É um nome em constante evolução. Começa por ser grande em Campo Maior, torna-se enorme no Alentejo e dá ares de gigante em todo o Portugal, de lés a lés, ilhas incluídas. A sua imagem de marca é a Delta. Obra de Nabeiro, Manuel Rui Azinhais Nabeiro. O café expande-se à escala nacional, ganha fama internacional e depressa se espalha pelos quatro cantos do mundo. Pois bem, Rui Nabeiro também deixa a sua marca no futebol, através do Campomaiorense. O clube da terra, o único do Alentejo a chegar à final da Taça de Portugal e a jogar na primeira divisão. 

No currículo, o Campomaiorense acumula cinco presenças no escalão maior e a tal ida ao Jamor, numa final muito colorida com o Beira-Mar, em 1999. O resultado? Menos colorido: 1:0, vence a equipa de Aveiro. Rui Nabeiro vai à festa. Como é seu timbre, aliás – vê todos os jogos em casa, no Estádio Capitão César Correia, e alguns fora, quer fosse em Braga, Penafiel, Coimbra, Lisboa, Setúbal ou Portimão. A presença é garantida, por interesse genuíno no clube da terra, por interesse futebolístico e por interesse em dar moral à comitiva.

A sua dedicação é descrita pelo próprio, no prefácio do livro Das Origens à Actualidade 1926-2001 – O Livro do Sporting Campomaiorense, de Francisco Galego e Joaquim Folgado. “A minha adolescência e a minha juventude foram vividas em épocas socialmente difíceis e nunca encontrei tempo para a prática do futebol ou qualquer outro desporto. No entanto, muito cedo comecei a acompanhar a equipa e a interessar-me pela vida do clube.” Mais à frente: “Longe vão os tempos em que enchia o meu velho Peugeot de jogadores do Campomaiorense para os jogos fora. Na época, os recursos eram muito escassos e aqueles que na nossa terra tinham meios para ajudar não o faziam. Assim, com as ajudas de uns e de outros, mais entusiastas, íamos arranjando o necessário para manter viva a chama do Campomaiorense, que assim, nos anos 60, atingia gloriosamente a segunda divisão nacional.”

Foi com este plantel que o Campomaiorense alcançou a final da Taça de Portugal na época 1989/99. João Manuel Nabeiro era o presidente.

Presidente do Campomaiorense entre 1973 e 1990, Rui Nabeiro é uma figura no balneário. Que o diga Manuel Fernandes, treinador da primeira subida à primeira divisão, em 1995. “Ele aparecia sempre na hora certa para dizer as palavras certas, os jogadores sentiam esse carisma e eu também. Fui jogador de futebol durante anos e anos, joguei na CUF, no Sporting e no Vitória FC, convivi com imensos presidentes. Vi tudo e mais alguma coisa, mas o senhor Rui Nabeiro era especial.”

João Alves, outro jogador carismático do futebol português e também ele treinador do Campomaiorense, segue a mesma linha de raciocínio. “Aparecia no balneário e motivava os jogadores antes dos jogos, a contar histórias suas de superação. Não se ouvia nada, a não ser a sua voz”, recorda. “Sentia-se o impacto do carisma e era um homem que valorizava a palavra. A prova mais evidente é que nunca vi ninguém a queixar-se de dinheiro, o Campomaiorense pagava tudo a horas.” João Alves passou por muitos clubes, até grandes, em que, diz, “essa situação pura e simplesmente não se verificava”. Mas ali, em Campo Maior, “todos sabiam que podiam contar com o dinheiro no fim do mês. Bem vistas as coisas, é um ‘pormaior’. E significa respeito pelo trabalho de outrem”.

Continua o pingue-pongue. Agora a bola está do lado de Manuel Fernandes. “Muitas vezes, eram as pessoas do clube a perguntar-me porque é que ainda não tinha ido levantar o cheque do ordenado. Estamos a falar em meados dos anos 90, era assim que funcionava. Não havia transferências bancárias nem nada disso, nós é que íamos levantar o cheque. Se eu falhasse um dia ou dois, as pessoas chamavam-me a atenção. Nunca vivi situação parecida em nenhum clube por onde passei. Quer dizer, às vezes até era ao contrário. Eu queria receber e…”, Manuel Fernandes ri-se sem parar.

