Helena Nabeiro
No Centro de Ciência do Café desde o primeiro dia
O Centro de Ciência do Café era um sonho antigo de Rui Nabeiro, concretizado no dia em que comemorou 83 anos, a 28 de março de 2014. “Sou um sonhador do conhecimento. Cada um é dono da sua atitude, e a minha é o conhecimento e espalhá-lo pelas outras pessoas”, afirmou na inauguração do edifício de 3500 metros quadrados desenhado pelo arquiteto João Simão.
A fachada envidraçada virada para o vinhedo da Adega Mayor, junto às instalações da fábrica da Delta, a dois minutos de Campo Maior, marca o evoluir do anterior Museu do Café – ampliado, modernizado e transformado – para o Centro de Ciência do Café, há exatamente 10 anos. E demorou apenas mais um a ser distinguido pela Associação Portuguesa de Museologia com o Prémio Museu Português, mérito de quem cuidou do Centro desde o início e da sua equipa: Helena Nabeiro.
Helena Nabeiro
O atual centro de interpretação, divulgação científica e tecnológica é um dos projetos que a administradora do Grupo Nabeiro tem abraçado com maior intensidade. Já era assim antes de o Centro ser Centro – foi à filha de Rui Nabeiro que coube a missão de inaugurar o anterior Museu do Café, em dezembro de 1994. Há quase 30 anos que D.ª Lena – como lhe chamam os amigos – tem responsabilidade sobre tudo o que diga respeito ao espaço museológico do Grupo, as suas atividades, exposições temporárias e curadoria da coleção permanente.
“O Centro de Ciência do Café pretende ser um centro de encontro de pessoas das mais diversas áreas e interesses”, explica a administradora, “dispondo para isso de um espaço de exposições temporárias onde, lado a lado com a ciência, pretendemos fomentar a difusão da arte e da cultura”.
É um espaço pensado para todos os públicos, pleno de interação, componentes multimédia e exposições que contam a história do café e de tudo o que o envolve. Na entrada, o chão revela as pegadas do Mico Estrela, pequeno roedor que é visita habitual nas plantações de café no Brasil e que é a mascote do Centro de Ciência do Café. As suas pegadas indicam o trajeto. Sigamo-las.
“O CCC pretende ser um centro de encontro de pessoas das mais diversas áreas e interesses”, diz Helena Nabeiro, “dispondo para isso de um espaço de exposições temporárias onde, lado a lado com a ciência, pretendemos fomentar a difusão da arte e da cultura.”
Fauna e flora
Como numa plantação de café, mas dentro de portas
As pegadas do Mico Estrela começam por nos levar à zona da estufa, onde é recriado o clima húmido de uma plantação de café com vistosos cafeeiros das espécies arábica e robusta. Aqui, os visitantes podem ver algo único na Europa: plantas de café com os frutos que vão originar os grãos verdes que serão torrados, moídos, extraídos e servidos numa chávena. Algo único, mas só em Portugal continental, já que no arquipélago dos Açores as condições climáticas permitem hoje à Delta algo que se julgava impossível: produzir café em escala.
Além do calor e humidade que se sente, e do cheiro da terra, duas vezes por ano as estufas ganham um interesse acrescido: a possibilidade de ver ao vivo cafeeiros em flor. É um fenómeno que dura três dias apenas, garante Cristina Gameiro, museóloga e curadora do Centro de Ciência do Café.
A experiência é complementada com infografias e textos de suporte espalhados pelo Centro. Neste caso, sobre sistemas de plantio, a poda, as condições do solo, o fruto do café, a colheita e o que se faz a seguir com os bagos de café. “As pessoas vêm também para conhecer a planta, a flor, a fruta, e para se aperceberem daquele clima tropical.”
Resolvida a questão da flora, segue-se a fauna. À saída da estufa, passando por paredes forradas de informação enciclopédica sobre a cultura de café no mundo e os maiores países produtores, outra sala mais pequena convida à visita. É a sala dos insetários, que revela os insetos presentes nas plantações de café. “Todos têm a sua função”, explica a museóloga. “Temos os insetos bons e os maus, os que introduzem as pragas e os que vão fazer a limpeza das raízes dos cafeeiros, que comem os frutos podres e polinizam as plantas.” Como curiosidade, todos os insetos expostos são provenientes de países produtores de café de língua portuguesa, como é o caso de Angola, São Tomé ou Timor.
