O majestoso Majestic Café, no Porto

Lá dentro, inalava-se o perfume dos bancos aveludados e das madeiras envernizadas, confundindo-se os cinco sentidos nos tetos de gesso decorado e abundante espelharia em cristal flamengo. Mármore e metal ligavam-se com requinte inigualável. Nas traseiras a natureza espreitava através do jardim de inverno, que ligava a rua de Santa Catarina à rua de Passos Manuel. Nesse dia já distante, o dia da inauguração ficou marcado na cidade. Foram muitos os que se dirigiram para esse ponto da cidade para conhecerem o novo edifício que se incrustava na paisagem arquitetónica portuense. Agradou a intelectuais e boémios mas também às senhoras da melhor sociedade que, em passeio, ali tomavam o chá ou um sorvete.” São as palavras de David Mourão-Ferreira sobre o mais belo café do Porto, inventado por um grupo de nove comerciantes, a Sociedade por Quotas Café Elite Limitada, que arrendou um rés do chão para abrir um café-cervejaria “luxuoso como os de Paris”, conta Fernando Barrias, atual proprietário. Apesar de “estarmos a sair da Primeira Guerra Mundial e termos a gripe espanhola, deu-se um boom” e o Majestic acompanhou esse otimismo. Depois de “uma obra titânica”, inaugurou a 2 de dezembro de 1922, “feérico e deslumbrante”, como o descreveu O Comércio do Porto.

Num prédio de 1916 desenhado por José Pinto de Oliveira, o Majestic é um exemplar da sinuosa Arte Nova, cheia de detalhes vegetalistas e formas sedutoras, que vão beber à cultura francesa. A fachada em mármore, três belas portadas e duas representações de crianças recebem-nos à chegada; lá dentro, as paredes estão forradas a molduras em madeira, grandes espelhos, esculturas de rostos humanos, figuras desnudas e florões em estuque, candeeiros em metal trabalhado e um piano de cauda. Em 1925, seria acrescentado o bar, com venda de vinho do Porto e, dois anos depois, um pátio interior, projetado como um tradicional jardim de inverno. Nesse ano de 1927 abre-se uma janela para a rua Passos Manuel, para vender tabaco e rapé, que depois se torna uma pequena tabacaria. No piso inferior, onde antes estiveram mesas de bilhar, fazem-se pequenas exposições de pintura. Pelo Majestic passou toda a história do Porto do último século, dos debates a tertúlias regados a café e a “absinto escondido”, como descreve Mourão-Ferreira. Entre a distinta clientela, encontrava-se Beatriz Costa, Júlio Resende, José Régio e Teixeira de Pascoaes ou Gago Coutinho chegado das suas incursões aéreas, “sempre acompanhado de belíssimas mulheres”.

Até ao começo da Segunda Guerra, “era um serviço de excelência”, descreve Fernando Barrias. “Aqui reuniam-se os alunos e professores de Arquitetura e Belas-Artes do Porto, mas também membros da PIDE e espiões nazis. Depois começaram algumas dificuldades de tesouraria: na altura pagava-se taxa de guerra, e tiveram de despedir pessoal e vender a máquina registadora.” Além disso, ao seu lado abrira o Café Palladium que tinha vários andares, “tipo o Harrod’s de Londres”.

Num prédio de 1916, desenhado por José Pinto de Oliveira, o Magestic é um exemplar da sinuosa arte nova, cheia de detalhes vegetalistas e formas sedutoras.

Nos anos 60 do século XX, o belo Majestic perde um certo brilho, sucedem-se várias gerências e, em 1981 é decretado Imóvel de Interesse Público. Pouco depois, o patriarca da família Barrias, dono do Guarani, também no Porto, ouve dizer que o Majestic iria ser comprado por um banco e resolve intervir. “O meu pai, com a paixão que sempre teve por cafés históricos, comprou-o em cinco minutos”, conta Fernando Barrias. E numa altura “em que se destruía para fazer de novo, não quis alterar nada e endividou-se sem nenhum apoio do Estado”. A partir de uns negativos em vidro que Fernando encontrou no sótão da Foto Beleza, recuperaram o Majestic “à traça original”: “Estava cheio de nicotina nas paredes, os sofás rasgados, faltava estuque.” Reabriu em 1994, com uma autenticidade que continua a ser o seu sucesso: “até hoje, sempre com fila à porta, as pessoas vêm de todo o mundo admirar o espaço, o luxo e a sensação de bem-estar. Ir ao Porto e não ir ao Majestic é como ir a Paris e não visitar a Torre Eiffel”.

Em 2023 vai fazer 40 anos que a família Barrias cuida do Majestic. “Temos histórias incríveis: pessoas que se conheceram aqui, que se divorciaram aqui, que arranjaram trabalho”, recorda. “Às quintas-feiras, por exemplo, vinha sempre o ministro do Ultramar e a malta aperaltava-se para ir pedir emprego”, ri-se. “A J. K. Rowling escreveu aqui Harry Potter, a Pedra Filosofal, e quando Macau foi entregue à China, o jantar de celebração entre os dois embaixadores foi aqui. E quando perguntaram ao presidente brasileiro Jocelino Kubitschek, em 1955, do que mais gostara na sua visita a Portugal, ele respondeu: ‘Os doces do Majestic’.” Os prémios de excelência não param de chegar ao Majestic, onde as rabanadas são a grande especialidade, assim como o concorrido bife à Majestic ou o bacalhau no forno, mas também o famoso chá das cinco. “Somos o sexto café mais bonito do mundo.”

