Família Martins – Tasca do Joel
Ir a Peniche e não comer na Tasca do Joel pode não ser como ir a Roma e não ver o Papa. Mas só por pouco. Se há instituição gastronómica na vila piscatória é o restaurante da família Martins: outrora minúsculo, hoje amplo; outrora poiso de pescadores locais, hoje aberto a todos os que queiram provar tudo o que sai da enorme cozinha, à vista de todos, a menina dos olhos do Joel que dá nome à casa. Joel Martins chama-se, oficialmente, Jael Martins. Quem explica a dupla identidade é a mãe, Celeste, com o poder de síntese de quem recorda o episódio frequentemente:
“Quando ele nasceu, estávamos emigrados na Alemanha e foi registado como Helmut. Ao voltar para Portugal, foi preciso mudar o nome. Deram-nos uma lista: eu vi lá Jael, só que achei que era Joel, que havia um erro, e escolhi esse nome. Mas quando veio a certidão, era mesmo Jael. Olha, ficou assim.”
Joel sorri, é mais uma história entre muitas que a família tem para contar.
Cresceu no espaço que começou por ser apenas um pequeno armazém onde o seu pai, Joaquim, que era padeiro, cozia o pão no forno a lenha e recebia pescadores. Estes traziam o seu quinhão – a parte do pescado que lhes era atribuída –, Joaquim assava-o e vendia-lhes vinho e pão para acompanhar. O movimento começou a aumentar, outros grupos a aparecer e foi aí que Joel pediu ao pai: “Deixe-me abrir isto como restaurante”. O pai acedeu. No início, na Tasca do Joel serviam-se apenas três pratos: frango, entrecosto e bacalhau. Mas só do bom. “Tive a sorte de conhecer o Dr. Guedes Vaz, que na altura trabalhava na Reguladora do Bacalhau e prometeu meter cá o melhor produto que existia”, recorda Joel. Prometeu e cumpriu: ainda hoje ali se gastam 10 toneladas ao ano de bacalhau premium.
Ajudado pelo pai no controlo das operações e pela mãe na pastelaria, Joel foi vendo a sua Tasca crescer a pouco e pouco. Surgiam cada vez mais clientes. Mais grupos. Mais festas. “Batizados, escolas, empresas, houve uma altura em que começou tudo a vir para aqui.”
O grande salto, porém, deu-se em 1998, quando um artigo na revista Grande Reportagem menciona o restaurante. À porta aparecem novos clientes e na ementa novos pratos: o pato estufado e a cabidela passam a fazer parte dos bestsellers. É nesta altura que começa a vir muita gente de fora de Peniche”, refere Joel. E o peixe? “
“Diziam-me que eu devia ter peixe. Mas já havia tantos restaurantes a fazer isso em Peniche… eu queria ser diferente dos outros.”
Continuou a ser, mesmo depois de ceder à vontade desses clientes. Começou a trabalhar alguns peixes, poucos, das águas locais: cantaril, peixe-galo, rodovalho, lula e robalo. Em 2018, o restaurante renasceu. Em três meses foi tudo abaixo e de novo acima, com uma cozinha nova, ampla, aberta para a sala, de que Joel não esconde o orgulho. Nessa altura, pôs na carta alguns pratos que, até aí, eram só para amigos e conhecedores que os pediam, como as massadas ou o sequinho de peixe, uma receita muito típica dos pescadores locais.
Em 2018, o restaurante renasceu. Em três meses foi tudo abaixo e de novo acima, com uma cozinha nova, ampla, aberta para a sala, de que Joel não esconde o orgulho.
Hoje, o rebuliço é constante. Casa cheia dia sim dia sim. O pai Joaquim, aos 77 anos, continua a ser o primeiro a chegar todos os dias. “Venho cá dar um jeito nisto, pôr tudo a andar”, diz com uma energia assinalável. A mãe Celeste passou o testemunho à nora, Maria Marques, na pastelaria. Mas as receitas continuam a ser as de sempre, incluindo o Doce à Joel, que a mãe lhe fazia aos domingos com as maçãs reineta que apanhava na quinta. Mais familiar do que isto é impossível.
Família Cardoso – Solar dos Presuntos
O ano da revolução de Abril é duplamente memorável para Evaristo e Maria da Graça Cardoso: foi também em 1974, mas a 30 de outubro, que este casal de minhotos abriu aquele que viria a tornar-se um dos mais afamados restaurantes de Lisboa, quiçá do país, o Solar dos Presuntos.
