O comendador já tinha dado centenas de entrevistas, mas nunca à própria família. Rita Nabeiro sentou-se à mesa com o avô, para uma entrevista que saiu na primeira edição da revista D de Delta.

É a primeira vez que conversamos com um gravador à frente. Deixa-me começar por te perguntar: o que é que esperas desta entrevista? 

O que espero é que traga algum ensinamento de parte a parte. Encaro com muita naturalidade falarmos de nós: eu poder falar de ti, e tu dizeres o que pensas do avô. É uma coisa maravilhosa. É uma mudança para acompanhar o mundo que está a mudar.

Em 89 anos de vida viste muito. Dizes que o mundo está a mudar. Em quê? 

O mundo mudou, realmente, e mudou mais ainda para nós que somos do interior. A diferença é enorme: o conhecimento chegou aqui e atualmente o interior está à altura do litoral. Mas ainda é preciso mais, continua a haver esquecimento em relação aos que vivem abaixo dos outros. É um termo que não gostaria de aplicar, mas é o termo certo: há quem viva ainda abaixo dos outros. Nos anos 40, tinha eu nove ou dez aninhos, não existia aqui no Alentejo vida para viver. Existia vida de passar o tempo trabalhando e lutando, sempre para alguém que não nos reconhecia. Hoje isso não acontece assim, há uma melhoria extraordinária. As pessoas mais humildes aqui de Campo Maior trabalham, mas também vivem. A maior mudança é esta: começámos a ser mais humanos.

Em Campo Maior estamos muito próximos da fronteira. Como foi viver aquele período conturbado da história de Espanha, nos anos da guerra civil? [NA: a guerra civil espanhola teve início em 1936 e terminou em 1939, quando Rui Nabeiro tinha oito anos.] 

Da guerra civil espanhola, lembro-me bem de ver as pessoas que andavam fugidas serem presas e metidas ali na esquadra da polícia, e depois serem levadas à noite num camião para a praça de touros de Badajoz. [NA: em agosto de 1936, após a derrota das forças republicanas na Batalha de Badajoz, as tropas nacionalistas do general Franco executaram milhares de pessoas na cidade, naquilo que ficou conhecido como o Massacre de Badajoz.] Nós ouvíamos os gritos das pessoas, tanto das que estavam presas como das que estavam de roda do recinto a gritar pelos seus, que quando desciam dali era para serem convidados ao suicídio. Mesmo sendo uma criança, assistir àquilo marcou-me. Tenho aqueles sentimentos cá dentro. E foram difíceis também os anos do pós-Guerra. Nos anos 40, em Campo Maior, as pessoas viviam voltadas para Espanha, portanto, nesse período viu-se a maior miséria de todos os tempos: não havia trabalho, nem comer, nem coisa nenhuma. Como é que aparece a comida? Aparece com o tio Joaquim, que montou umas barracas ao longo da fronteira, e ali vendia açúcar, massa, arroz, feijão… Ali fez vida e foi notado.

MANUEL RUI AZINHAIS NABEIRO NASCEU EM 1931, NO SEIO DE UMA HUMILDE FAMÍLIA CAMPOMAIORENSE.

Falas muitas vezes do tio Joaquim. Qual foi o papel dele no teu percurso?

Nasci, cresci e fiz-me homem na sombra do meu tio Joaquim. Deixou-me trabalhar e deixou-me ter ambição. A vida é bonita quando as pessoas têm ambição. Aqui há uns anos, a ambição era vista como um defeito, mas não, é uma virtude. O que é preciso é que essa ambição não seja individualista, mas sim virada para a comunidade. O meu tio Joaquim foi um homem de audácia que, quase analfabeto, aprendeu sozinho a escrever o seu nome. Era um homem inteligente e trabalhador. Éramos muito diferentes por uma razão: ele sentia menos do que eu. Ainda jovem, eu dava-lhe algumas lições. Ele queria sempre mais das pessoas, e eu, com 15 ou 16 aninhos, já lhe dizia: “Chega.” Uma vez, disse-me: “Quem manda aqui sou eu.” E eu: “Não estou a mandar, estou a dar um conselho.” Ele tinha uma tal ambição de trabalhar, de lutar, de conquistar… Mas é preciso saber conquistar, e ele às vezes não sabia. Quando havia alguém que nos dificultava o trabalho, o tio ficava irritado. E eu dizia: “Não, vamos conquistar o homem, vamos falar com ele e trocar impressões, ele há de gostar de nós e nós dele.” E foi sempre assim.