Além do calor e humidade que se sente, e do cheiro da terra, duas vezes por ano as estufas ganham um interesse acrescido:a possibilidade de ver ao vivo cafeeiro sem flor. É um fenómeno que só dura três dias.
A história do café…
Das origens da bebida até à chegada a Portugal
O percurso reserva aos visitantes várias experiências sensoriais, como colocar-se na pele de um grão verde de café durante a torra, ao entrar numa bola de torrefação que simula o processo. Mas antes, uma curta-metragem de animação com apenas sete minutos, A Lenda de Kaldi, mostra-nos as origens ancestrais do café, oriundo no séc. XIV do chamado “Corno de África”, presume-se que da Etiópia.
Chegámos ao piso superior, à ala dedicada à História, a explicar como é que Portugal, não sendo produtor, tem uma longa tradição no café. A resposta curta é: foi no reinado de D. João V, no início do séc. xviii, que se começou a desenvolver o comércio de café. Eis a resposta longa: porque o rei, tendo tido conhecimento de que os franceses e ingleses comercializavam café nos mercados internacionais, ao contrário dos portugueses, enviou Francisco de Mello Palheta à Guiana Francesa com a missão de levar plantas de café para o Brasil, onde o clima seria propício à produção.
“Conta-se que Francisco de Mello Palheta chegou à Guiana Francesa, mas não conseguia que o governador lhe vendesse as plantas. Contudo, durante a estadia estabeleceu um relacionamento forte com a mulher do governador, e foi ela, quando percebeu que ele ia voltar ao Brasil sem a planta, que lhe ofereceu um ramo de flores – e nelas iam escondidas as cerejinhas, o fruto que dá as sementes de café”, conta Cristina Gameiro, licenciada em História e pós-graduada em Museologia. “Ainda hoje se comercializa no Brasil a marca de cafés Palhete.”
Um vídeo interativo simula viagens marítimas a bordo de um galeão. À medida que viaja de porto em porto, o visitante vai aprendendo um pouco de história. Aprende, por exemplo, como era a vida a bordo. A comida que apodrecia. A importância do aguadeiro, a pessoa responsável por racionar e distribuir água à tripulação. Também aprende – ou é recordado – de que não era só café que vinha das colónias para a capital do império: em diferentes períodos da expansão marítima portuguesa, os barcos vinham carregados de ouro, diamantes, especiarias, cacau ou escravos. Um vídeo interativo simula viagens marítimas a bordo de um galeão.À medida que viaja de porto em porto, o visitante vai aprendendo um pouco de história.
… e o café na história
Dos cafés mais emblemáticos ao contrabando na raia
Para Cristina Gameiro, um dos principais chamarizes do Centro de Ciência do Café é a interatividade e modernidade associadas ao espaço e à museografia. Todos os conteúdos foram pensados de uma forma didática e lúdica para que pessoas de todas as idades aprendam enquanto se divertem. “O espaço tem 10 anos e nesse período foi constantemente melhorado, o software atualizado e o património conservado nas melhores condições.”
Exemplo disso é a mesa disposta à frente de um ecrã verde na zona dos cafés históricos. Os visitantes são convidados a sentarem-se e a tirarem uma fotografia com um fundo digital que os transporta virtualmente para os cafés mais emblemáticos do país, como o Majestic, no Porto, o Martinho da Arcada, em Lisboa, ou o Luiz da Rocha, em Beja. A fotografia é enviada automaticamente para o seu email ou redes sociais. “Serve para nos lembrarmos de que os cafés já foram muito mais do que simples locais para se tomar uma bebida”, diz. “Hoje estão muito virados para o turismo, mas antigamente serviam de ponto de encontro de políticos, de intelectuais, artistas, estudantes, homens de negócios.”