O nome já existia. Era o de uma humilde taberna de vinho a copo e presunto à fatia – como tantas outras que existiam na cidade naqueles tempos – que ocupava o número 150 da Rua das Portas de Santo Antão. Evaristo, que fizera carreira em reputadas cervejarias da Baixa, as hoje defuntas Solmar e Berlenga, arranjou um fiador para o trespasse, tomou conta do espaço e, com a mulher Maria da Graça, elevou a fasquia: na vitrina, mandou pôr um letreiro onde ainda hoje se lê “alta cozinha de Monção”, a terra natal de ambos. De taberna, o Solar dos Presuntos passou a restaurante. O vinho continuou a sair a copo, mas também à garrafa. A cozinha passou a servir, mais do que apenas pratos de presunto, doses generosas de comida de conforto, tradicional, com foco nas receitas minhotas que ambos conheciam de cor e salteado. O café já nessa altura era Delta.
“É talvez o único parceiro que temos desde 1974”, aponta Pedro Cardoso, filho de Evaristo e Maria da Graça. A casa nasceu pequena, no piso térreo e com apenas 18 lugares, incluindo balcão. A família vivia imediatamente por cima, o que até vinha a calhar: o ritmo de trabalho era intenso, agravado pelo hábito de ir ao Minho nas folgas buscar produtos que não chegavam a Lisboa. Essas longas e cansativas viagens encontravam recompensa num restaurante cada vez mais concorrido.
Pedro e Carolina Cardoso
De tal forma que, a certa altura, a família Cardoso viu-se obrigada a mudar de casa para o Solar dos Presuntos ocupar o primeiro andar do prédio.
Nessa altura, Pedro Cardoso não imaginava sequer vir a pegar no negócio dos pais. Queria abrir uma discoteca, ter outra vida. Só mudou de ideias quando acabou o 12.º ano, convencido por uma professora de Química. “Ela disse-me: ‘tens uma coisa tão boa em casa, porque é que não te dedicas à restauração?” Pedro começou a servir ao balcão, com apenas 18 anos. Nos 36 que se seguiram fez de tudo um pouco.
Hoje é o responsável máximo pela casa, que foi crescendo e crescendo, até à capacidade atual de cerca de 500 pessoas, depois de umas contundentes obras inauguradas já este ano, que trouxeram novas salas, uma nova (e enorme) cozinha e um terraço com um mural onde o artista Vhils gravou os rostos de Evaristo e Maria da Graça. A filha de Pedro e neta dos fundadores, Carolina Cardoso, também já anda pelo Solar dos Presuntos. Psicóloga de formação, começou pelo escritório e hoje é responsável pelas salas e pelo acolhimento aos clientes. Mexe-se como peixe na água. Sendo filha e neta de quem é, estranho era que não soubesse nadar. “Já estava muito habituada a este ambiente”, reconhece. Maria da Graça deixou os tachos há mais de duas décadas, mas Evaristo, quase a fazer 80 anos, ainda passa pelo restaurante diariamente. “Ele está velhote, tem dificuldades de mobilidade, mas faz questão de cá vir: senta-se, fala com alguns clientes, isto é a vida dele”, diz Pedro. E é, na verdade, a vida de todos.
Família Oliveira – Grupo Gelanel
Hoje, qualquer pessoa que queira aprender a fazer gelados encontra centenas de tutoriais disponíveis à distância de meia dúzia de cliques. Mas em meados da década de 1970 não era bem assim.
Por essa razão, quando os empresários José António Oliveira e Fausto Roxo quiseram aprender tudo o que havia para aprender sobre gelados de bola, não lhes restou grande alternativa que não viajar além-fronteiras, aprender com mestres geladeiros e voltar munidos de todo o conhecimento e equipamento necessários para enveredar pelo métier. Fausto Roxo era um dos proprietários de uma das mais mediáticas casas lisboetas da época, a Pastelaria Suíça, entretanto encerrada. José António Oliveira era um empresário algarvio – “com visão empreendedora”, como descreve o filho Gonçalo – que começava nesse momento, em conjunto com o irmão Manuel, a sua grande aventura: a Gelanel.
A Gelanel abriu como uma moderna geladaria no centro de Lagos, na Rua Marquês de Pombal, em 1977, altura em que o Algarve se assumia como o destino de eleição da crescente classe média nacional.
