Eis um livro que se lê como um romance, embora não contenha uma única vírgula de ficção. E apesar de estruturado como um manual de gestão, tampouco o é. Em 262 páginas, O Legado do Meu Avô – Lições de liderança e gestão entrelaça episódios pessoais e profissionais em que Rui Miguel Nabeiro revela o que aprendeu com o seu avô, o comendador Rui Nabeiro, e demonstra como esses princípios continuam a ser aplicados hoje num mundo em constante transformação. O livro, com o selo da Ideias de Ler, chancela da Porto Editora, vê a luz numa data simbólica: 28 de março, aniversário do senhor Rui, como era carinhosamente tratado.
É um livro de memórias. Mais precisamente, as memórias de quem, durante duas décadas, acompanhou de perto o fundador da empresa – e que revelam um neto que manteve os olhos e ouvidos bem abertos, disponível para absorver os ensinamentos de quem deixou uma marca inquestionável na forma de conduzir negócios com ética e excelência.
“A memória do meu avô funde-se com a história da Delta. Juntos, estes dois patrimónios representam o nosso maior valor. Como neto e aprendiz do seu trabalho, partilho nas páginas deste livro a forma singular como ele construiu e desenvolveu conceitos de liderança e gestão, com base no seu conhecimento empírico, na sua capacidade de trabalho e, sobretudo, na sua inteligência emocional.”
Rui Miguel Nabeiro e Rui Nabeiro, neto e avô, com os proprietários do Café-Restaurante Martinho da Arcada, António Marcos de Sousa e Maria Adília de Sousa, durante um almoço de celebração do 223.° aniversário daquele espaço, em 2005.
O primeiro dia do resto da sua vida
Rui Miguel Nabeiro, licenciado em Gestão, começou a trabalhar na empresa a 8 de setembro de 2003, depois de uma temporada fora de Portugal, onde aprofundou os seus conhecimentos na área do café e ganhou experiência internacional. “Após anos de convivência e aprendizagens ao lado do meu avô, o momento de ingressar na Delta tornou-se inevitável e profundamente significativo. Não se tratava apenas de uma continuidade profissional, mas de um marco onde os valores e os ensinamentos, que sempre admirei, ganhariam um novo sentido na prática do dia a dia”, recorda. “Naquele dia, fortalecemos a nossa relação, criámos memórias e cimentámos um vínculo único entre avô e neto. Esperavam-nos o meu pai e os colaboradores do departamento de marketing da Delta, em Campo Maior.”
Durante dois anos, dividiu-se entre o departamento de marketing e a área industrial. Até que, numa reunião, quando Rui Nabeiro comentou que o diretor comercial do departamento de Lisboa saíra e a incerteza sobre quem o substituiria, Rui Miguel, sem hesitar, lhe disse: “Escolhe-me a mim.” A ideia não foi logo bem recebida. Rui Nabeiro preferia ter o neto por perto, a trabalhar diretamente consigo, no terreno, em vez de assumir um cargo de liderança em Lisboa. “Senti, tal como ele outrora, a necessidade de voar, mas, sobretudo, de voar sem as ‘asas protetoras’ da família (…). E embora soubesse que iria errar, também sabia que iria aprender. Aquele momento foi uma verdadeira provação. Sabia que, por ser neto de quem era, teria de fazer muito mais do que outros para provar o meu próprio valor e para que o meu trabalho fosse reconhecido e respeitado. Tomei essa decisão com consciência, e não só o meu avô a aceitou, como também reconheceu a minha ambição e a forte vontade de contribuir para o sucesso da empresa, sempre de forma alinhada com as suas expectativas, tanto como avô quanto como líder.”
