha de um dos melhores restaurantes da zona para comer peixe, o Sabores do Atlântico, cujos proprietários são donos da peixaria do mercado local e onde o molho da casa – manteiga, com massa de malagueta e alho – torna tudo (ainda) mais saboroso. Também é por estes lados que Avelino Ormonde dá uso aos seus conhecimentos de agricultura biológica, que começou por aprender com os americanos, já lá vão 30 anos. A sua Biofontinhas produz de tudo um pouco – sempre nas devidas épocas, claro – e com o foco na ecologia e respeito pela natureza. Usam uma mistura dos desperdícios prensados com citrinos e água para pulverizar as culturas e evitar as pragas, por exemplo, e procuram praticar a agrofloresta, ou seja, ter árvores que se complementam, como o castanheiro e a bananeira.

A viagem pode terminar no coração da ilha, a 20 minutos da Praia da Vitória, no Algar do Carvão, um dos raros cones vulcânicos em todo o mundo onde é possível entrar e, consequentemente, ficar de boca aberta perante o cenário que ali se apresenta. Só vendo, mesmo, porque não há palavras que lhe façam justiça.