“Fiz-me homem na sombra do meu tio Joaquim.”

Tu demonstraste desde pequeno qualidades de liderança. A bisavó, tua mãe, dizia sobre ti:“O Rui faz.” Aprende-se a ser líder ou nasce-se com essa capacidade? 

Tenho dificuldade em dizer que é de uma forma ou de outra. É excelente poder-se estudar, mas um líder que não tenha estudos é capaz de liderar, enquanto alguém que tenha estudado liderança precisa igualmente de ter em si uma herança familiar que lhe tenha transmitido o que significa ser líder. Foi o que me aconteceu a mim. As carências que eu via despertavam-me a vontade de ajudar, porque com a minha quarta classe já podia dar alguma formação a quem mal sabia assinar o próprio nome. O meu pai, o bisavô, aprendeu na tropa a escrever o seu nome; mas ficou logo ali comprometido com um coronel que lhe facilitava a vida, teve de ir trabalhar fora, era motorista, e levou um monte de anos com uma vida de sacrifício, tanto que nós mal o víamos. Essas circunstâncias fizeram-me ganhar capacidades de liderança, porque em casa estava a bisavó, primeiro com cinco, e depois com quatro filhos pequenos. Éramos dois rapazes e duas raparigas, todos fizemos o nosso caminho. O tio António foi trabalhar como empregado dos outros: foi ajudante de merceeiro e de sapateiro. E o que é que eu queria ser? Empregado, não queria! Não queria porque realmente via que o tio António era aprendiz de sapateiro, mas não ganhava nada. O próprio patrão recebia pouco e não tinha nada para lhe dar. E eu tinha um bocado de ambição pelo dinheiro. E tenho. Portanto, fui cavar para dentro da fábrica do tio Joaquim. Deixaram-me cavar e cavei.

RITA E RUI NABEIRO, NO QUINTAL DE CASA DO FUNDADOR DA DELTA, EM CAMPO MAIOR.

É curioso que tenhas passado a infância a trabalhar e que depois acabes por criar o Centro Educativo [Alice Nabeiro], onde dás oportunidade a muitas crianças para brincarem. Querias dar-lhes uma oportunidade que não tiveste?

Essa é uma das razões. Se eu não tivesse começado quase de criança a ter tantas responsabilidades… Quem chegou à quarta classe também chegava mais à frente. Agora, uma pessoa que tem o que lhe faz falta, como eu tenho, não tem o direito de dizer: “Se eu tivesse estudado mais…” Não, eu estou tão agradecido à providência! Espero que a nossa empresa seja sempre melhor e maior, isso é uma ambição normal; mas, se com a quarta classe consegui chegar até aqui, só tenho de estar feliz. O Centro já tem dez anos e não havia nada do género em Campo Maior. Isto foi motivado por um querer, uma ambição de fazer melhor e de esbater as diferenças entre classes, porque a vida é dura para muita gente. Em Campo Maior, uma grande parte das pessoas está a viver razoavelmente bem, se bem que há ainda casos… Casos esses a que vamos dando um toquezinho. Mas mesmo as pessoas mais humildes estão razoavelmente bem. Foi com isso que sonhámos, nós todos.

“Bom dia que tivemos hoje, já ganhei 100 contos!”

Apoias muitas causas e muitas pessoas. Como é que decides a quem dás ajuda? Eu própria já recebo muitos pedidos de ajuda e nem sempre é fácil. 

Uma coisa que o avô faz é nunca dizer a ninguém que não. Às vezes, isso traz-me amarguras, mas é o melhor conselho que te posso dar: nunca dizer que não. Algumas vezes as coisas acabam por nem chegar a acontecer, mas um não, para quem está angustiado, é muito duro. “Apareça cá que a gente depois fala” é um sinal de esperança, e a esperança é a coisa mais bonita que pode haver no mundo. É o conselho que te posso dar, é rápida a resposta, mas…

…Mas é boa. Em conversa com o Emídio, o motorista, soube de uma pessoa que te vinha pedir dinheiro. Um dia chegaste ao pé do Emídio e disseste: “já ganhei dinheiro hoje”. Lembras-te disso? 

