Sabemos que estamos perante um prato que impõe respeito quando este inspira o associativismo entre os seus apreciadores. Por exemplo, olhe-se para a página oficial da Accademia del Tiramisu – uma organização independente italiana que apoia, promove e defende esta sobremesa incontornável para amantes de comida italiana e de café –, onde se lê o seguinte: “Transmitimos a verdadeira cultura do Tiramisu”. Não é para menos. Hoje não há restaurante italiano que não sirva a sua versão deste doce cremoso e delicado, mas nem sempre foi assim.

Reza a lenda que no século XIX, na cidade de Treviso, no norte de Itália, o tiramisu começou por ser um exclusivo de casas de alterne. Terá sido nessa época que a “signora” que geria uma destes estabelecimentos criou algo que revigorava os seus clientes antes de voltarem para as suas vidas.

Acreditando que o que levava os homens a frequentar estas casas seria um eventual desinteresse pela vida conjugal, pensava-se que a receita deste doce – na base de ovos, açúcar, café e vinho fortificado – serviria de afrodisíaco e de estimulante. Como se de um viagra natural se tratasse. O próprio nome, “tiramisu”, que se consolidou desta forma já no século XX, deriva de uma expressão no dialeto de Treviso, “Tireme su”, que se traduz livremente para algo como “arrebita”.

Ainda foi preciso esperar até que o tiramisu deixasse de ser tabu e fosse servido em restaurantes de todo o mundo. Acredita-se que um dos primeiros a tê-lo na carta foi o Le Beccherie, precisamente em Treviso. Só na década de 1980 é que esta combinação de zabaglione (uma espécie de gemada cozida em banho-maria), mascarpone, café, vinho marsala (doce, italiano), cacau e savoiardis (os palitos de la reine italianos) saltou definitivamente da tradição oral para os livros de receitas.

Casanostra

Casanostra em 1986, na época de ouro do boémio Bairro Alto, com a ambição de ir para lá do estereótipo clássico da comida italiana: pizzas e pastas. Propôs-se a mostrar a miríade de pratos da sua cultura. Mas nem sempre foi fácil, sobretudo no início, quando conseguir ingredientes específicos era desafiante. “Foi preciso adaptar algumas receitas aos ingredientes a que tínhamos acesso em Portugal”, explica Manuel Teles Grilo, o gerente do espaço. O tiramisu, que está na carta desde o primeiro dia, não foi exceção: não havia mascarpone? Usava-se natas montadas. Vinho marsala era quase impossível de comprar? Um delicioso Madeira servia de substituto. E por aí fora. Com o passar do tempo, ainda tentaram substituir as natas pelo mascarpone, mas não funcionou: “os clientes já estavam tão habituados à leveza que as natas davam ao tiramisu, que nos pediram para voltar ao original”, remata Teles Grilo.

Rocco

O décor do Rocco traz memórias dos tempos em que os garçons usavam laço e blazer branco, enquanto a comida, de inspiração italiana, nos faz acreditar que há uma avó italiana escondida algures. Não há “nonna”, mas não há problema: está cá o chef Ricardo Bolas, responsável por todos os pratos da carta. Já os doces são do chef pasteleiro Claiton Ferreira. “O tiramisu ganha muito quando é comido logo acabado de fazer”, diz, explicando as razões que levam esta sobremesa a ser preparada na mesa, perante o olhar dos clientes – e dos seus smartphones. Inspirado na tradição, Claiton segue a mistura de ingredientes mais consensual, caprichando como só ele sabe. Leve e untuoso, e com mascarpone importado diretamente de Bolonha, este tiramisu é a estrela do restaurante.

In Bocca al Lupo

Diz-se que quem sai aos seus não degenera, e a prova disso é o trabalho que Ágata Mandillo – bisneta de Enrico Mandillo e Maddalena Ranedda, casal que em 1945 abriu o primeiro restaurante italiano de Lisboa, o La Gondola – está a fazer no restaurante Il Bocca al Lupo, também em Lisboa. Na pizzaria que gere na zona do Príncipe Real só se utilizam produtos biológicos e, maioritariamente, de origem nacional. “Respeitamos a tradição italiana, mas com produtos portugueses”, explica. Como seria de esperar, tiramisu não falta na carta – é caseiro e feito de fresco todos os dias. É uma mistura densa, mas cremosa, de biscoito caseiro sem glúten, café, rum, creme (que só leva ovos de galinhas autóctones portuguesas e, por ocasiões, de pata) e uma inovadora camada fina de chocolate temperado, “que lhe dá uma crocância muito interessante”.

La Finestra

O pai de Carlos Sousa já tinha trabalhado numa mão-cheia de restaurantes italianos quando foi desafiado a abrir um novo na avenida Conde Valbom. Foi assim que nasceu o La Finestra, em 2009, com o colorido design de interiores a cargo do artista plástico Pedro Cabrita Reis. Desde então, brilham aqui as mesmas pizzas que se encontram noutro restaurante icónico de Lisboa, o Lucca, que hoje também é gerido por Carlos Sousa. Como no Lucca, não falta a sobremesa mais apetecida: “Desde o primeiro dia que o meu pai compra o tiramisu a uma pastelaria em Torino, vem diretamente de lá”, conta Carlos. “Porquê trazer de fora?” Carlos explica a lógica: “A simplicidade do prato torna-o sensível a mudanças de cozinheiro, por isso, para garantir consistência, preferimos assim.” Seguindo a receita tradicional, o tiramisu é dos pratos com mais procura, tanto que as encomendas de Torino chegam ao La Finestra várias vezes por semana.