Praticamente equidistante de Lisboa e do Porto, a Serra da Estrela guarda natureza em bruto, manjares dos deuses e uma série de projetos recentes que vale a pena conhecer. Um só fim de semana, mesmo tão cheio, fica até a saber a pouco.
Covilhã
A abrir caminho pela encosta sul até ao cimo da serra da Estrela fica a Covilhã, cidade neve e cidade flor. Conhecida outrora como a Manchester de Portugal, pela sua forte indústria de lanifícios, é hoje uma cidade universitária cheia de vida. Um passeio pelo centro histórico comprova-o: seguindo o roteiro de arte urbana, a cada esquina encontra-se um novo grafíti ou mural pintado. Entre murais e instalações, são mais de 100 as intervenções artísticas que resultam do festival de arte urbana Wool que, com mais de duas décadas de existência, não só celebra como acrescenta história e cultura à cidade.
Pelas ruas estreitas e íngremes do centro histórico descobrem-se o pelourinho, o miradouro das Portas do Sol e a igreja de Santa Maria Maior, construída no século XVI mas forrada a azulejos no início do século XX. A dois passos está a Tentadora, uma antiga mercearia transformada em loja, galeria e cowork. Decorado com placas e néones antigos, o espaço mistura produtos de outros tempos e peças de artesanato contemporâneas, sempre de produção nacional.
Onde fica hoje a Casa das Muralhas funcionou uma escola primária, um museu e até a sede do Clube Nacional de Montanhismo. O edifício centenário é atualmente um pequeno hotel, com apenas oito quartos e um Bistro Bar, onde é de provar – entre muitas outras iguarias – o tornedó de vitela com foie gras (24€), que acompanha com bolinhos de batata e queijo da serra, grelos salteados e molho de uvas.
O ponto alto do passeio é a Varanda dos Carqueijais, literalmente. Fica na subida que se faz da cidade em direção às Penhas da Saúde, e é impossível não se dar por ele – até de longe o passadiço suspenso, inaugurado em outubro de 2020, assusta os mais sensíveis às alturas. Vale a pena pela vista, que vai da Covilhã à Cova da Beira.
Seia
Situada no sudoeste da serra da Estrela, Seia é a porta de acesso para quem do norte vem visitá-la – um estratégico ponto de partida para conhecer o parque natural, que pertence em boa parte ao concelho de Seia. A pitoresca cidade fica a 550 metros de altitude e tem um centro histórico que merece um passeio a pé.
O Museu do Pão, um dos maiores espaços museológicos em todo o mundo dedicados ao tema, dá a conhecer o ciclo de produção do pão, assim como a sua importância histórica e cultural ao longo do tempo. Para os mais pequeninos, atenção ao ateliê de massapão, em que se criam e se pintam figuras comestíveis, e ainda o maravilhoso carrossel, construído pelo mesmo autor do carrossel da Torre Eiffel como uma homenagem às suas memórias da infância – da viagem de carrossel ao pão quentinho acabado de sair do forno.
Aproveitando que cresceu água na boca, falemos de comida. Em Seia, todos os caminhos parecem ir dar ao restaurante Borges. “Vir a Seia e não comer o joelhinho de porco do Borges é o mesmo que ir a Roma e não ver o Papa”, garante o carismático Rui Borges. Tenro e saboroso, gorduroso quanto baste, é temperado de véspera e assado logo pela manhã, durante hora e meia. Serve-se com arroz de feijão e couve-coração da região (14€/dose).
Pelas ruas de Seia ou já no Sabugueiro, ali ao lado, muitas são as lojas onde comprar produtos regionais de qualidade, das pantufas aos chapéus, dos enchidos aos doces. O destaque vai para o queijo de Seia, que é precedido pela sua fama. Na loja Varanda do Sabugueiro, além destas iguarias, há também uma vista deslumbrante sobre o vale.
