Quando era miúdo e corria para apanhar o barco na estação do Cais do Sodré, André gostava de parar no quiosque que ali havia, o “Quiosque do Bomboca”, e comprar duas sandes. As suas preferidas eram as de torresmos e as de sangacho, que é aquela parte mais escura do atum, com cebola picada. Vinham embrulhadas em papel de jornal e deixavam-lhe as mãos gordurosas. Nunca mais esqueceu aquele sabor e foi também por causa dessas memórias que, em 2020, o agora chef André Magalhães, da Taberna da Rua das Flores, aceitou o desafio de explorar o quiosque do vizinho Largo de São Paulo, que é outro dos sítios da sua infância: “O quiosque estava fechado, o que era uma pena, porque é o quiosque original, um sobrevivente do início do século xx”, conta. Além disso, em plena pandemia, agradou-lhe a ideia de ter uma esplanada e, por fim, havia o desafio de dar uma nova vida aos petiscos tradicionais que “eram a alma dos antigos quiosques de Lisboa”. E assim, no renovado quiosque do largo, de ferro pintado a vermelho e candeeiros em forma de balão, há “salgadinhos e sandochas” para todos os gostos, incluindo sandes de lula frita, de pernil ou de cachaço, há ovos podres, punheta de bacalhau e saladinha de polvo, entre outras delícias que podem ser acompanhadas por xaropes caseiros, como alternativa aos refrigerantes. A música sai dos altifalantes e, em vez de estivadores a caminho do trabalho, a clientela é composta maioritariamente por turistas e jovens a caminho de uma noitada – não é exatamente como os quiosques de “antigamente”, mas é o mais perto que lá conseguimos chegar.

O primeiro quiosque foi instalado no Rossio, em 1869. Chamava-se “Elegante” mas HAMAVA-SE “ELEGANTE”, mas entre quem o frequentava era conhecido como “Boia”.

A palavra quiosque vem do “kouchk” persa e do “kioshk” turco, que significam “pavilhão de jardim”. Os “pavilhões” tornaram-se moda em Paris, em meados do século xix, quando o prefeito da cidade, o barão Georges-Eugène Haussmann, elaborou um plano de modernização, no qual participaram o engenheiro civil Jean–Charles Alphard e o arquiteto Gabriel Davioud. Foi nessa altura que surgiram os grandes passeios, parques e fontes de Paris, e foi Davioud o responsável pelo primeiro mobiliário urbano da cidade, que incluía bancos, cestos de lixo, candeeiros, urinóis, grades de ferro e também os quiosques. 

O modelo foi copiado por diversas cidades europeias, entre as quais Lisboa, onde, por essa altura, também se pensava na necessidade de implementar reformas urbanísticas. Em 1866, a autarquia admitia que “são inúmeras as necessidades que faltam satisfazer na capital, inúmeros são também os males que há a remediar (…). As ruas de Lisboa são mal calçadas, a limpeza mal feita, a rega das ruas quase nula, a polícia difícil, os mercados raquíticos, a iluminação deficiente”. Entre as ideias para melhorar a cidade, Thomas de Mello, artista que tinha passado uma temporada em Paris, propôs a instalação de quiosques. E foi assim que, em novembro de 1867, foi decidido instalar os primeiros “kioskos”, “como uma cousa útil, e, até certo ponto, como um meio de embelezamento”, segundo se lê nas Atas das Deliberações da Assembleia Municipal de Lisboa, citadas por Claudie Bony no livro Uma História dos Quiosques. 

No Rossio, realizaram-se então obras de melhoramento – com a pavimentação e a plantação de árvores – e foi aqui que, em 1869, foi instalado o primeiro quiosque. Chamava-se “Elegante”, mas entre a população que o frequentava, sobretudo operários e pequenos artesãos, ficou conhecido como “Boia”. “Uma boia de salvação para se refrescar, se revigorar, ganhar tempo para respirar”, como escreve Claudie Bony. O “Boia” tornou-se ponto de encontro de intelectuais, agitadores e sindicalistas, de tal forma que havia quem lhe chamasse o quiosque dos “libertários”. Em 1913, o quiosque situado no Rossio foi destruído por populares que o incendiaram num momento descontrolado de um cortejo durante as festas da cidade. 

