Visitar o Vale do Côa é perder a noção de tempo. Seja pelas pinturas rupestres que nos fazem viajar 25 mil anos até à Idade da Pedra, seja pelas vilas e aldeias da região, que combinam uma natureza intocada com construções monumentais.

Vila Nova de Foz Côa

A cidade é o epicentro da região e, por isso mesmo, um bom ponto de partida para um fim de semana bem passado. A primeira paragem é no incontornável Museu do Côa, que dá as boas-vindas e algum contexto histórico a quem visita o Vale do Côa, formado há nada mais nada menos do que 500 milhões de anos. Inaugurado em 2010, o museu começa por ser uma obra arquitetónica surpreendente: uma estrutura em betão assente no topo de uma colina, com vista para o rio. No interior, são sete as salas de exposição permanentes (muitas delas interativas), dedicadas às pinturas rupestres da região. A visita faz-se em cerca de uma hora (o bilhete normal é 7€), e recomendam-se ainda os passeios organizados para descobrir no terreno a arte pré-histórica a céu aberto.

Do museu até à desativada estação ferroviária do Côa, o caminho é longo. São 890 os degraus que compõem os Passadiços do Côa, inaugurados em 2022. Se a descer todos os santos ajudam, a subir valha-nos a soberba paisagem do Douro Vinhateiro para recuperar o fôlego.

No restaurante Aldeia Douro, no centro da cidade, repõem-se energias. Os sabores do mundo são combinados com produtos locais, numa cozinha que é essencialmente de conforto. São obrigatórias as lascas de bacalhau no forno com crumble de bola tosca e legumes assados (16€).

À saída de Vila Nova de Foz Côa encontramos a Casa do Rio. A unidade de enoturismo da Quinta do Vallado conta com apenas 10 quartos, instalados no meio da vinha, que descem até ao rio Douro. De verão, dão-se mergulhos na piscina infinita e exploram-se as atividades fluviais; de inverno, os dias são passados à lareira e ganham popularidade as provas de vinho, realizadas todas as tardes, durante o ano inteiro.

Castelo Melhor

Castelos há muitos, mas poucos têm a confiança deste que se apresenta, sem grande modéstia, como Castelo Melhor. Trata-se de um círculo imperfeito, plantado a 450 metros de altitude, mesmo no cimo da aldeia homónima. Os portões estão abertos e dão acesso ao interior do castelo, de onde a vista é lindíssima. Por ter recebido poucas intervenções ao longo dos séculos, este é um exemplar raro de uma fortificação do período da reconquista cristã da Península Ibérica, nos séculos XII e XIII.

Rua abaixo, até ao largo da igreja, somam-se as pequenas casas de xisto. Poderá ter a sorte de encontrar algumas de porta aberta, com trabalhos típicos a decorrer – é comum observar os residentes a partirem amêndoas, por exemplo. Para provar (e levar) os sabores da terra, é passar na Queijaria Domingues, onde a dona Filomena chega a produzir 50 queijos por dia. Há requeijão, queijo fresco, queijo curado, com piripíri, com amêndoa, enfim. A visita aos bastidores é curta, mas sempre interessante. Por marcação, fazem-se ainda provas de queijos.

De Castelo Melhor saem as visitas guiadas à Penascosa, onde estão gravuras rupestres do Paleolítico Superior. Os passeios diários, organizados pelo Museu do Côa, são feitos de jipe e demoram cerca de 1h30. Com as indicações dos guias, identificam-se desenhos de cavalos, bovídeos e caprídeos. Ao final do dia, de preferência ao pôr do sol, passe pelo miradouro de São Gabriel para contemplar a vista panorâmica sobre a aldeia e arredores.

Numão

O caminho para Numão é um passeio por si só. A estrada que lhe dá acesso passa pela graciosa barragem do Catapereiro, ali instalada desde 1999, antes de começar a longa subida até à aldeia. Ao longe, sobressai logo na paisagem o castelo de Numão, localizado no ponto mais alto da povoação. É extenso, irregular e muito antigo – tanto, que não se sabe exatamente quando foi construído (terá sido na Baixa Idade Média, sendo pela primeira vez referido no ano de 960). Foi destruído e reconstruído múltiplas vezes, ao longo dos séculos – quer por guerras, devido à sua posição estratégica, quer por eventos naturais (como o terramoto de 1755, que ali se fez sentir). Ainda assim, há muito que explorar dentro das muralhas. Das 15 torres originais sobram hoje seis, e há também restos de construções espalhadas por todo o castelo, além de uma cisterna e uma pequena igreja românica em ruínas. A vista a 360 graus é esplêndida.

Monte abaixo, pelo carreiro, regressa-se à aldeia, onde ficam o pelourinho e o tesouro mais bem guardado de Numão. De arquitetura quinhentista e seiscentista, a igreja de Nossa Senhora da Assunção não se destaca particularmente do lado de fora. O seu verdadeiro encanto está no interior: no teto todo pintado à mão, numa abóbada de berço em madeira, com uma “Última Ceia” emoldurada a azul forte, que compensa o torcicolo.

Freixo de Numão

Há duas formas particularmente bonitas de chegar a Freixo de Numão: de barco, rio acima, ou de comboio, num passeio de aproximadamente uma hora, do Pinhão até à estação de Freixo de Numão/Mós. É precisamente em frente à estação ferroviária que fica o Bago D’Ouro, restaurante de comida honesta e saborosa. Os pratos que mais saem são o bacalhau à casa no forno (15€) e o naco de vitela (14,50€), sempre no ponto.

Chamar Machu Picchu Português à Estação Arqueológica do Prazo é efetivamente um exagero, mas percebe-se o entusiasmo. É uma povoação inteira em ruínas, com estruturas agrícolas, senhoriais e religiosas, com vestígios desde a Pré-História à Idade Média, que se visitam livremente. Recomenda-se uma caminhada para lá chegar, pelo caminho do Tanque do Sapo (assinalado), que sai de Freixo de Numão. São três bonitos quilómetros para cada lado. De regresso à vila, há que provar os bolinhos de amêndoa, típicos da vila. São apenas de clara de ovo, açúcar e amêndoa, mas com uma textura que faz lembrar a de suspiros.

Passando Freixo de Numão, já em Murça, fica o Bairro do Casal. O turismo rural nasceu em 2012, quando se recuperaram seis casas de xisto, de um lado e de outro da rua do Casal – e assim abriu a aldeia, envelhecida e bastante despovoada, para o mundo. A decoração dos T1 e T2 é simples e tradicional, e todos contam com salamandra e quintal próprios. No exterior, ficam os espaços comuns, da piscina à sauna. Os pequenos-almoços guardam um segredo maravilhoso: o pão. A massa vem de uma aldeia vizinha e é cozida todas as manhãs, na quantidade certa, apenas para os hóspedes do dia.