Os ugandeses Simon Genza, Richard e Viola Musaka, e o tanzaniano Emil Augustino Mzumbwe são alguns dos milhares de cafeicultores do mundo inteiro que viram as suas vidas impactadas positivamente pelo trabalho da International Coffee Partners.
Fundada em 2001 por famílias europeias ligadas ao mercado do café, a International Coffee Partners contava já com croatas, noruegueses, italianos, suecos, alemães e finlandeses entre os seus membros. Faltavam os portugueses. Há pouco mais de três anos, a família Nabeiro juntou-se à organização, com o intuito de contribuir ativamente para melhorar o setor, começando justamente pelas pessoas que dão início a esta longa cadeia de produção: os cafeicultores.
O trabalho da International Coffee Partners (ICP) assenta na intervenção local, junto dos produtores de café, das suas famílias e das comunidades em que estão inseridos. Um universo que tem crescido nos últimos tempos: as exportações mundiais de café atingiram 11,2 milhões de sacos de 60 quilos em junho deste ano, segundo o último relatório da International Coffee Organization.
Com esse crescimento do setor, a ICP tem vindo a tornar-se mais exigente. “Quando foi criada, a fundação começou com projetos relativamente pequenos, nas Honduras e na Guatemala, que trabalhavam com cerca de 350 famílias”, recorda à DdD Michael Opitz, diretor-geral da ICP. “Ao longo dos anos, fomos fazendo crescer a dimensão das nossas intervenções e, neste momento, chegamos a aproximadamente três mil famílias.”
Os projetos diferem de país para país e de comunidade para comunidade. As dificuldades de uns não são as dificuldades de outros e é por isso que as operações estão maioritariamente assentes em equipas locais, escolhidas a dedo e invariavelmente treinadas pela ICP. Entre os agricultores que entram nos programas, há perfis que se destacam e em quem a organização investe, no sentido de lhes dar ferramentas para poderem partilhar o que vão aprendendo com outros agricultores, quer nas suas comunidades quer nas que lhes estão mais próximas. Com equipas fixas nos locais de intervenção, totalmente dedicadas aos projetos, a organização consegue chegar a mais pessoas e desenvolver projetos estruturados e duradouros.
O apoio dado aos produtores de café começa na implementação de novos métodos e ferramentas que lhes permitam praticar uma agricultura mais sustentada. Numa altura em que as alterações climáticas tanto causam grandes cheias como secas prolongadas em diferentes partes do mundo, as técnicas têm de ser adaptadas às circunstâncias – e muitos são os cafeicultores que, sem apoios, se debatem para manter as produções e acabam por abandonar a cultura do café. É por isso que, além dos projetos que desenvolve em campo, a International Coffee Partners partilha mundialmente o que vai descobrindo, no que às mudanças climáticas diz respeito, através de uma plataforma que promove a troca de conhecimentos: a Coffee & Climate Toolbox funciona como uma caixa de ferramentas online que compila metodologias e materiais que ajudam produtores de café em todo o mundo a lidar com as alterações climáticas com que se deparam.
Mas tão importantes quanto as boas práticas agrícolas são as noções de gestão empresarial, fundamentais para administrar recursos e sustentar trocas comerciais justas. “A própria organização foi evoluindo neste sentido”, explica Michael Opitz. “O foco inicial no café deu lugar a uma abordagem holística e integrada” que hoje dá provas da sua eficácia. Que o digam Simon Genza, Emil Augustino Mzumbwe e Richard e Viola Musaka, quatro agricultores que se juntaram à ICP nos últimos anos e que fizeram dela uma ferramenta para melhorar os seus negócios e as suas vidas. Estas são as suas histórias.
Simon Genza
Mityana, Uganda
O dia de Simon Genza começa ainda antes de nascer o Sol, pelas quatro da manhã. O jovem cafeicultor não tem mãos a medir – já que, além de produzir o seu próprio café, ele é um “agricultor de contacto”, o que significa que treina e apoia mais de 90 outros agricultores perto de Mityana, Uganda.
Durante a época de colheita, as bagas que dão origem ao café são vermelhas vivas. Assim que o orvalho da manhã evapora, é para o campo que Simon vai, para colher essas bagas, as mais maduras, e cuidar das mais verdes, limpando o terreno de eventuais ervas daninhas. O seu pedaço de terra conta com cinco mil metros quadrados, cedidos pela sua avó – também ela produtora de café – que assim deu oportunidade ao neto de ali cultivar café, feijão e milho, garantindo a sua subsistência.
A acompanhar a família na agricultura desde criança, Simon afirma que era inevitável tornar-se também ele agricultor. Mas foi apenas em 2010 que decidiu adotar e renovar o negócio da família, inscrevendo-se na Farmer Field School, sustentada na International Coffee Partners. “Antes de entrar no projeto da ICP, eu usava um método de colheita muito fraco e tanto colhia bagas verdes como vermelhas, pretas ou mesmo infetadas. Hoje colho apenas as vermelhas”, explica.
