O Walk&Talk emergiu no meio do Atlântico em 2011, tornando–se um ponto de encontro entre artistas e curiosos e transformando as ruas de São Miguel num museu aberto a todos. Na altura, um retrato de Alexandre Farto aka VHILS esburacou as paredes do Arco8, junto ao mar, abrindo caminho para uma série de manifestações artísticas no território. As edições seguintes consolidaram o festival, apoiado pela Delta Cafés desde o primeiro momento, como um evento além-periferia – e além-paredes.
Em 2014, o W&T passou a integrar uma residência dedicada ao artesanato, a RARA, e, um ano depois, VHILS voltou a deixar a sua marca, desta vez em Rabo de Peixe. Entre 2016 e 2018 estendeu-se à Terceira e, em 2017, Vânia Rovisco criou um espectáculo de dança e paisagens visuais com bailarinos-intérpretes da ilha, enquanto Paulina Valente Pimentel fotografava a juventude de São Miguel, num trabalho intitulado “O Narcisismo das Pequenas Diferenças”.
Em 2020, quando toda a gente se fechava em casa, o W&T abria a sua: a vaga, no centro de Ponta Delgada. Expedições, excursões, conferências, residências, teatro, jantares, jogos de futebol, festas, tudo passou a caber nos 12 anos de programação idealizada pelos diretores artísticos Jesse James, Sofia Carolina Botelho e Luís Brum.
Em 2025, o W&T mudará de forma e passará a bienal. Jesse James desvenda à revista ddd que a curadoria será toda feita no feminino, por pessoas vindas de vários países que se debruçarão sobre o conceito de propriedade e abundância. Durará dois meses e muda de estação, passando para setembro.
Coordenado por Miguel Marques Mesquita, o catálogo O que não sabes merece ser descoberto, com quase 600 páginas, foi lançado em abril na vaga, em Ponta Delgada (juntamente com uma exposição-arquivo sobre os 12 anos do festival) e, mais recentemente, em Lisboa.
Jesse James folheou o catálogo com a DDD e escolheu 12 momentos que o marcaram, um por ano.
2011
Jesse destaca o mural de VHILS no Arco8, peça icónica num dos espaços mais emblemáticos da ilha. O Arco8 era uma instituição cultural de referência, que gerou movimentos de arte alternativos em São Miguel. “Ocupar os espaços e criar uma relação espontânea com o público mudou o paradigma”, diz Jesse. A arte e a cultura passaram a estar nas conversas de café, nem que fosse para questionar e comentar o seu valor. “Há aí umas pessoas a gastar dinheiro a pintar paredes”, dizia-se.
2011 VHILS
2012
“Quase tudo correu muito bem nesse ano”, conta Jesse, sobre a edição em que o W&T saltou das paredes e assumiu o formato de festival de arte pública, um ponto de encontro para “as múltiplas expressões artísticas contemporâneas, sejam estas arte urbana, instalação, performance ou quaisquer outras manifestações que decorram no espaço público”. Mas há um feito que marca a edição: a abertura da galeria Walk&Talk, espaço que esteve aberto até 2016, junto ao Teatro Micaelense.
2013
Foi o ano em que se despegaram da imagem de “festival das paredes”. Nesta edição começaram as festas, as conversas, as primeiras residências e exposições com outros formatos. Foi quando definiram os projetos colaborativos que queriam fazer. Jesse destaca o espectáculo “A Ilha”, de Victor Hugo Pontes e Marco da Silva Ferreira, com o coletivo de dança de São Miguel 37.25, que se estreou no Teatro Micaelense. A peça resultou de uma residência de três semanas e tem como tema a insularidade.
2013 A ilha
2014
Marcou o arranque da RARA, acrónimo para Residência de Artesanato da Região dos Açores, com curadoria de Miguel Flor e, atualmente, com vida própria extrafestival. Tecelagem, cerâmica, tipografia, trabalho de madeiras (com predominância da local criptoméria), foram algumas das técnicas trabalhadas por artesãos e artistas ao longo dos anos. Bráulio Amado, Célia Esteves, Júlio Dolbeth e Sam Baron foram alguns dos criativos que colaboraram com artesãos locais como a Cerâmica Vieira ou a Tipografia Micaelense.