Noutra sala, ainda no piso superior, ouvem–se as histórias de quem dedicou a vida ao contrabando do café, atividade que sustentou famílias inteiras num tempo de miséria, nas décadas de 1930 a 1960. “O contrabando na fronteira esteve na base do desenvolvimento económico não só de Campo Maior, mas de toda a região”, lembra a museóloga.
Aqui o analógico funde-se com o digital. Numa ponta está uma saca de café com uma pega adaptada que permitia levá-la como uma mochila e o cinto-fiador onde cabia um quilo – se a guarda aparecesse, largava-se a saca para agilizar a fuga, mas não o cinto. Na outra está um videojogo, para dois jogadores, em que nos tornamos contrabandistas: o objetivo é percorrer um trajeto fugindo à guarda, até os jogadores conseguirem passar café para o outro lado da fronteira. Quanto mais rápido forem, mais pontos ganham.
Noutra sala, ainda no piso superior, ouvem-se as histórias de quem dedicou a vida ao contrabando do café, atividade que sustentou famílias inteiras num tempo de miséria, nas décadas de 1930 a 1960.
O antigo museu
Arte, cultura e as coleções em exposição
“De todos os cafés do mundo, tinhas de entrar no meu”, diz a personagem de Humphrey Bogart à de Ingrid Bergman em Casablanca. Em La Dolce Vita, Federico Fellini mostra os movimentados cafés das elegantes ruas de Roma. A atriz Jeanne Moreau tem um dos seus melhores desempenhos em Os Amantes de Montparnasse, que dá palco ao histórico Café Domme, um clássico entre cafés parisienses. Estes são apenas três exemplos de cafés que deixaram a sua marca na sétima arte. Um painel interativo no piso térreo mostra cenas de filmes – destes e doutros – em que estrelas de cinema partilham o protagonismo com cafés.
Finda a sessão cinematográfica, entra-se no espaço museológico do Centro de Ciência do Café, onde as coleções de objetos históricos, culturais e tecnológicos associados ao café estão em exibição permanente. É assim desde os tempos do Museu do Café, que funcionou entre 1994 e 2014, ano de inauguração do CCC. “Passámos de um antigo museu com 800 m² para este Centro com 3500 m²”, aponta Cristina Gameiro, que começou a sua ligação ao Grupo Nabeiro precisamente em 1994.
As coleções do Museu – como as de antigas torradoras, moinhos, máquinas de café de saco, máquinas de balão com lamparina e outras máquinas de café domésticas e industriais – transitaram para o Centro. Em exposição está o património da Delta, como a primeira chávena de faiança, da década de 1970, mas também muitas chávenas da concorrência, porque, como explica a museóloga: “Este não é o Centro de Ciência da Delta, é o do Café.”
Novamente no piso superior, mas agora por cima da receção, virado para as vinhas, encontra-se o espaço que recebe exposições temporárias. Há também uma pequena biblioteca dedicada ao tema habitual, com livros e revistas de especialidade, e uma sala de leitura.
As coleções do Museu – como as de antigas torradoras, moinhos, máquinas de café de saco, máquinas de balão com lamparina e outras máquinas de café domésticas e industriais – transitaram para o CCC.
Experiência sensorial
O Centro de Ciência do Café é para se ver com todos os sentidos
Na Mesa de Aromas, os visitantes são desafiados para uma prova cega. “Não é diferente de uma prova de vinhos”, garante Cristina. A diferença é que nada se bebe, tudo se cheira. Por baixo de cada torneira disposta na mesa, há uma superfície espelhada e um botão. Ao primeiro premir do botão é disparado um aroma. Encosta-se o nariz e tenta-se perceber qual será. Baunilha, menta, avelã, jasmim, canela e limão são as hipóteses. Acha que sabe? Prima uma segunda vez e a superfície espelhada revela a resposta.
Depois de dar uso ao olfato, é altura de ver com as mãos. Isto é, de encher as mãos de grãos de café da variedade arábica, de robusta, de mocca, e de sentir as diferenças. E ao lado, continuando a dar uso aos sentidos, segue-se uma análise sensorial ao café, tal e qual como a que os técnicos da Delta fazem no laboratório para aferir a qualidade dos grãos. Aos visitantes é dado a provar café 100% arábica e café 100% robusta. A cuspideira só é usada se quiser, mas saiba que faz parte do processo.