Com a formação a que teve acesso, Simon aprendeu a otimizar processos e a implementar várias práticas agrícolas corretamente, como a poda, a aplicação de fertilizantes ou o controlo de pragas e doenças. Os seus lucros aumentaram, já que o café produzido tem mais qualidade e Simon começou a conseguir trabalhar sem intermediários, vendendo o produto diretamente a compradores internacionais, dispostos a pagar mais.
Mas o cafeicultor não se tornou apenas mais eficiente na sua profissão: ele passou a acumular outra função. Através do projeto da ICP, Simon desenvolveu cooperativas agrícolas que prestam apoio aos seus membros e articulam estratégias comuns que os tornem mais fortes.
Desde 2005, a ICP conseguiu estabelecer mais de 50 cooperativas no Uganda e apoiou projetos que tiveram um impacto positivo em mais de 38 mil famílias de pequenos agricultores.
Emil Augustino Mzumbwe
Mbeya, Tanzânia
Cresceu em Mbeya, no sul da Tanzânia, numa família pobre e pouco instruída, que vivia da agricultura. Nos anos 80, Emil Augustino Mzumbwe herdou do pai a quinta onde hoje produz café, garantindo a subsistência da família que entretanto formou com a sua mulher, Lugano.
As condições em que o pai de Emil mantinha a plantação de café não garantiam a sua qualidade. O jovem agricultor deparou-se com múltiplas pragas que se iam agravando ao longo do tempo, com as secas cada mais mais frequentes, causadas pelo aquecimento global. Os pés de café enfraquecidos não tinham valor de mercado e não chegavam para alimentar os seus seis filhos. Sem acesso a informação que o ajudasse a dar nova vida à cultura do café, Emil viu-se obrigado a plantar milho em boa parte do seu terreno – ainda que fosse um produto menos rentável.
Os primeiros projetos da ICP na Tanzânia foram implementados em 2006, com o objetivo de formar agricultores e incentivá-los a adotar melhores práticas agrícolas e a fortalecer relações comerciais. Foi o que aconteceu com Emil quando, em 2013, integrou uma das iniciativas da ICP e recebeu formação dada por agrónomos, com demonstrações práticas no terreno.
Foi nessa altura que Emil e Lugano deram uma nova vida à plantação de café, que entretanto tinham deixado ao abandono. Através do armazenamento da água da chuva e de outras técnicas relativamente simples, o casal de agricultores conseguiu controlar as pragas e controlar os efeitos das secas naqueles dois hectares de terra, o que os incentivou a plantarem mais um hectare e meio com novas e melhores variedades de café.
A quantidade de café produzido por Emil e Lugano foi crescendo – se em 2013 produziam uma tonelada e meia por temporada, este ano produziram 5,5 toneladas. Os rendimentos da família Mzumbwe, ao longo dos últimos oito anos, praticamente triplicaram. No mesmo período de tempo, as intervenções da ICP também se multiplicaram, tendo chegado a 25 mil famílias de agricultores na Tanzânia.
Richard e Viola Musaka
Masaka, Uganda
O terreno de pouco mais de um hectare e meio fica a sudeste de Masaka, Uganda. É ali que vivem Viola e Richard Musaka, ambos cafeicultores, com os seus seis filhos. Ao contrário do que é mais comum no Uganda, esta família não esteve sempre ligada à agricultura. “Antes de cultivar café, eu tinha uma loja de peças para bicicletas”, recorda Richard. Mas para poder financiar a educação dos seis filhos e proporcionar-lhes uma vida melhor, decidiu mudar de vida e apostar na cafeicultura.
A escolha demorou a provar-se a correta. Nos primeiros tempos, os Musaka retiravam pouco rendimento do trabalho no campo. O café vendia-se a preços reduzidos, o clima não favorecia a cultura e as práticas agrícolas rudimentares não chegavam para fazer crescer o negócio. Mas quando Richard se juntou a uma organização de produtores locais da ICP, em Nabugabo, composta por mais de 20 agricultores, e através da qual recebeu formação em literacia financeira e em técnicas agrícolas, deu-se um ponto de viragem para a família.
Passaram cinco anos desde essa altura. Hoje em dia, o negócio prospera e, além de beneficiário, Richard é um membro ativo dentro do projeto. Além de formar e apoiar outros agricultores da região, é ainda responsável por recolher o café produzido pelos restantes membros da organização e entregá-lo no Depot Committe em Bukule, que consegue vender diretamente aos exportadores em nome do conjunto de agricultores que representa, garantindo-lhes melhores margens de lucro.
“Com o aumento da produtividade e da rentabilidade do café que produzimos, a Viola e eu conseguimos juntar dinheiro para investir em árvores de fruto e numa criação de porcos.” Os novos negócios tanto servem para aumentar a qualidade de vida da família como para garantir a subsistência, em caso de pragas ou intempéries que prejudiquem as colheitas do café. “Somos pessoas trabalhadoras”, diz Viola com orgulho. “É por isso que conquistámos tanto e que os nossos filhos podem ir à escola.”