Ah sim, é verdade! Era um tipo a quem não podia dizer que não, vamos lá ver, já me tinha dado muitas provas de amizade. Na altura era muito dinheiro, eram 100 mil escudos, e ele veio falar comigo muito aflito. Eu dei-lhos, e quando cheguei ao pé do motorista, disse: “Bom dia que tivemos hoje, já ganhei 100 contos!”. Eu estava à espera de que ele me pedisse 200, e afinal só me pediu 100. Ganhei o dia! [Muitos risos.]

Que valores são mais importantes num líder? 

A minha forma de liderar consiste em conquistar as pessoas naturalmente. Não é comprando, nem dificultando. É conseguindo que as pessoas nos reconheçam com amizade. Isso conquista-se pela nossa atitude, por saber estar na vida e saber ver como o outro nos lê. O avô tem tido a felicidade de liderar assim.

Como foram os primeiros tempos a bater a portas e a ouvir “nãos”? Quando ainda ninguém sabia quem era o Rui Nabeiro? 

“Nãos” ouvi muitos, mas nunca desisti. Tinha era de pensar como é que fazia a concorrência e como é que eu havia de fazer. Foi assim que mudei o sistema de comércio: percebendo que a concorrência não se deslocava até aos clientes, não lhes dava assistência nem crédito. Eu estudei aquilo tudo e percebi que havia ali uma falha. Aos poucos e poucos começámos a vender porque facilitávamos o crédito, as máquinas, as entregas do produto eram à porta de casa… Se deu prejuízo? Deu. Mas depois deu dinheiro. Um desses dias, um deles [da concorrência] disse “olha que o Nabeiro está a caminhar” e o outro respondeu-lhe “não, esse é do Alentejo, esse anda devagar”. Mas quando se foram a benzer, já estavam benzidos. Já tinha ficado algum dinheiro pelo caminho.

O FUNDADOR DA DELTA DEMONSTRANDO NO TERRENO A SUA FILOSOFIA “UM CLIENTE, UM AMIGO”.

Como foi o momento em que decidiste abrir o teu próprio negócio?

Comecei a construir a Delta nos anos 60. Na Camelo olhávamos para o mercado espanhol com incerteza, porque as situações políticas dos nossos países eram instáveis. E eu queria ser independente, tinha mais sonhos. Nunca deixei a Camelo, levantava-me às quatro da manhã para trabalhar do outro lado. Mas não há dúvida nenhuma de que quando uma pessoa acredita que é capaz de fazer, pois faz. É assim, seja em que negócio for.

De onde tiravas as ideias?

Sonhava-as. E nunca ficava em casa. Onde quer que houvesse uma feirinha ou coisa parecida, eu caminhava para lá: Paris, Milão, Alemanha, Espanha. Vi muitas coisas no exterior que trouxe depois para cá. As ideias também nascem daí, de ver muitas coisas e falar com muita gente. A pessoa que é humilde ouve e regista, tanto que eu ando sempre com um papelinho para apontar.

E és conhecido por deixar post-its por todo o lado.

É a minha doença de tomar notas, mas notas que depois têm seguimento. Se abrir o meu bloco, há muitos papelinhos. Olha, aqui estão eles! [Risos.]

E além do bloco e dos post-its, usas o relógio e o iPad. Como vês o avanço da tecnologia?

A grande evolução que vemos hoje aconteceu nas últimas décadas, nós é que não demos conta da rapidez do avanço tecnológico. O Homem só tem a beneficiar. Robôs já nós temos há muitos anos e nunca retirámos por isso nenhum posto de trabalho, pelo contrário, aumentámos os postos de trabalho. A tecnologia serve para valorizar as pessoas e para atingir novos níveis de perfeição. A década de 2020 será grandiosa, mas a de 2030 será mais ainda, e por aí fora.

“Comecei a namorar com a tua avó com 9 ou 10 aninhos. E foi até hoje.”

Algum dia pensaste em reformar-te? Eu sei a resposta, mas… 

Nunca, reformar-me seria tornar-me inútil. Serei inútil quando cá não estiver. Agora, se Deus me der alguma falta de motivação ou de saúde, isso já não está nas minhas mãos. Se estiver nas minhas mãos, trabalho e dou espaço para trabalhar. Posso aconselhar, mas não dificulto; estou na minha casa, mas sei estar na minha casa. Agora dei mais espaço ao pai e a todos vós, não é verdade? Mas continuo a vir trabalhar, vivo aqui a dez metros, é só atravessar a rua. Começo cedinho e sempre a funcionar com a mesma ambição.