É ele quem sobe à primeira divisão. O jogo da subida é na Madeira, contra o Nacional. “Um golo do Rudi garantiu-nos o empate e a subida inédita. Acredite, nunca vivi uma festa assim. Atenção, fui campeão nacional pelo Sporting como jogador em 1980 e 1982. Mas nem assim. A festa da subida do Campomaiorense foi uma loucura. Chegámos ao continente às três da manhã e, depois, fomos para Elvas. Daí até Campo Maior, foi uma sinfonia de buzinas, tal era o cortejo enorme atrás do autocarro. Nem houve descanso. Na jornada seguinte, a última, ganhámos ao Amora e aí a festa foi em casa, com toda a gente. Havia duas tendas gigantes de comes e bebes, as pessoas a conviver alegremente de um lado para o outro. Foi uma época especial.”

E antes desse empate com o Nacional, na Madeira? Diz Manuel Fernandes com voz emotiva: “O senhor Rui Nabeiro foi connosco e quis dar umas palavras ao plantel antes do jogo. Repito-me: fui jogador durante anos e, às vezes, estamos tão concentrados que não ouvíamos as pessoas. Só que o senhor Rui era um motivador por natureza e lembrar-me-ei para sempre do que disse nessa tarde: ‘Vamos conseguir subir à primeira divisão; se não conseguirmos hoje, não é o fim do mundo; havemos de chegar lá.’ Por outras palavras, não fez pressão nem atirou a responsabilidade para cima dos jogadores, e a verdade é que resultou.”

Também Pedro Murcela, com ‘u’, sim senhor, alonga-se nas palavras sobre o presidente. “Trabalhei 44 anos para o senhor Rui. Mal fiz o serviço militar, entrei para a Delta e fiquei lá sempre. Como andei com o filho João Manuel na escola, era amigo de casa. Já agora, também joguei 17 anos no Campomaiorense, sempre na terceira divisão, quase sempre na série E. Quando acabei a carreira de futebolista, passei a ser o diretor do futebol e assisti a muitas alegrias, como as duas subidas à primeira divisão e a ida ao Jamor. Essa festa ainda hoje me emociona.”

Pedro Murcela lembra como Rui Nabeiro estava sempre presente, fazia questão de acompanhar até as camadas jovens e queria sempre cumprimentar toda a gente. “Se entrasse num relvado onde estivessem a jogar os miúdos de 15 anos, ele falava e dava uma palavra a todos. Era especial. Nunca me esquecerei da epopeia da Taça. Só foi pena o resultado, paciência. O que interessa é que fomos à final.” E cumpriu-se, assim, um sonho de Rui Nabeiro. 

De acordo com Manuel Fernandes, quando o filho, João Manuel Nabeiro, então presidente, lhe liga para apresentar o convite, em 1993, a reunião com o presidente Rui Nabeiro é do mais sincero possível. “Na sua cabeça, dois sonhos para o Campomaiorense: a subida à primeira divisão e a ida à final da Taça.” Em cinco anos, o Campomaiorense faz jackpot.

O capitão da final da Taça é o brasileiro Isaías, figura maiúscula de Boavista e Benfica, contratado ao Coventry, da Premier League. “Um advogado amigo em comum falou-me de Campo Maior, falei com o filho, mais o pai, e fiquei convencido na hora. As condições eram fantásticas e tudo correu às mil maravilhas, foi uma experiência inesquecível.” Outro craque do Campomaiorense é o holandês Jimmy. Aliás, Jerrel Floyd Hasselbaink.

“Quem me deu o nome foi o Rui Nabeiro”, recorda o jogador. “Como estava a treinar em segredo no Campomaiorense, o presidente começou a chamar-me Jimmy para passar despercebido. Resultou, ninguém se apercebeu da minha presença em Portugal e, depois, assinei.” A partir daí, a sua vida dá um salto e até se torna o melhor marcador da Premier League por dois clubes (o Leeds e o Chelsea), sem esquecer a presença no Mundial-98 pela Holanda. “Desde então, todos me tratam por Jimmy. São coisas que ficam. E ainda bem. Campo Maior está no meu coração, é uma cidade fantástica, cheia de gente boa.”

Rui Nabeiro, acima de todos. É ele quem dá o nome à Supertaça da Associação de Futebol de Portalegre, é ele quem entrega as medalhas e as taças e é ele quem cumprimenta todos com uma palavra calorosa. O mesmo calor do Alentejo sentido há anos e anos, mais precisamente em 1988, por ocasião do Benfica na final da Taça dos Campeões Europeus, vs. PSV Eindhoven, em Estugarda. Por obra e graça de Rui Nabeiro, a Delta oferece transporte aéreo à comitiva benfiquista, juntamente a 70 jornalistas e outros tantos convidados especiais. No voo de ida, o presidente oferece um grão de ouro a todas as senhoras. Charme, a palavra mais condizente com Rui Nabeiro.