“Que vida teria tido sem ela? Não seria ele, não seria o homem que estava ali. Sem ela, ele não seria ele.”
José Luís Peixoto, Almoço de Domingo
Quando lhe perguntavam se o café era a sua grande paixão, Rui Nabeiro ria-se: o café, sim, mas sobretudo Alice, a sua mulher. As conquistas profissionais eram importantes, mas era a nível familiar e pessoal que se sentia mais realizado.
Alice e Rui conheceram-se na escola primária. Ele deveria ter uns nove anos, ela menos um ano. Simpatizaram um com o outro, começaram a trocar olhares e a brincar juntos no recreio. “Conhecemo-nos nos bancos da escola e desde então que nos amamos”, contou o empresário. Quem havia de dizer que um namorico de infância se tornaria uma coisa tão séria? A culpa foi do professor António Joaquim Oliveira. Naquela altura, as turmas não eram mistas, mas, no último ano, o professor, que era muito progressista, fez um “cambalacho” e tomou a decisão ousada de juntar todas as crianças. “Quando chegámos à quarta classe é que começou a haver classes com rapazes e raparigas, e toda a gente arranjou um namoro.”
Ao início, “aquilo não era amor, era uma simpatia”, recordou Alice Nabeiro numa das suas raras intervenções públicas. “Começámos com oito anos e durou uma vida inteira.” E isto aconteceu estando o pai de Alice também ali sentado, na mesma sala de aula, pois precisava de fazer a quarta classe para entrar nos quadros da empresa e tinha voltado à escola nesse ano. Mas nem a presença do “sogro” inibiu o namoro.
O amor foi-se construindo aos poucos. Alice e Rui cresceram juntos e nunca mais se largaram. Em 1953 eram ambos ainda jovens, mas, com 21 anos, Rui Nabeiro era já um homem de trabalho, empresário sem “tempo para namoros nem cantadas”. O casamento aconteceu a 25 de outubro, em Campo Maior. Ele de fato, sapatos novos, brilhantina; Alice com o vestido de noiva que costurou com a mãe, as duas mãos segurando o ramo. Eram pouco mais de uma dúzia de convidados na igreja, praticamente só a família. Um dia perfeito, apenas ensombrado pela ausência do pai de Rui Nabeiro, que já tinha falecido. Depois da cerimónia, juntaram-se todos à mesa, comeram bolo e brindaram. Os noivos deram as mãos: depois de mais de dez anos de namoro, eram agora marido e mulher.
“Casámos cedo e a minha mulher tem sido o meu apoio constante ao longo da vida. Recordo que já nessa altura trabalhava muito e precisava de bastante tranquilidade familiar”, contou Nabeiro na biografia O Homem, Uma Obra, de Tereza Castro Ribeiro Reis. Quem os conheceu diz que eram inseparáveis. Ele, embrenhado no trabalho, sempre com problemas para resolver e papéis espalhados em cima da mesa, muito requisitado, figura pública, bom conversador. Ela, mais recatada, de menos palavras, atenta para que nada faltasse ao seu Rui, a ajeitar-lhe a gravata antes de ele sair de casa.
Rui e Alice tiveram dois filhos: João Manuel, que nasceu em 1954, e Helena, nascida em 1959. Depois vieram os netos: Rui Miguel, Rita, Ivan e Marcos. Para Rui Nabeiro, qualquer pretexto era bom para reunir a família, sobretudo se fosse à volta da mesa. Gostava do barulho feliz das crianças, acompanhou o crescimento dos netos e iniciou-os no negócio do café. “Têm de estudar e aprender para virem ajudar o avô”, dizia-lhes. E eles assim fizeram. Hoje, todos integram o Conselho de Administração.
Alice Nabeiro acabou por estar também ligada à empresa através da Coração Delta, uma associação de solidariedade social que nasceu, em 2005, fruto da vontade pessoal do casal, para promover serviços e programas nas áreas de educação, saúde e intervenção social. Dois anos depois, foi inaugurado o Centro Educativo Alice Nabeiro, para dar resposta às necessidades escolares das crianças de Campo Maior. Ainda antes de o Centro abrir portas, foi Alice Nabeiro quem acompanhou as obras e escolheu os materiais utilizados. “A necessidade de criar um espaço onde o processo educativo surgisse logo nos primeiros anos de vida das crianças era tanto do meu pai como da minha mãe, talvez até mais da minha mãe, e está espelhada no Centro Educativo desde o primeiro momento”, contou João Manuel Nabeiro. O nome foi escolhido pela família e mantido em segredo até ao dia da inauguração, para surpresa de Alice Nabeiro, quando a placa foi finalmente destapada. “A minha mãe não esperava. Ficou encantada. Mas fazia todo o sentido, porque ela está aqui desde o primeiro minuto.”
Nos últimos anos, com a mulher já doente e mais fragilizada, coube a Nabeiro cuidar da sua Alice. Procurava passar o máximo de tempo com ela e alegrava-se por agradar-lhe. Numa entrevista em 2020, admitia: “Fui um privilegiado. Ela era uma companheira a sério, completava-me a vida.”