Seja para observação de aves ou golfinhos, para grandes refeições ou longas caminhadas, braçadas vigorosas ou contemplações profundas, entre o Sado e a Arrábida o leque de opções dificilmente se esgota num fim de semana grande. Mas é um bom começo.

Mourisca

O Sado é dos poucos rios em Portugal que corre de sul para norte – e por isso o percurso aqui sugerido segue a mesma trajetória. A viagem pelas margens do Sado começa na Herdade da Mourisca, em plena Reserva Natural do Estuário do Sado. Ali encontra-se um dos quatro moinhos de maré da região, fundado no início do século XVII e que esteve em funcionamento até meados do século XX. 

O Moinho de Maré da Mourisca trabalhou durante mais de duzentos anos para a moagem de cereais, contando com um sistema hidráulico rudimentar mas complexo que, através da força das ondas, punha em movimento as seis mós montadas numa plataforma de madeira. Atualmente, o moinho recuperado funciona como centro de informação e lazer, podendo ser visitado durante dois percursos pedestres: um junto ao estuário e às antigas salinas, outro pelo montado, denso de sobreiros. No Observatório da Caldeira do Moinho da Maré, estão reunidas as condições para admirar as aves ripícolas, isto é, que vivem nas margens do rio. Durante as estações frias é comum ver flamingos, corvos-marinhos, garças ou maçaricos; de primavera e verão, há andorinhas-do-mar, borrelos e pernas-longas, entre outros. O dia termina em cheio à mesa do incontornável Pérola da Mourisca e a sua extensa lista de petiscos, alguns deles obrigatórios em qualquer mesa: é o caso dos pimentos recheados com sapateira, dos camarões fritos ou dos ovos de codorniz. Atenção: convém marcar mesa, as filas de espera costumam ser longas.

Setúbal

O dia em Setúbal deve começar cedo: é logo às primeiras horas da manhã que o Mercado do Livramento se apresenta mais bem recheado de peixe capturado nas águas em redor e de produtos frescos de todo o tipo. De sacos cheios ou vazios, é impossível ficar indiferente ao buliço deste mercado, um dos mais dinâmicos e coloridos de todo o país.

Também junto à grande Avenida Luísa Todi, a principal artéria da cidade de Setúbal, fica a Fonte Nova, ponto central do Troino. O histórico bairro de pescadores e trabalhadores fabris tem vindo a embelezar-se nos últimos anos e a receber cada vez mais projetos diferenciadores que resgatam o seu antigo charme. É o caso da Mercearia Confiança de Troino, fundada em 1926, que foi recuperada em 2015 e convertida em mercearia pedagógica e cafetaria. Neste espaço, entre a máquina registadora antiga, as tulhas de cereais e as várias medidas de latão com que se preparavam os cartuchos para levar, veem-se outras relíquias como as embalagens dos detergentes Tide e Omo, as bolachas Paupério ou a pasta medicinal Couto. 

Terminar em beleza, em Setúbal, é terminar à mesa. A cidade tem uma oferta gastronómica que vai bem além do tradicional choco frito: em restaurantes como o Verde e Branco ou n’O Batareo as montras de peixe fresco são uma tentação constante. Sempre que possível, o melhor é optar pelas espécies locais, como os salmonetes ou massacotes.

Sesimbra

Quem vai ao mar avia-se em terra. E a Moagem de Sampaio teve um papel bastante importante na execução desse ditado. O edifício, que foi cavalariça e torrefatora de café, tornou-se sobejamente conhecido pelas mais de oito décadas a trabalhar com a moagem de trigo e de milho, que ali chegavam de toda a região. Depois de aproximadamente 30 anos de portas fechadas, o espaço foi reabilitado e convertido em museu pela Câmara Municipal de Sesimbra em 2013. Atualmente, a visita ao museu dá a conhecer a história da fábrica e da moagem de cereais que ali se fazia. E nas manhãs de sábado e domingo, há mais vida neste espaço histórico com a iniciativa Sabores da Nossa Terra, que traz um mercado de produtores locais para este lugar, munidos de produtos regionais como a farinha torrada, o queijo da Azoia ou o pão cozido em forno de lenha. 

Havendo sol, segue-se uma tarde descansada na Praia na Ribeira do Cavalo – mas não sem antes fazer uma pequena caminhada para lá chegar. O carro deixa-se na estrada que liga o Sentrão ao Porto de Abrigo e aí começa o trilho de acesso à praia, com a extensão aproximada de um quilómetro. Aconselha-se o uso de calçado confortável e, para evitar arranhões, calças que protejam as pernas. Em carreirinhos ora mais largos ora mais estreitos, a caminhada faz-se bem e o esforço compensa à chegada. A água é azul-turquesa e o maior barulho de fundo é mesmo o das cigarras. 

Para fechar o dia, nada como provar os petiscos contemporâneos d’O Zagaia ou a competentíssima grelha da Tasca do Isaías.

Arrábida

Em redor de uma serra com vistas e subidas de perder o fôlego – sobretudo se feitas a pé ou a pedal –, não faltam locais onde ganhá-lo. Ou, pelo menos, onde armazenar energia para a tarefa. A viagem começa, por isso, pela Queijaria Simões, na Quinta do Anjo, arredores de Azeitão. É lá que encontramos Rui Simões, homem que domina a arte do queijo de Azeitão (DOP) como poucos. Há quase 30 anos, este antigo serralheiro civil tornou-se queijeiro por necessidade, numa altura em que a mulher ficou desempregada. Fez bem. Hoje, Simões produz mais de um milhar de queijos por dia, de forma totalmente artesanal, combinando apenas três ingredientes: leite de ovelha cru, cardo e sal. O resto é mestria. 

Já no centro de Azeitão, é inevitável passar pela Casa das Tortas, onde a especialidade é essa pequena joia da doçaria local chamada Torta de Azeitão, e pela Sabores e Encantos, uma cafetaria/loja gourmet que funciona num espaço muitíssimo curioso (e agradável): os antigos lavadouros públicos da vila.

Subimos, finalmente, à serra da Arrábida pelo lado oeste. As bermas da estrada vão ficando progressivamente mais verdes, o cenário à volta mais idílico. O mar já se avista, mas para o ver mais de perto rume-se ao Portinho da Arrábida, pela estrada que corre paralela na encosta mais a sul. É no Portinho que se encontra o trilho que dá acesso à curiosa Lapa de Santa Margarida, uma gruta natural no sopé da serra com um pequeno altar e janela para o mar. Junto à água, o restaurante O Farol não deixa ninguém à míngua: tem sempre bom peixe fresco – com sorte pescado nessa madrugada – e excelentes arrozes de tacho. Depois, é fazer a digestão e mergulhar numa das praias vizinhas. A vida, assim, até parece fácil.