Se não sofrer de claustrofobia, a bola de torra virtual é uma experiência imperdível. É, aliás, muito provável que não tenha outra oportunidade de se pôr na pele de um grão de café verde enquanto é sujeito às temperaturas extremas de uma torra – a não ser que volte ao Centro de Ciência do Café. E quer se trate de um regresso ou de uma estreia, as crianças são mais do que bem-vindas. De facto, Cristina Gameiro conta que ao fim de semana há muitos pais que vêm a pedido dos filhos.
A culpa é do Coffee Kids: espaço dedicado aos mais pequenos, onde estes podem pular para dentro de uma uma piscina de bolas em forma de chávena gigante e pintar nas paredes com canetas digitais de onde não sai tinta, mas que indicam ao projetor no teto para onde fazer incidir a “tinta digital”. Enquanto isso, os graúdos podem aproveitar para aprender como se tira o expresso perfeito, quais os benefícios do café ou desconstruir mitos acerca do descafeinado.
Depois de dar uso ao olfato, é altura de ver com as mãos. Isto é, de encher as mãos de grãos de café da variedade arábica, de robusta, de mocca, e de sentir as diferenças.
Eternamente Rui Nabeiro
O legado do Comendador e o café, sempre o café
Nunca é de mais lembrar que o Centro de Ciência do Café incide sobre um universo que extravasa as já de si vastas fronteiras do Grupo Nabeiro. Por outras palavras, este não é o Centro de Ciência da Delta. Ainda assim se verifica, sem surpresa, que também o café da Delta motiva romarias – em mais do que um sentido.
“Muitos chegam e perguntam pela fábrica. Querem ver o local de onde sai o café que bebem todos os dias”, conta Cristina Gameiro. “Como a fábrica não pode ser visitada, porque instalações de transformação de produto alimentar são de acesso restrito, vêm ao CCC para ganhar uma ideia sobre o trajeto que o café percorre até chegar à chávena.”
Também há quem o visite por causa do Senhor Comendador. “Neste ano que passou desde o seu desaparecimento, o Centro começou a receber visitas de quem não o chegou a conhecer em pessoa, e que por isso agora quer conhecer melhor o seu legado”, diz Cristina Gameiro. A museóloga recorda a visita recente de um casal de militares reformados: “Vieram cá, almoçaram na Herdade dos Adaens, visitaram o Centro e a Adega Mayor, e ainda foram ao cemitério deixar uma flor.”
Desde o dia 28 de março, data de aniversário de Rui Nabeiro, já é possível conhecer melhor o legado do fundador da Delta sem sair do Centro de Ciência do Café. Foi o dia em que foi inaugurada a primeira fase de uma exposição dedicada à sua vida e obra, “E/Ternamente Rui Nabeiro”, que irá expandir-se ao longo do ano com novas fases e pode ser visitada até 28 de março de 2025.
Depois, há os que regressam com uma regularidade quase semanal. São os fiéis apreciadores de um blend de café criado por Rui Nabeiro, cuja proporção de arábica e robusta é segredo, e que se vende apenas aqui, na loja Alquimia do CCC. Regressam para repor o stock de café em casa – é vendido a granel, em grão ou moído na hora, tal como os outros cafés de especialidade de várias origens – e aproveitam para o pedir também na chávena, preparado por baristas com formação específica que lhes permite extrair o café de forma a tirar todo o partido das suas qualidades.
Quem queira aprender a tirar o expresso perfeito está no sítio certo. Além da Academia Barista, que forma profissionais e curiosos que procurem intensificar a sua relação com o café, também na loja Alquimia é possível fazer workshops e degustações. Para apreciadores de café, não há outro lugar como este.
Há quem regresse com uma regularidade quase semanal.São os fiéis apreciadores de um blend de café criado por Rui Nabeiro, cuja proporção de arábica e robusta é segredo, e que se vende apenas no CCC.