A novidade dos gelados de bola na cidade algarvia tornou-a, rapidamente, um destino muito procurado por locais e veraneantes. Ao ritmo a que os gelados saíam das vitrinas, o negócio, naturalmente, não parava de crescer.
“O meu pai e o meu tio foram investindo noutros espaços. Abriram uma padaria, uma panificadora… a Gelanel chegou a ter 250 empregados nos anos 80.”
A relação com a Delta começou nessa altura de maior fulgor da empresa. “Com uma proximidade muito grande com o senhor Nabeiro. Lembro-me de ir com o meu pai aos encontros que eles organizavam com os clientes, aquilo era marcante”, descreve o atual responsável pelo negócio familiar. E sobreviveu a ofertas aparentemente irrecusáveis. “Em meados dos anos 90, houve uma marca concorrente que ofereceu mundos e fundos para que trocássemos de fornecedor. Mas o meu pai perguntou-lhes: ‘E se um dia eu tiver dificuldades, como é? É que ao senhor Nabeiro eu ligo diretamente e tenho a certeza de que ele me resolve o problema…’” A relação com a Delta perdurou até hoje. E não só perdurou como ajudou Gonçalo a manter a máquina em andamento. “Houve vários investimentos que não correram bem e a empresa entrou em per. Mas mesmo com dívida, a Delta apoiou-nos na obra que precisávamos de fazer.” E também ganhou com isso: o que era para ter sido consumido em oito anos, foi consumido em três. Hoje, Gonçalo está apostado em recuperar o património construído pelo seu pai e pelo seu tio. A geladaria Gelanel já não existe – “vendeu-se no início dos anos 2000”, mas o grupo mantém essa designação e dois espaços distintos em funcionamento: a Pastelaria Oceano e a Cervejaria Abrigo, ambos no centro de Lagos. A pandemia não ajudou, claro, mas se tudo correr bem, o próximo ano trará uma renovação dos espaços e um novo fôlego na recuperação. “Prometi ao meu pai que ia honrar o nome dele e é isso que estou a fazer.”
Família Clarinha – Pastéis de Belém
A vitória dos liberais sobre os absolutistas na Guerra Civil (1832-1834) não trouxe apenas consequências políticas, sociais e económicas para Portugal. Trouxe, também, consequências calóricas que se continuam a fazer sentir passados quase 200 anos.
Porque foi a extinção das ordens religiosas, decretada pelos liberais, que fez com que as receitas de doçaria confecionadas, até aí, exclusivamente em conventos e mosteiros passassem a ser também confecionadas fora destes, disseminando-se o seu consumo pela população em geral. É o caso da receita do pastel de Belém que, apesar de tudo, manteve uma característica relativamente rara: um enorme secretismo. Originário do Mosteiro dos Jerónimos, o pastel começou a ser confecionado e vendido numa pequena loja de conveniência associada a uma refinação de cana-de-açúcar, logo em 1837 – ou seja, pouco depois da expulsão dos monges. “Foi Domingos Rafael Alves, o proprietário dessa refinação, quem ficou com a receita e manteve-a aqui, secreta”, refere Miguel Clarinha, um dos atuais responsáveis pela Única – o adjetivo continua a fazer parte do discreto letreiro por cima do toldo – Fábrica dos Pastéis de Belém.
O segredo é parte da alma de um negócio que chegou à família Clarinha nos anos 40 do século passado.
“A minha tia-avó Leonilde era casada com o proprietário da fábrica, Manuel, que morreu bastante cedo.
No início dos anos 80, Leonilde, que não tinha descendentes, propôs ao sobrinho Pedro Clarinha, o pai de Miguel, se estaria interessado em agarrar o negócio. E este aceitou a proposta.
Nesta época, a Fábrica dos Pastéis de Belém já era uma referência para os lisboetas. Mas foi o trabalho de Pedro Clarinha que a tornou um destino incontornável para quem vinha de fora. “O meu pai foi fazendo um trabalho de equilibrar a empresa e dar-lhe condições para poder crescer.” E se cresceu: dos 1500 pastéis por dia que se vendiam naquela altura, chegaram a uma média de 20 mil em 2019. E os menos de cem colaboradores transformaram-se em quase duzentos. Desses, apenas cinco conhecem a receita executada, diariamente, na chamada Oficina do Segredo, e que garantem ser exatamente aquela que veio do vizinho Mosteiro dos Jerónimos.