A charmosa patisserie Versailles, em Lisboa

Salvador José Antunes, que tivera uma educação francófona, quis reproduzir em Lisboa o grande charme dos cafés parisienses, o seu ambiente arty e pastelaria cuidada – e assim nasceu a Patisserie Versailles, no 15 da avenida da Républica. Decorada ao estilo Luís XIV, com tetos muito altos de onde pendem lustres cintilantes e grandes espelhos palacianos, quadros de Benvindo Ceia, que retratam os lagos do faustoso palácio da corte francesa, o trabalho de talha de Fausto Fernandes e mobiliário curvilíneo Arte Nova. A Versailles inaugura a 25 de novembro de 1922 e enche-se da clientela mais distinta que vivia nas Avenidas Novas, servida por empregados em fardas impecáveis. “Trouxe um pasteleiro de Espanha, mas tudo tinha um toque afrancesado”, descreve Paulo Gonçalves, um dos nove donos atuais.

O seu pai, o comendador Mário Pereira Gonçalves, que sempre trabalhara nas pastelarias da zona, dizia: “Um dia vou ser sócio da Versailles.” E assim foi. Quando esta “passava por momentos difíceis”, Mário desafiou o primo Gaspar Ramos, um tio chegado do Brasil e mais outros três sócios. Os antigos donos deixaram pouca memória, por este ser um espaço “conotado com o Estado Novo”. Pela sua frequência claramente burguesa, a Versailles foi votada a “um certo abandono” depois da revolução de Abril de 1974. “Só sabemos histórias de funcionários, como o Sr. Fernando, cuja função, quando chegou, foi vigiar as acendalhas debaixo das mesas. Só que a maior parte desses empregados antigos já estão reformados.” E até aos anos 80, a Versailles tinha um porteiro trintanário, que reconhecia os clientes habituais.

Entre os anos 80 e 90, o bairro esvaziou–se e o rosto da cidade mudou: “o chamado ‘quarteirão Versailles’ foi o único que manteve a traça antiga, porque foi classificado”. Em 1987, a Versailles foi tornada património, mas só dez anos depois teve o seu primeiro grande restauro: “A sociedade da zona estava um bocadinho assustada, pensavam que íamos abrir uma cadeia de fast food”, sorri. Na verdade, a pastelaria Colombo, em frente, já era um McDonald’s, “mas as únicas obras que fizemos foi no edifício, que estava muito degradado, construímos um balcão e pusemos mais mesas”. Também limparam as paredes que estavam negras de anos de fumo, cuidaram dos interiores decadentes, mas mantiveram as estruturas antigas. “Não nos deixaram alterar o chão e fomos obrigados a pôr folha de ouro nestes dourados”, recorda. E mudaram o conceito de cafetaria: “Dantes, o café era servido em balão; nós é que trouxemos as máquinas de café expresso”. Entre a Colombo, a Ideal das Avenidas, no Campo Pequeno, e a Monte Carlo, junto ao Monumental, todas as pastelarias Arte Nova da época desapareceram; só a Versailles se manteve de pé. Ali reuniam-se “os sportinguistas e as senhoras da sociedade, que vinham quase todas à Versailles”.

A pastelaria Versailles comemorou em 2022 cem anos de existência.

Uns sócios saíram, outros entraram, como António Marques, vindo da pastelaria Sequeira: “Se calhar, o que mais dinamizou a Versailles.” Se a cultura de café sofreu com a crescente falta de tempo, o cliente Versailles continua a “sentar-se descansadamente”, sublinha Paulo e, ao fim de semana, as famílias ainda vêm passar a tarde. Agora pedem-se mais cappuccinos, bebe-se o café mais diluído, “mais fraco e cheio e com menos açúcar, o que é um erro”, sorri, mas continuam a receber os clientes antigos de sempre, cujos desejos os empregados sabem de cor, e “muitos executivos, que aqui tomam o seu pequeno–almoço”. O balcão continua a encher-se durante a manhã.

Paulo Gonçalves chegou a trabalhar com o seu pai na pastelaria Namur, na Defensores de Chaves, estudou gestão hoteleira em Inglaterra e entrou na Versailles em 2000. “Sempre morei na zona, vinha aqui com os meus colegas: era uma referência, tinha um ambiente diferente das outras pastelarias. É claro que isto se tornou o amor da minha vida, até foi aqui que conheci a minha mulher, que vinha cá com a mãe…” Além dos duchesses e dos croquetes, Paulo aconselha a provar os indianos de café e os croissants folhados, tudo de fabrico próprio. E os bolos-reis da Versailles passaram a ser obrigatórios no Natal: “no dia 24, as pessoas esperam horas; tivemos de recorrer a senhas e polícia à porta”. Entretanto a Versailles cresceu, tem agora uma geladaria ao lado e uma confeitaria e restaurante em Belém, mas nada se compara ao grande charme original que “é difícil de esconder, é intemporal.” A melhor parte de estar à frente de um ícone da cidade é “ouvir palavras de agradecimento por mantermos o encanto. Uma pessoa entra aqui e volta anos atrás, não se explica, só se consegue sentir.”