Como conheceste a avó Alice? 

Conhecemo-nos na escola primária, na quarta classe. Não havia turmas mistas, mas uns professores modernos fizeram aquele cambalacho, e foi com 9 ou 10 aninhos que começámos a namorar, aliás, a dizer que namorávamos! E foi até hoje. Já fazemos 67 anos de casados. Fui um privilegiado. Ela agora está doentinha e eu tenho a obrigação de não a largar e de estar o máximo de tempo possível com ela. Ela era uma companheira a sério, completava-me a vida. E soubemos sempre respeitar-nos. 

Além de conheceres a avó na escola, conheceste também o teu sogro… 

Ah, sim! É verdade! O meu sogro precisava de fazer a quarta classe, que não tinha, para poder entrar nos quadros da empresa, então lá veio ele para a minha carteira. É assim uma história muito grande, nunca mais acaba! Ficámos mesmo com amizade.

Achas que tens mais ou menos proximidade connosco, filhos e netos, do que tinhas com os 

teus pais e avós? Eu trato-te por tu, por exemplo, o que há uns anos podia ser visto como falta de respeito. Como vês estas mudanças? 

Nunca tratei os meus pais por tu porque ninguém tratava, mas havia carinho. Hoje em dia, os meus filhos dizem “o pai”, que não é peixe nem é carne, e vocês tratam o avô por tu. São as duas coisas assim mescladas, como dizem os espanhóis. Havendo sinceridade entre as partes, não é menos saudável. Porque realmente há troca de intimidade, de proximidade.

Lembro-me de a tia Helena uma vez dizer que tinha uma irmã que era a Delta. Achas que às vezes deste mais atenção a um filho do que aos outros? Imagino que esta seja uma pergunta difícil… 

Não é difícil, até gosto dessa pergunta. Realmente, fica muito bem gostar mais da Delta, porque ela deu-nos bem-estar a todos. De qualquer forma, não fico bem com a minha consciência dizendo que é uma coisa, quando a outra também o permitiu. Nós temos todos de venerar a Delta. Posso dar-me o privilégio de responder “Delta”, porque vocês a veneram em conjunto comigo. No fundo, queremo-nos todos à mesma, da mesma forma. De maneira que a pergunta foi fácil.

ENTREVISTADO COM A ENTREVISTADORA AO COLO, NOS ANOS 80.

“Esta herança obriga a uma atitude firme, rigorosa, forte e corajosa, para não se perder o espaço que tivemos a sorte de ter. Para isso, é preciso pensarmos e falarmos. Vocês ficam responsabilizados por manter o que há e crescer todos os dias.”

Estava à espera dessa resposta. Há ainda algum projeto que sonhes fazer? Ou que queiras deixar-nos encarregados de fazer? 

Para mim, o fim nunca é fim. É fim para quem vai andando, mas é princípio para quem começa. Eu tenho ambição para mais, mas o tempo não me permite e tenho de ter consciência disso. Nos últimos três anos, sonho fazer, mas deixo fazer. É esse o caminho de quem quer ficar em saudade na família. O avô tem esta tranquilidade toda a falar e fala sempre com carinho e atitude: o trabalho, neste momento, já não é meu; a minha ambição deve empurrar, mas não deve liderar. Devo deixar que os outros sejam líderes.

Tens sempre um jeito para responder sem me responder. Não queres partilhar qual era o projeto?

Tenho aí um projeto, mas queria vivê-lo em vida e a gente nunca sabe, com os anos que eu tenho. Tenho um espaço ali em frente ao hotel para fazer o meu espólio, que é maravilhoso. Esse é um daqueles projetos que está na minha mente. Temos ali milhares de coisas para escolher e para deixar à nossa terra.

No outro dia revisitei um livro em que, a dada altura, falavas do projeto dos vinhos. Tenho de puxar a brasa a esta sardinha… Aquilo já deve ter uns 10 anos. Dizias que eu já estava a trabalhar contigo e que vinha do marketing e da comunicação. Dizias: “eu digo-lhe que sim, mas que, para se fazer, tem de ser bem feito”. Explicavas que a área do vinho não estava ligada à nossa, a do café, e que tinhas decidido aventurar-te rodeando-te das pessoas certas. Olhando para trás, farias alguma coisa diferente neste projeto? Ou não o farias? 