Os três membros da família Clarinha ligados ao negócio também fazem parte do restrito círculo de conhecedores do segredo: Pedro, que apesar de estar reformado continua, aos 75 anos, a passar pela Fábrica pelo menos quatro dias por semana; o filho Miguel, que se formou em Marketing e Publicidade e que tem, desde 2006, dado continuidade ao trabalho do progenitor; e a prima Penélope, que entrou um ano antes e que, devido à formação em Direito, está mais ligada à área de contratos e afins. A relação com a Delta é antiga, de proximidade – “sobretudo pelo lado humano”, refere Miguel – e manifesta-se em chávenas especiais produzidas em exclusivo para a Fábrica dos Pastéis de Belém, que são utilizadas e vendidas nas instalações, além de suscitarem pedidos inusitados de colecionadores, como revela Miguel: “Ainda há pouco tempo recebi um email de uma senhora do Alasca a pedir seis chávenas.”
Família Barrias – Majestic e Guarany
A vida de Agostinho Barrias, 84 anos, começou numa aldeia encostada à serra do Alvão, a sete quilómetros de Vila Real.
Com uma infância conturbada, causada pela morte precoce dos pais, foi obrigado a fazer-se à vida muito cedo. Aos 19, emigrou para o Brasil e aventurou-se no mundo da restauração. “A minha mãe fazia comida em casa e levava para a lanchonete para o meu pai vender”, recorda Fernando Barrias, 58 anos, nascido no Rio de Janeiro e atualmente à frente dos negócios da família.
Regressou a Portugal em 1967, à procura de um espaço para abrir mais um negócio, mas a memória do terramoto de 1755 e a procura dificultada em Lisboa tiraram-lhe a vontade de investir na capital. Instalou-se na Invicta e abriu, no mesmo ano, o Café Ofir, em Paranhos. A partir daí, e sempre com sociedades, foi adquirindo outros: o Cenáculo, o Imperador e o Café Itália. Até surgir a oportunidade de ter um estabelecimento seu. Aconteceu em 1976, com a abertura do Café do Padrão, no largo com o mesmo nome, em Santo Ildefonso. “Passado um ano, houve um incêndio lá ao lado, na fábrica das tintas Barbot, e o café ardeu todo”, conta Fernando. Como estava coberto pelo seguro, reabriu. Em 1982, Agostinho soube que o histórico Guarany, na Avenida dos Aliados, estava prestes a fechar para ser um banco. Ficou com o espaço e deu 10% da sociedade ao melhor empregado que tinha. No ano seguinte, o possível encerramento do Majestic também lhe chegou aos ouvidos. “Como estava todo deteriorado, com sofás rasgados e cheio de nicotina no teto, ninguém o queria”, lembra. Ao contrário do seu pai, apaixonado por cafés, que ficou com aquele que é, hoje, a estrela desta companhia.
Após uma cuidada obra de restauro, o Majestic reabriu em 1994, com os espelhos, os apliques e os estuques originais dos anos 20. Assim como os sofás, que passaram um mês “debaixo de água” para desintoxicar.
Foi também nessa altura que entraram no menu as famosas rabanadas com creme de ovos, feitas às centenas todos os dias, e que começou a parceria com a Delta, que se estende a todo o grupo. “Tínhamos uma relação com o senhor Baldaque, que era o dono da Brasileira. Quando estávamos a ultimar os preparativos para abrir o café, ele ia ajudar a montar a máquina e não apareceu. Um dia, um dos colaboradores da Delta bateu à porta a perguntar se estávamos interessados em gastar o café deles e expliquei que já estávamos comprometidos. Em conversa, falei de uma máquina Belle Époque em latão, com uma água em cima, que vi na Eurodisney Paris e ele disse que a tinha em Lisboa e que, se quisesse, sem compromisso, a punha no Majestic no dia seguinte.”
Em 2003, foi a vez de o Guarany sofrer uma reviravolta. “O café estava falido, havia salários em atraso, os empregados roubavam… para acabar com isso, o meu pai pôs um balcão a meio do café e impediu que tivessem acesso ao dinheiro.” Foi também nessa altura que o café ganhou uma nova vida com as telas sobre a história da tribo Guarani, de Graça Morais, e com os novos sofás. De outros tempos, mantiveram-se as mesas, as cadeiras, os candelabros e a mítica escultura do índio de Henrique Moreira. Hoje, além de Guarany e Majestic, que comemora o centenário em 2022, o grupo também tem confeitarias e hotéis – Hotel Aliados, Hotel Internacional, Hotel Pão de Açúcar, Hotel Vera Cruz e Hotel Aliados Plaza –, o último dos quais em obras e com data de abertura prevista para meados do próximo ano. “Este hotel é o culminar da carreira do meu pai como empresário de sucesso”, confessa Fernando.
