Diz-se que não devemos voltar aos lugares onde já fomos felizes, mas cá estamos, no alto da serra de São Mamede, com o enólogo Carlos Rodrigues, que em 2020 fez o que na Adega Mayor ainda não se tinha feito: um vinho branco só com uvas provenientes de uma pequena vinha com mais de 70 anos, a quase 800 metros de altitude.
Dessa colheita saiu o vinho Adega Mayor Reserva do Comendador A(l)titude Branco e a certeza de que a experiência seria para repetir, e alargar. Tanto que em novembro chega já a colheita de 2022 do vinho branco e também uma primeira edição do Adega Mayor Reserva do Comendador A(l)titude Tinto, de 2021.
Se as uvas já eram utilizadas antes? Sim, integravam alguns lotes de vinho Reserva do Comendador ou Pai Chão, por exemplo. Apenas nunca se fizera um vinho só com uvas desta vinha. “Por isso, há dois anos, decidimos deixar as uvas de parte e não as incluir nos lotes; depois, logo se veria”, recorda o enólogo.
O primeiro Adega Mayor Reserva do Comendador A(l)titude Tinto, colheita de 2021, chegou às garrafeiras e loja online da Adega Mayor em novembro de 2023 com um PVP de 30 euros.
A vinha, com o nome de Três Lagares e São José, fica numa parcela com dois hectares e meio onde as castas, brancas e tintas, estão todas misturadas. “Separamo-las depois na adega”, explica. Fernão Pires, Olho de Lebre, Malvasia e Bical são algumas das castas brancas presentes. “É esta variedade que dá complexidade e diferenciação ao nosso Altitude branco. Estamos a falar de uma vinha a quase 800 metros. Continua a ser Alentejo, mas tem um perfil mais fresco”, assegura Carlos Rodrigues.
À imagem do que se fazia antigamente, a vinha mescla castas brancas e tintas. “Esta misturada era muito normal até há 50 anos. Procurava-se diversificar o risco. Daí plantarem castas diferentes, porque sabiam que se umas reagissem mal a um ano mais quente, outras compensariam o estrago. Era tudo muito empírico, mas se analisarmos bem, fazia todo o sentido”, considera o enólogo. Desta combinação resulta uma paisagem colorida, com a folhagem avermelhada das castas tintas misturada com as folhas verdes e amarelas das uvas brancas.
A vinha não tem rega, é de sequeiro. Ao longo das décadas, as videiras foram-se habituando ao clima e ao solo de granito que dá ao vinho uma complexidade aromática interessante: “Os afloramentos graníticos transmitem uma sensação mineral, de pedra lascada, de pedra de isqueiro quando acende.” A isto, à forma como o clima e o solo influenciam o vinho, chama-se terroir.
O efeito deste terroir nas uvas com que se fez o Adega Mayor Reserva do Comendador A(l)titude Branco 2020 aplica-se também ao vinho tinto. “É exatamente a mesma vinha, o mesmo terroir e exatamente o mesmo critério, só que com a parte tinta”, esclarece. Mas há diferenças para o vinho tinto, que evidencia mais o clima de montanha e a altitude. Em que é que isso se traduz? “Em mais frescura, notas de bosque e um carácter que o diferencia de outros vinhos tintos alentejanos.” Este perfil aproxima-o dos vinhos de uma região vizinha. “Numa prova cega, haveria quem arriscasse dizer que é das Beiras.”
A apanha das uvas desta vinha velha é feita manualmente e de noite, para fugir à canícula alentejana. Começa-se pelas 22h e, pelas 6h da manhã, dá-se a jornada por terminada – a jornada no campo, isto é, porque as uvas brancas e tintas que foram colhidas juntas são separadas mal chegam à Adega Mayor, a cerca de 50 quilómetros da serra de São Mamede. Depois, são desengaçadas e colocadas em depósitos de fermentação, onde ficam duas semanas em temperatura controlada, com remontagens e controlos permanentes.
Após a fermentação, o vinho tinto é colocado em barricas de carvalho francês de 500 e 225 litros (o branco vai para carvalho austríaco). É nestas barricas que o vinho faz a fermentação malolática seguida de mais dois anos de estágio. “Então fazemos o lote e definimos o perfil que o vinho vai ter.” Parte do estágio inclui uma passagem pelas típicas talhas de barro alentejanas, ainda que este não possa, de todo, ser considerado um vinho de talha.
Mas é, sem dúvida, um vinho de guarda. No momento em que chegar às garrafeiras vai estar perfeitamente bebível, mas ficará “muito mais interessante depois de passar seis a oito anos na garrafa, preferencialmente mantido num local escuro e fresco”. Também essa capacidade de melhorar com o tempo se deve ao terroir e à altitude. E é isso que entusiasma Carlos Rodrigues, o agarrar nestas uvas de vinhas velhas e tecnologia moderna e fazer um vinho diferente respeitando a cultura e a tradição – um vinho com altitude e atitude.