Fosse através das empresas, da associação Coração Delta ou a título pessoal, o senhor Rui” estava sempre disponível para ajudar os mais desfavorecidos. Gosto de ver o sorriso das pessoas”, dizia.

O que é preciso para se ser um bom empresário? “Ser-se uma pessoa séria e honesta, trabalhadora” e, acima de tudo, não pensar só em si, mas pensar também nos outros: “Não sou eu, somos nós.” Estes eram os conselhos de Rui Nabeiro numa das entrevistas que deu por altura do seu 90.º aniversário. Em Campo Maior, era conhecido pelo café e pelo espírito empreendedor, mas também pela sua generosidade. “Àquela porta podia bater-se sempre”, ouve-se dizer mais do que uma vez. Àquela porta batiam todos os dias. A pedir emprego, a pedir conselhos, a pedir dinheiro, a pedir ajuda. “Até carros lhe pediram”, conta a antiga secretária, Teresa Anastácio. A todos Rui Nabeiro recebia, ouvia e, quase sempre, atendia. Ainda em dezembro do ano passado, quando a região foi afetada por enormes cheias, “apareceu um casal com filhos pequenos, que tinha ficado sem casa, e o senhor Rui cedeu-lhes uma casa que tinha vazia”, lembra a secretária. “Aqui vem sempre muita gente, porque sabem que eu não digo que não”, garantia o empresário.

Teresa Anastácio, que trabalhou na Delta mais de 30 anos, como secretária de Rui Nabeiro, recorda que “a preocupação dele era sempre tentar melhorar a vida de todos os que o rodeavam”. Fosse através da Delta, sempre disponível para participar em ações de solidariedade, fosse a título pessoal, essa preocupação esteve presente ao longo da sua vida. “Ele tentava sempre ajudar, tinha uma generosidade grande e um desapego enorme aos bens.”

Até que, em 2004, pensou que poderia fazê-lo de uma forma mais estruturada e convidou Dionísia Gomes para pensar aquilo que, três anos mais tarde, seria a Coração Delta, associação de solidariedade social do Grupo Nabeiro, que identifica as necessidades sociais existentes no concelho e procura soluções que complementem aquelas que já existam, sem se sobrepor. “O sonho do senhor Rui era ter um espaço em Campo Maior que pudesse ajudar a conciliar a vida profissional, pessoal e familiar dos seus colaboradores. Como visionário que era, pensou que este espaço poderia trabalhar sobretudo com as crianças, porque são elas o futuro de Campo Maior.” A Coração Delta tem projetos na área da saúde, das necessidades especiais e do apoio aos idosos, mas é o trabalho com as crianças e os jovens que mais se destaca, afirma a presidente. 

O Centro Educativo Alice Nabeiro nasceu para apoiar as crianças, primeiro com valência de pré-escolar (a Sala Mágica); depois com o atl Centro de Talentos, para miúdos dos 6 aos 10 anos, abrindo-lhes horizontes com atividades ligadas à ciência, música, artes, informática, inglês e outras. “E, muito importante, ele queria que fossem crianças empreendedoras, proativas, que tivessem ideias e que lutassem para pôr essas ideias em prática”, conta Dionísia Gomes. “Criámos o projeto ‘Ter ideias para mudar o mundo’, em que ajudamos a concretizar um sonho ou uma ideia de cada criança. Porque acreditamos que o empreendedorismo se treina.”

Para os jovens, a Coração Delta tem o ‘Promove-te’, projeto de apoio à integração na vida ativa, dando oportunidade “a que cada jovem descubra o seu talento ou aquilo que mais gosta de fazer: não se trata só de arranjar um emprego, mas de encontrar o trabalho certo”, explica Dionísia. 

Rui Nabeiro acompanhava o trabalho do Centro Educativo Alice Nabeiro e da Coração Delta “diariamente”, “estava sempre presente em tudo”. “Ele gostava muito de crianças”, afirma também Teresa Anastácio. “Tinha muita paciência para todas as crianças, da família e não só. Possivelmente porque nunca teve tempo para ser criança” – teve de começar a trabalhar muito cedo, só estudou até à quarta classe e sempre soube como a vida é mais difícil para aqueles que têm pouco. 

Conceição Zagalo, empreendedora social que trabalhou durante muitos anos na ibm, recorda a disponibilidade de Rui Nabeiro para, através da Delta, apoiar projetos que pudessem trazer alguma mais-valia a Campo Maior, sobretudo os que estivessem relacionados com os jovens. Um desses exemplos é o Ex.ite que, por duas vezes, se realizou em Campo Maior, permitindo a raparigas dos 10 aos 13 anos aprofundar competências nas áreas da ciência, matemática e engenharia: “O senhor Rui ficou muito entusiasmado com a ideia de mostrar às raparigas que poderiam trabalhar na área da engenharia ou da programação”, recorda Conceição Zagalo, que iniciou ali uma amizade muito próxima com Alice e Rui Nabeiro. “Ele gostava de ajudar, mas, mais do que dar dinheiro ou resolver problemas circunstanciais, o que também fazia quando era necessário, gostava de ajudar as pessoas a resolverem os seus próprios problemas, daí a preocupação com a educação, a formação, o emprego. Esse era o seu principal ensinamento.”

“Como é que pode este lado estar bem e o outro lado estar mal?”, perguntava Rui Nabeiro. “Gosto de ver o sorriso das pessoas”, confessava. E não estava a falar só de ver as pessoas felizes, mas também de ver as pessoas sorrirem com orgulho nos seus dentes. A verdade é que “ajudou” a colocar “muitas dentaduras”, contava. Começou por ser uma coisa pontual, até que o empresário teve a iniciativa de contactar o dentista Roberto Rauen e estabelecer uma parceria através da Coração Delta, que identificava os pacientes que precisavam de cuidados médicos e os reencaminhava. A clínica junto à praça de Campo Maior ficou sem mãos a medir. O médico recorda a figura “perseverante”, “humanitária”, que “acreditava na dignidade” de todas as pessoas.

Como o próprio Rui Nabeiro explicou: “Isto foi motivado por uma ambição de fazer melhor e de esbater as diferenças entre classes, porque a vida é dura para muita gente. Em Campo Maior, uma grande parte das pessoas está a viver razoavelmente bem, se bem que há ainda casos… Casos esses a que vamos dando um toquezinho. Mas mesmo as pessoas mais humildes estão razoavelmente bem. Foi com isso que sonhámos, nós todos.”