Uma fatia mais fresca e acidentada, para muitos desconhecida, onde abundam os pontos de interesse e as paragens obrigatórias. Das vilas-postal, como Marvão ou Castelo de Vide, às majestosas tapeçarias de Portalegre, passando por propostas tão surpreendentes como um supper club criativo ou uma linha de comboio para percorrer a pedal.
Marvão
Não há vila que simbolize melhor a expressão Alto Alentejo do que a de Marvão, que está 860 metros acima do nível do mar. Guardado pelas muralhas de um castelo cuja história acompanhou a do país – da conquista por D. Afonso Henriques à ocupação francesa durante as Invasões – o casario branco disposto pelas ruelas convida a passeios demorados para a descoberta de recantos fotogénicos ou pequenas lojas, como a Mercearia de Marvão, reprodução de uma típica mercearia alentejana com produtos locais.
Será numa dessas ruelas estreitas de Marvão que irá nascer o projeto gastronómico de Daniel Boto e José Diogo Branco que, para já, são os anfitriões do supper club Fago, na Casa de Galegos – um alojamento local nos arredores da vila que é propriedade de Daniel. José Diogo, o chef, cria menus temáticos dedicados a viagens, com passagens por Espanha, Inglaterra ou Abu Dhabi, em que mistura de forma criativa o produto e o receituário local com influências dessas paragens.
A curta distância de Marvão está, também, a aldeia de Beirã e a respetiva estação ferroviária. Desativada desde 2012, serve de sede à Rail Bike Marvão, empresa que organiza passeios a pedal, em viaturas comunitárias que encaixam no carril e permitem, assim, desfrutar de uma viagem única, em pleno coração do Parque Natural da Serra de São Mamede. Há dois percursos disponíveis, com 15 e 32 quilómetros de extensão. Ambos começam e acabam na estação, que também alberga o Cais Coberto, um simpático bar que pertence aos mesmos responsáveis e o alojamento Trainspot Guesthouse, boa sugestão para dormidas na zona.
Castelo de Vide
Chamam-lhe a Sintra do Alentejo e não será difícil perceber porquê. As semelhanças começam no contexto geográfico, ambas são vilas serranas, continuam nos respetivos microclimas e acabam nas judiarias, bairros onde se concentravam os judeus, primeiro, e depois os chamados cristãos-novos (judeus convertidos). A judiaria de Castelo de Vide é especialmente importante devido à quantidade de judeus espanhóis que aqui procuraram refúgio depois de 1492.
Essas ruas apertadas e becos esconsos são hoje motivo de atração e, consequentemente, visita de muitos turistas. Tal como o é a antiga Sinagoga, hoje museu. Numa dessas ruas, encontramos a Casa de Chá Belmira, onde Belmira Branquinho, a anfitriã, faz os melhores biscoitos e boleimas da vila. Boleima essa que, também ela é um bolo de origem judaica, já que deriva do pão ázimo judeu. Está tudo ligado, portanto.
A pacatez de Castelo de Vide pode torná-la, à primeira vista, uma localização inesperada para encontrar um bar de cerveja artesanal. Mas é precisamente isso que acontece desde o final de 2019, altura em que os responsáveis da Barona – marca local com provas dadas neste campeonato – decidiram celebrar cinco anos de existência com a abertura de um espaço próprio, onde não só têm à venda o seu portefólio de cervejas engarrafadas como outras experiências que vão fazendo e colocando nas 12 torneiras disponíveis. E nem tudo é cerveja: além de servirem diversos cocktails e outras bebidas, para agradar a um público que querem o mais heterogéneo possível, têm também disponível a gama de café biológico da Delta.
Portagem
Em Portagem, existem dois restaurantes e um hotel com o mesmo nome do rio que atravessa a aldeia: Sever. Junto à margem, hotel e restaurante, uma casa mais gastronómica, onde não faltam clássicos do receituário alentejano.
Mais acima, a churrasqueira, Sever Grill, onde a grelha é rainha. Foquemo-nos nesta. Na ementa, não faltam propostas com cogumelos, muitos deles apanhados e bem-tratados por Filipe Pinto, responsável pelo espaço.“O meu telemóvel é só fotografias de cogumelos e da minha neta”, brinca. Apanha 36 tipos diferentes, de novembro a maio, e destaca aqueles que “até parecem carne”, como o pé de cabra, que aqui é preparado numa espécie de tomatada.
Na porta ao lado, o Mil Homens é outro destino gastronómico apropriado. Sobretudo para os apreciadores de uma receita difícil de encontrar noutras paragens: a sopa de sarapatel, feita com os miúdos do borrego. As sobremesas também são muito recomendáveis, casos do pudim de azeite e mel ou das migas doces.
As refeições digerem-se melhor com um passeio pela vizinha cidade de Ammaia. Já não existe enquanto tal, é certo, mas foi um aglomerado urbano notável durante o Império Romano e as suas ruínas são monumento nacional desde 1949. No pequeno museu associado, não só é possível ver diversos artefactos recuperados ao longo de décadas de escavações como assistir a um pequeno filme que faz uma impressionante reprodução em 3D das ruas bem organizadas de uma cidade outrora vibrante, com fórum, termas, anfiteatro e um grande mercado.
Portalegre
A capital do distrito não tem o buliço de outros tempos, em que grandes empresas, como a corticeira Robinson ou a fábrica de lanifícios Fino, faziam dela o pulmão industrial do Alentejo. Tem, ainda assim, um certo charme de gigante adormecido, bem visível a partir do adro da Capela de Nossa Senhora da Penha, na serra homónima, que fica de frente para a cidade.
Pese este adormecimento, Portalegre continua a ser o berço das mais belas tapeçarias da nação. A história remonta a 1958, ano em que Guy Fino convidou Jean Lurçat, artista responsável pelo revivalismo da tapeçaria francesa, a visitar a Fábrica de Manufatura das Tapeçarias de Portalegre. Aí, mostrou-lhe duas tapeçarias com a mesma imagem: uma tecida em França, oferecida por Lurçat, e uma réplica, tecida em Portalegre, com o ponto local. Desafiado a identificar a tapeçaria original, o francês apontou a réplica. Ficou provada a qualidade destas tapeçarias que durante anos se espalharam pelo mundo e que, ainda hoje, decoram grande parte das sedes de organismos públicos.
Já quem visita a cidade para comer, também não sai mal servido, seja no Tombalobos, de José Júlio Vintém, chef portalegrense que é dos que mais tem levado a comida do Alentejo para a ribalta nacional – modernizando-a na apresentação, mas mantendo-lhe toda a essência e sabor – ou, a uma dezena de quilómetros, na Urra, à mesa d’O Álvaro, onde, segundo o anfitrião, Álvaro Feio, há quem chegue da Bairrada só para comer o leitão frito como a sua mulher o faz. No mínimo, um excelente cartão de visita.