Família Fialho – Restaurante Fialho
À frente do histórico restaurante fundado por Manuel Fialho estão hoje o seu neto mais velho, Rui, e a neta mais nova, Helena. E ambos parecem bem conscientes da responsabilidade que lhes cabe: manter o bom nome de uma casa e de uma família que é, há quase oitenta anos, sinónimo de épicas refeições de comida alentejana.
“O avô sabia o que era bom”, começa por dizer Rui para explicar como é que Manuel Fialho conseguiu, desde cedo, tornar a casa destino frequente de eborenses, primeiro, e, com o passar dos anos, de viajantes de todo o mundo. “Trabalhou como maître d’ hotel antes de abrir o restaurante, habituou-se a matéria-prima de qualidade, portanto se não prestava, não entrava aqui.”
De facto, o período em que Manuel Fialho trabalhou no reputado Hotel Alentejano – que funcionou em Évora entre 1928 e 1949 no edifício do antigo Tribunal de Inquisição, onde hoje fica a Fundação Eugénio de Almeida – muito terá contribuído para o seu sucesso enquanto empresário de restauração.
O Fialho, instalado numa antiga cocheira, abriu como cervejaria e casa de petiscos. Mas já nessa época, as pequenas doses ali servidas causavam sensação. “Tudo o que saía era de qualidade, os produtos eram de primeira”, refere Helena. O dom natural de Manuel para receber e a empatia que gerava junto dos clientes ajudava a que quisessem regressar. E eles regressavam.
Ao patriarca juntaram-se os três filhos: o homónimo Manuel e os irmãos Gabriel e Amor. O primeiro “sempre mais virado para o exterior”, como descrevem os atuais responsáveis, foi membro fundador da Confraria Gastronómica do Alentejo. Gabriel cedo se ocupou da cozinha, fazendo muita pesquisa de receitas históricas da região e, claro, de um fator fundamental para a sua execução: as ervas aromáticas.
“Numa cimeira de cozinheiros europeus onde estava o Paul Bocuse, ele ficou conhecido como o homem das ervas”
Amor, o único dos três que continua vivo, era o homem da sala, aquele a quem cabia reproduzir o charme e a afabilidade do pai no contacto com os clientes, sobretudo após a morte deste, em 1977. Desempenhou o papel com enorme sucesso, diariamente, até a idade e as condições lho permitirem – antes da pandemia ainda era possível encontrá-lo, de quando em vez, no restaurante. Mais do que uma capelinha, o Fialho foi-se tornando uma catedral, a quem outros copiaram alguns traços fundamentais como o de colocar uma série de entradas, sobretudo saladas frias, sobre as mesas.
As especialidades da casa – perdiz à Convento da Cartuxa, borrego assado, cação de coentrada, entre outras – são, ainda hoje, reproduzidas com as receitas de sempre e servidas com familiaridade: “A nossa cozinheira está cá há 35 anos, temos muitos funcionários com 20 e 30 anos de casa”, destacam os primos. Rui e Helena, ambos licenciados em Gestão Hoteleira, costumam dizer que não sabem se escolheram o Fialho ou se foi o Fialho que os escolheu. Chegaram em alturas diferentes ao restaurante. Helena logo em 1996, após um breve estágio em Macau. “Eu de pequena dizia que queria ser cozinheira, e ajudar o meu pai”. E cozinha – tal como o primo, aliás – apesar de, no dia a dia, ambos deixarem essa tarefa nas mãos dos funcionários. Rui chegou apenas em 2011. Antes, teve vários negócios na região de Lisboa, entre eles o Melting Pot, um restaurante em Cascais onde fazia de tudo um pouco: comprava, cozinhava e servia. O apelido Fialho traz consigo peso, sim, mas também muito orgulho, que Helena não disfarça. “Eu já servi o Tony Blair naquela mesa do canto, vi o Fernando Henrique Cardoso, numa entrevista à Forbes, dizer que o Fialho era o seu restaurante favorito na Europa… isto é um privilégio. E temos a responsabilidade de continuar.” Por muitos anos, esperemos.