De forma nenhuma, pelo contrário. Fazemos sempre mais naquilo que pudermos. Naquela altura, já havia muito vinho e este era apenas mais um que aparecia. Mas o mundo do vinho ganhou com a nossa presença. Se não quisermos dizer isto, que pode ser um bocadinho duro, então eu digo que, se fosse hoje, fazia igual. E talvez fizesse melhor. A segunda fase, que lá estava desenhada, já estaria feita!

Há alguma pergunta que me queiras tu fazer a mim? 

Uma vez que estamos a falar em vinho e que o avô abriu caminhos e pôs neles outras pessoas a caminhar… Para trabalhar bem é preciso ter visão e ser livre. Para ser livre é preciso criar um instrumento que funcione melhor. Porque se somos grandes numa coisa, podemos ser maiores noutra – podemos chamar-lhe “mayores”. Esta é uma questão, em que é a Adega Mayor que está em causa. Precisamos que cresça e que ali se faça algo mais. Outra pergunta é que, dado que temos todos uma boa relação e que estamos unidos, queria que, a cada dia, tivéssemos uma união ainda maior e pudéssemos fazer disto um exemplo para o futuro. Porque a nossa empresa, e não é por vaidade que o digo, é uma referência a nível nacional. Criámos riqueza em muitos sítios e, por isso, temos a obrigação de nos aperfeiçoarmos. E conversas como esta – que é para um trabalho, mas que no fundo serve para que possamos conversar – são importantes. Temos de fazer melhor, mas com a união acima de tudo, porque só assim chegamos longe.

FORAM MAIS DE DUAS HORAS DE CONVERSA DIVIDIDA ENTRE OS ESCRITÓRIOS DA DELTA E A CASA DE ALICE E MANUEL RUI NABEIRO, MESMO DO OUTRO LADO DA RUA. ÀS MUITAS PERGUNTAS QUE LEVAVA PARA FAZER AO AVÔ, RITA FOI ACRESCENTANDO TODAS AQUELAS DE QUE SE FOI LEMBRANDO – ATÉ AS MAIS DIFÍCEIS.

Se estou a trabalhar aqui hoje, com a família, em grande parte devo-to a ti. Eu sei que ao início tu me olhavas com estranheza, sobretudo quando me vias chegar de ténis – e ainda hoje tenho uns sapatos esquisitos. E o facto de vir de uma área completamente diferente, ao princípio, fazia-nos sentir que não tinha o conhecimento necessário.

Isso ninguém tem antes de começar, não é?

O que me levou a vir trabalhar com a família foi poder aprender contigo, com esse teu lado humano. Para mim, esta empresa, perdendo os seus valores essenciais, deixa de ser o que é. Agora, obviamente, há coisas que temos de sonhar e acrescentar, como dizes e bem. Vamos a outra pergunta. Lembro-me de ser pequenina e de a fábrica estar a ser construída. Lembro-me de que, no sítio onde hoje é a fábrica, estava um monte tradicional alentejano. Eu nunca imaginaria que aquilo seria o que agora é. Hoje em dia, os teus bisnetos já têm 11 anos e qualquer dia já estão crescidos… Eu sei que tu não gostas de responder a estas questões…

Diz lá. Eu respondo a tudo!

É que tu vais dizer: “isso agora é para vocês”. Mas como é que tu imaginas a Delta daqui a 50 anos?

Esta herança obriga a uma atitude firme, rigorosa, forte e corajosa, para não se perder o espaço que tivemos a sorte de ter. Para isso, é preciso pensarmos e falarmos. Vocês ficam responsabilizados, que já estão, por manter o que há e crescer todos os dias, porque há espaço para isso. E aquilo que as pessoas dizem de mim também já começam a dizer de vós, não é verdade? O que eu desejo é que daqui a 50 anos, quando vocês já tiverem a minha idade, digam o mesmo que eu estou a dizer aqui nesta conversa aos nossos pequerruchos. Porque há família para isso.

Tenho 39 anos. Em que fase estavas tu aos 39? 

Com os meus 39 anos, era uma pessoa realizada, ia a todas. Já tinha uma realidade em cima de mim, um caminho percorrido que me dava muita segurança, mas estava sonhando com mais futuro. E tu, com os teus 39 anos, também podes pensar sobre ti assim.  É isto que posso dizer-te nesta entrevista aberta e franca.

Obrigada. Acho que podemos continuar depois a conversa, e vamos continuar certamente. Obrigada.