A meia dúzia de quilómetros, fica a Lapa dos Dinheiros, bonita de inverno e deslumbrante de verão. A praia fluvial, homónima da pequena aldeia que lhe dá acesso, é formada por rochas graníticas e está mesmo à beira de um bosque de castanheiros centenários, por onde se descobrem trilhos assinalados.
Manteigas
Conhecida como “o coração da serra da Estrela”, Manteigas está integralmente inserida no parque natural. É o mais pequeno concelho do distrito da Guarda, mas reúne paisagens que são autênticos postais da região. São exemplos disso o Covão d’Ametade, as Faias de São Lourenço ou o Vale Rossim.
No centro da vila provam-se os sabores serranos e, mais especificamente, os de Manteigas. No restaurante A Cascata, há uma feijoca de comer e chorar por mais – uma espécie de feijoada mas com um feijão que só cresce na região, maior em tamanho e também em sabor.
A dois passos, encontra-se a Burel Factory, criada em 2011 a partir do que restava da (já em declínio) Lanifícios Império. O objetivo era recuperar o património que estava prestes a perder-se e trazer a tradição para os dias de hoje. Passados 12 anos, a fábrica que produz burel – proveniente da ovelha bordaleira, que só existe na serra da Estrela – não só produz peças de design contemporâneo como ainda se deixa visitar de forma gratuita, mediante marcação. Veem-se em ação os oito teares antigos, com mais de 80 anos, além das próprias cerzideiras, que à mão corrigem os erros das máquinas, com uma mestria que é obra de arte.
A Casa de São Lourenço, situada numa íngreme encosta que dá para Manteigas, fica a 500 metros de altitude relativamente à vila. Com vista para o Vale Glaciário do Zêzere, onde antes havia uma antiga pousada devoluta da década de 1940, nasceu em 2018 o primeiro e único hotel de montanha no segmento de luxo em Portugal: a Casa de São Lourenço, que conta com 17 quartos e 4 suítes e é dos mesmos fundadores da Burel Factory. Por todo o hotel está presente o burel, que isola não só a temperatura mas também o som, e consegue elevar a estadia a experiência sensorial.
Loriga
A vila situa-se a uma altitude superior a 770 metros, esculpida entre as enormes Penha do Gato e Penha do Abutre – com outros mil de altitude. Entre as montanhas, fica um pedacinho de verde chamado Loriga. Foi a aridez da terra inclinada que levou à construção dos socalcos, que hoje são imagem de marca da vila, apelidada de Suíça portuguesa devido aos seus declives agrícolas, salpicados de verde durante todo o ano.
Nas apertadas ruas da vila – onde só passam carros de gente muito habilidosa – descobrem-se a pé a igreja e as capelas, o pelourinho e os muitos fontanários. Nas padarias e pastelarias, prova-se o típico bolo negro de Loriga, assim como os pastéis de nata e os bombons de queijo da serra – que, tanto com chocolate de leite, preto ou branco, são só para os mais valentes. Um pouco acima, há que passar pelo restaurante O Vicente, com vista para o vale. Havendo vaga, é sentar-se a uma das mesas junto à janela, maneira de até as diferentes versões do bacalhau à serra – assado, cozido ou com broa – saberem melhor.
A ribeira de Loriga, de água cristalina, nascida na serra, cruza a vila e, volta e meia, faz-se ouvir. É de visitar também a praia fluvial de Loriga, a única do país situada num vale glaciário, que durante o verão se enche de banhistas. Não se dá pela enchente graças às múltiplas piscinas que se formam e ao muito espaço em volta.
O Fontão fica a uns singelos oito quilómetros de Loriga, mas é uma verdadeira viagem no tempo. A aldeia em xisto tem pouco mais de 30 casas, todas desabitadas. De inverno, é percorrida apenas por vacas que por ali pastam livremente, subindo e descendo as ruelas em pedra. De verão, quando a aldeia vê regressar os seus migrantes, ganha vida e até o ribeiro convida a mergulhos.