Episódios biográficos como esse pontuam as páginas de O Legado do Meu Avô – Lições de liderança e gestão, onde, em cada um dos dez capítulos, Rui Miguel Nabeiro partilha uma parte do legado e o modo como ele inspirou todos à sua volta. Cada capítulo começa com uma nota de abertura assinada por personalidades como António Costa (“Capítulo IV – Ambição: a força vital”), Paulo Portas (“Capítulo III – A visão é o destino”) e Francisco Pinto Balsemão (“Capítulo X – Empresa-família”). Pertence ao primo Ivan Nabeiro, administrador executivo do grupo com responsabilidade sobre as áreas de serviços e indústria em Campo Maior, a nota de abertura do “Capítulo II – Proximidade: construindo relações sólidas e duradouras”, e à irmã, Rita Nabeiro, também administradora executiva do grupo e CEO da Adega Mayor, a nota de abertura do “Capítulo VI – Propósito: a essência das organizações”. O prefácio é da autoria do pai, João Manuel Nabeiro.
Após as respetivas notas de abertura, segue-se um texto introdutório. Cada capítulo está organizado em subcapítulos. Dentro destes, a informação surge muitas vezes de forma estruturada e numerada, com conselhos diretos e “calls to action”. Pequenas caixas em fundo cinzento destacam-se no corpo do texto, contendo uma reflexão referente às páginas que as antecedem. Em “O cliente é um amigo”, o livro coloca a seguinte questão: “Como posso garantir que a minha abordagem de liderança coloca o cliente no centro de todas as decisões, promovendo relações duradouras e de confiança, e indo além da transação comercial?”. E cada capítulo encerra com uma síntese em formato “bullet point”, uma revisão da matéria que, de forma direta ou indireta, aborda a reflexão anterior.
Esse estilo, quase de livro de gestão, convive lado a lado – ou página a página, melhor dizendo – com pequenas histórias e episódios pessoais que Rui Miguel Nabeiro partilha sobre o seu avô e que demonstram, partindo de uma perspetiva única, a sua maneira de pensar e de operar. Por exemplo, como Rui Nabeiro, “um verdadeiro mestre da inteligência emocional”, liderava as reuniões de vendas que durante muitos anos aconteciam quinzenalmente em Campo Maior com a equipa comercial. “Tinha sempre uma palavra sensata e uma capacidade extraordinária para ‘tocar’ nas emoções das pessoas. Nessas reuniões, se alguém tivesse como meta crescer 5% e conseguisse atingir 20%, o meu avô aconselhava-o a manter os ‘pés assentes no chão’. Por outro lado, se alguém tivesse a meta de crescer 5%, mas apenas tivesse alcançado 1%, ele, de forma absolutamente genial, motivava-o a fazer melhor da próxima vez.”
“Nos dez capítulos que compõem este livro, procurei partilhar a essência de Rui Nabeiro enquanto líder eficaz e respeitado, desde a sua visão estratégica para o crescimento da empresa até à forma genuína como inspirava e motivava as equipas.” Rui Miguel Nabeiro
Visão e ambição para alcançar o top 10
Rui Miguel Nabeiro costuma dizer que a Delta nasceu de uma visão, da crença e da perseverança do seu avô, que ambicionou ir sempre mais além. Foi assim em 1961, quando adquiriu uma bola de torra usada e criou a Delta. Ou em 1975, quando rumou a Angola – numa altura em que a maioria dos portugueses ia no sentido oposto – consciente da dependência que o mercado nacional tinha da produção angolana de café. “Quando os outros iam, já eu vinha de regresso”, dizia.
“Mas essa visão do meu avô nunca se limitou a Campo Maior ou a Portugal. Desde cedo, o seu olhar estava fixo no horizonte, numa perspetiva que transcendia fronteiras e que buscava sempre novas oportunidades de crescimento”, escreve Rui Miguel Nabeiro. Na década de 1980, essa visão materializou-se com os primeiros passos na internacionalização, através da criação da Novadelta Espanha. “Este movimento inicial foi o reflexo da sua crença no futuro da Delta e na capacidade de levar o café português a novos mercados.”