2014 RARA
2015
A exposição “Gente Feliz com Lágrimas” foi o momento marcante desta edição. O projeto de João Pedro Vale e Nuno Alexandre Ferreira definiu uma nova bitola para o festival. “Então é isto que é fazer uma exposição!”, sentiu Jesse na altura. Descobriram novas formas de fazer, sem o formato estanque habitual. O diretor artístico realça o carácter didático da dupla para com o festival. “Eles sugeriram-nos livros para ler, ir ver a exposição do artista A ou B…”, diz. “Foram muito generosos connosco e com o lugar, com todas as pessoas com quem interagiam na ilha. A exposição foi um rasgo, com uns miúdos a fazer uma performance, elemento que causava surpresa.”
2015 Gente Feliz com Lágrimas
2016
É das edições preferidas de Jesse. Tal como 2012, correu “sem problemas”. A programação já não estava toda assente na equipa do festival. Cada área tinha um curador dedicado e até passaram a ter uma imagem, fruto da parceria com o estúdio de design vivóeusébio. Nasceu o projeto do Quarteirão, assinado pelos Orizzontale, “mais implicado com o espaço e na transformação/reflexão urbana. Foi um processo participativo e que criou uma nova praça na cidade”, diz Jesse.
2016 Orizzontale
2017
O circuito de arte pública com a participação dos KWY [ateliê de arquitetura multidisciplinar e colaborativo sediado em Lisboa] marcou o início das viagens informais pela ilha. “Houve um refinamento nesse circuito. Todos os momentos que estou a referir foram de grande transformação, de aprendizagem e transformadores, mas, por exemplo, os KWY queriam as peças prontas todas ao mesmo tempo, o que quase aconteceu”, explica. Nessa edição participaram ainda os artistas Teresa Braula Reis, Akane Moriyama ou Mark Clintberg.
2017 Akane Moriyama
2018
O momento alto foi a construção do primeiro pavilhão, pelo Mezzo Atelier, que em 2016 tinha feito a curadoria do circuito de arte pública e antes, em 2014, participado nos workshops e residências de arquitetura do festival. Erguido no meio da praça em frente ao Teatro Micaelense, tornou-se o centro onde tudo acontecia. “Mudou a relação de muitos públicos com o festival, até pelo facto de ser um espaço sem paredes. Foi a primeira vez que vi miúdos do secundário a vir ao festival”, conta Jesse. “Até podiam vir só pelas festas, nunca saberemos”, ri.
2019
A “Expedição: Empatia”, com curadoria dos The Decorators, foi revolucionária na história do festival. “Eles queriam levar as pessoas numa viagem e as peças tinham de estar prontas ao mesmo tempo. Parecia–nos impossível, mas aconteceu”, diz Jesse. Cerca de 180 pessoas circularam em autocarros e carros particulares por sete projetos espalhados ao longo da ilha. A mostra–performance incluiu um jantar de Inês Neto dos Santos, uma artista que trabalha com fermentados. Jesse destaca ainda a construção de uma mesa para 100 pessoas na zona dos cozidos da lagoa das Furnas, com um buraco e uma roldana para içar as panelas do chão.
2019 Circuito ilha
2020
Jesse escolheu uma imagem da equipa e da experiência coletiva em pandemia. “Estávamos todos a pensar sobre o futuro”, recorda. Na impossibilidade de cumprir a programação prevista, o W&T improvisou uma edição diferente, com predominância para o digital e para a comunicação à distância. Nesta edição – que deveria ter sido a 10.ª, mas acabou por ser, fruto das circunstâncias, a 9,5.ª – surgiu o espaço da vaga, ainda em projeto. “Há uma imagem muito bonita nossa lá, mas sem artistas e sem ninguém, com alguma ausência, mas também esperança.”
2020 Residência
2021
O diretor artístico destaca as excursões, com curadoria de Rita Serra e Silva, a lembrar os passeios de infância com a escola. Fizeram uma em cada dia do festival, como se fossem microfestivais diários. “Era mais fluído e híbrido. Usámos os projetos como forma de criar uma estrutura para a excursão.” Entre os guias estavam cientistas, geólogos, pessoas ligadas aos serviços agrários e um cozinheiro, além dos artistas. A equipa do Walk&Talk sentiu que este era o futuro do festival e a base para a bienal, criando três níveis de conversas: artistas, especialistas e território.
2021 Excursão
2022
O “Soundsystem”, sistema de som móvel criado por Sérgio Coutinho e Francisco Antão, deu ainda mais mobilidade ao festival: a sua instituição é a rua e as pessoas que se juntam à sua volta. “É um contraponto entre o primeiro e o último ano. Os murais eram uma estrutura muito fixa, ligada à arquitetura, por oposição ao último ano, com um programa que é um soundsystem que viaja pela ilha e tanto faz uma festa na praia como uma palestra-performance no jardim António Borges [em Ponta Delgada]”, explica Jesse James.
2022 Soundsystem