Nessa altura, os quiosques já faziam parte da paisagem lisboeta. O desejado plano de modernização chegou com a nomeação, em 1874, do engenheiro Frederico Ressano Garcia como chefe da Repartição Técnica de Lisboa, responsável pelo planeamento urbano que haveria de criar as Avenidas Novas a partir de uma grande avenida do Rossio ao Campo Grande. A construção sistemática de passeios públicos e faixas laterais e a generalização da calçada portuguesa criam novos espaços de lazer onde podem ser instalados os quiosques. É nessa altura que Ressano Garcia impõe uma regulamentação dos quiosques, definindo não só onde podem ser colocados mas também as suas dimensões e formas, de acordo com os modelos previamente aprovados pela Repartição. Claro que essa uniformização nunca foi plenamente conseguida, mas a ideia mostra-nos a preocupação de embelezar a cidade e dar-lhe uma certa ordem.

A verdade é que os quiosques, onde se podia petiscar de pé, rapidamente e a preços acessíveis, ganharam o seu lugar na cidade e o negócio foi-se diversificando. Para além dos “refrescos” originais, sobretudo a água fresca, o capilé e a “orchata”, refresco de amêndoas e açúcar popularizado por Eça de Queiroz, o bagaço, o vinho a copo e cada vez mais também a cerveja e o café, os quiosques passaram a vender jornais e revistas, tabaco e fósforos, lotaria (e outros jogos que entretanto apareceram), gelados, bolos e sandes. Poderiam até acumular outras funções, como servir de apoio a praças de táxis ou a bombas de gasolina.

Ao longo do século xx, foram surgindo novos quiosques, outros se foram degradando, alguns acabaram por ser demolidos. Os tradicionais quiosques de Lisboa, que a pintora Maluda eternizou nos anos 80 numa série de serigrafias que deram origem a uma coleção de selos, passaram por um período de certo abandono. Só a partir de 2008 ganharam uma nova vida: a Câmara responsabilizou-se pela recuperação das estruturas, trocando alguns de sítio, criando novos modelos a imitar os antigos e atribuindo concessões. O primeiro a abrir foi o do Miradouro de São Pedro de Alcântara. Na sequência do sucesso da marca Casa Portuguesa, a empresária Catarina Portas venceu o concurso para a concessão de três moribundos quiosques lisboetas – Praça de Camões, Príncipe Real e Praça das Flores – tentando recuperar o espírito dos antigos “Quiosques de Refrescos”, mas trazendo-os para a nova Lisboa de turistas que palmilham a cidade em tuk-tuks. 

Localizados quase sempre em praças, jardins e miradouros – do Largo de Camões ao Parque Eduardo vii, passando pela avenida da Liberdade ou pelo Jardim da Estrela – os quiosques tornaram-se, mais do que parte da paisagem da cidade, parte dos hábitos dos lisboetas que, definitivamente, perceberam que numa cidade com tanta luz e sol é um desperdício não passar mais tempo fora de casa. No Jardim das Amoreiras, a esplanada enche-se de famílias, todos os fins de tarde, enquanto as crianças brincam no parque, divertidas. No Miradouro de Santa Catarina, o pôr do sol perfeito para o Instagram é acompanhado por cerveja e às vezes uma guitarra, gente sentada no chão e conversas em todas as línguas. No Cais do Sodré, há caipirinhas e música ao vivo aos fins de semana, e estão todos convidados a sambar.

E novos quiosques continuam a nascer pela cidade. Seja no seu formato “retro” – como os que foram instalados na remodelada praça do Fonte Nova, em Benfica – seja em formato moderno – como os novos quiosques da Doca da Marinha, que abriram no início deste ano. Aqui, os quiosques surgiram logo como um dos pilares do projeto, a par do restaurante. São estruturas em vidro, com instalações de luz e cor de Julião Sarmento e cada um com a sua identidade: o quiosque Azul é uma marisqueira, o Amarelo serve petiscos e o Vermelho é vegetariano. Bernardo Delgado, o homem do Banana Café, trouxe a experiência adquirida nos quiosques da avenida da Liberdade para a beira-rio e promete criar “um espaço divertido e descontraído”, com programação artística e animação. Não há sandes de sangacho, mas numa das ementas encontramos um pica-pau de atum. Para petiscar, sentado na esplanada, a olhar para o Tejo.