E não se ficou por aí. A expansão para França e Luxemburgo foi mais uma prova da sua capacidade de antever o potencial de mercados onde a qualidade e os valores da marca Delta poderiam ser reconhecidos e apreciados. “Estes valores, que sempre guiaram a sua liderança – qualidade, proximidade e humanidade –, foram determinantes para construir relações fortes com os consumidores além-fronteiras.” Mas a verdadeira prova da sua visão estratégica surgiu com a entrada na Suíça. “O país da maior empresa de cafés do mundo poderia ser visto por muitos como um território proibido, uma fortaleza intransponível”, lembra.
“Confesso que, na altura, não partilhava da sua convicção. Questionava se fazia sentido entrar num mercado tão dominado por gigantes. Mas a visão do meu avô não se deixava limitar por receios ou obstáculos.”
Já a visão de Rui Miguel Nabeiro – responsável pela criação da marca Delta Q, que posicionou a empresa de Campo Maior no consumo de café em casa – para o futuro é muito clara e ambiciosa. Já antes o afirmou publicamente, e reafirma-o agora no livro: o objetivo é “alcançar o Top 10 mundial das empresas de café”. E acrescenta: “Todos na empresa sabem o que é necessário fazer para atingirmos essa meta e em que momento se espera alcançá-la. Com uma visão bem definida e estratégias claras, foi possível transformar esse objetivo numa realidade tangível.” Alcançar o Top 10 mundial significaria consolidar a Delta Cafés como uma das principais marcas de café do mundo. É esta a sua visão: “Conquistar o mundo e garantir o lugar da Delta na indústria global do café, levando o sabor e a tradição do café português a todos os pontos do globo.”
A colaboração entre a Delta e Philippe Starck – no design da primeira máquina de café doméstica com o inovador sistema RISE – espelha a visão e ambição que Rui Nabeiro incutiu na empresa desde o primeiro momento, o seu legado.
O especialista intuitivo
Neste livro, Rui Miguel Nabeiro alia a gestão intuitiva do avô a uma sólida base académica, tal como tem feito ao longo da carreira. “Enquanto estudante, identifiquei que as suas práticas de gestão não só refletiam, como também incorporavam, muitas das teorias desenvolvidas por especialistas em gestão.” De facto, das histórias partilhadas no livro, muitas são analisadas segundo o prisma de especialistas na área de gestão, como Philip Kotler, Michael Porter e Walter Isaacson, que demonstram como a experiência prática e o conhecimento teórico se complementam.
“O desenvolvimento de uma abordagem estratégica num ambiente empresarial dinâmico era uma capacidade que o meu avô explorava na perfeição, percebendo as tendências do mercado e adaptando-se habilmente, sem receio da mudança. Ao refletir sobre as semelhanças entre estas práticas de gestão e as teorias e conceitos estudados na academia, constatei que existia uma harmonização perfeita. Pontos em que a prática e a experiência de vida do meu avô se alinham extraordinariamente com os princípios académicos contribuíram, indubitavelmente, para uma compreensão mais rica e abrangente sobre gestão. Os estudos ajudaram-me igualmente a desenvolver a minha capacidade crítica, o pensamento livre e a inovação, características que também fazem parte da gestão visionária do meu avô.”
Excertos de discursos, mensagens enviadas por Rui Nabeiro aos colaboradores do universo do Grupo Nabeiro e muitas fotografias de arquivo enriquecem o conteúdo de O Legado do Meu Avô – Lições de liderança e gestão. O livro desvenda o modelo de gestão de Rui Nabeiro, centrado nas pessoas e nas relações. Da atenção ao cliente à proximidade com os colaboradores, passando pela aposta na inovação e no desenvolvimento sustentável, a obra revela como estes valores se tornaram pilares do sucesso da Delta. Nas palavras de Rui Miguel Nabeiro: “Espero que estas páginas inspirem todos aqueles que acreditam que é possível liderar com ética, integridade e propósito, e que o seu exemplo possa ser um guia para outros.”